Estigma de um símbolo
(sonetos triangulares)
-Quando da mortalidade de cianças indígenasem MS, por desnutrição, começo de 2005.
I
Portugal, missa, naus, festa, alegrias,
riqueza, aurora, vagas, Cabral, mar,
cansaço, água, espaço, água, luas, dias.
Abril, perdidos, monte, terra, matos,
surpresa, Páscoa, Adão, Eva, invulgar,
espanto, agitação, candura, natos.
Fé, amor, cruz, pujança, Deus, sementes,
pão, vinho, comunhão, nobres, brasílicos,
marujos, graças, dádivas, contentes.
Peixe, carne, pomar, seara, quietude,
música, danças, choça, rede, idílicos,
seculares, família, união, virtude.
faustos, gentis, natura, liberdade,
bondade, mansidão, felicidade...
II
Bosques sem vida, seios com rancores.
Trôpegos, ébrios, títeres domados.
Os brados que retumbam são de dores.
Sem berço esplêndido, a noite é atra e escura.
E às margens vis da estrada ora deitados,
a imagem do cruzeiro não fulgura.
Rios pobres, onde Iaras não mergulham.
Não mais as serras, prados, campos largos.
No pálio azul raios hostis borbulham...
Perto, crescendo a aldeia do estrangeiro,
longe, o fim desses tempos tão amargos...
Há no álcool o clamor de um povo inteiro:
Talvez tentando afogar vão penar.
*Tekoha: nesse sonho despertar...
III
Ó querência bendita e de farturas,
sob teus grandes celeiros de abundância,
deixam-se perecer frágeis criaturas,
hoje êxules em pátria brasileira...
Bômbices puros que não têm infância,
teares de uma existência passageira.
É o abandono ceifando as esperanças...
Quando acabará este fado cruel,
que faz morrer à míngua pobres crianças?
Sempre que um indiozinho desce ao chão
sua alminha, singrando o ar, sobe ao céu...
E quantas, meu Deus, ainda subirão?
- Se és mãe, Brasil, desta nação sem norte,
levanta da justiça a clava forte!
*Tekoha: Terra sagrada na linguagem indígena.