A LENDA DAS ESTRELAS CADENTES

CAPÍTULO I - MELANCOLIA

Sinto uma grande tristeza aqui na minha aldeia.

Não. Não estou deprimido. A tristeza é de alguém.

Ainda eu não sei quem é e isso muito me chateia.

Quem será o exalante de tanta tristeza? Quem?

Já é madrugada. A aldeia toda dorme, menos eu.

Procuro pela taba, em cada oca, mas tudo em vão.

Não há choros, nem lamúrias. O silêncio escafedeu.

Ouço roncos, barulho de animais noturnos desde então.

Não há sinal de guerra, nem presença de homem branco.

Estes quando parecem aqui é sinal de problema na certa!

Tudo em paz. Vou dormir para ver se esta cisma estanco.

Sonho com olhos lacrimejando. Lábios trêmulos gemendo.

A dor é tão pujante e tão devastadora que me desperta.

Saio da rede. Não foi pesadelo. Há algo ruim acontecendo.

CAPÍTULO II – DE DIA É TRANQUILO

No dia seguinte eu chamo o cacique para conversar.

Conto-lhe da minha intuição e do meu triste sonho.

Ele me diz que com a tribo não há do que preocupar.

Tudo está bem, não há um índio na aldeia tristonho.

De fato, durante o dia a angústia sentida é inexistente.

As índias também afirmam que com elas está tudo bem,

O mesmo se pode dizer das crianças. Que coisa incoerente!

Volto a lembrar do sonho e dos elementos que ele contém.

Os olhos e os lábios têm traços femininos, pude bem notar.

As lágrimas tinham o seu destino a boca do ser sofredor.

Sou um pajé e não posso com a minha intuição equivocar.

A tristeza ontem apareceu quando começou anoitecer

E durou à noite toda. Precisa de mim, seja quem for,

Mas como ajudar alguém que o contexto me diz não ter?

CAPÍTULO III – UM ENIGMA

O dia se despede da aldeia. A noite chega enxurrando tristeza.

Só o pajé sente. Se a realidade não me dá resposta, o que fazer?

Já sei! Vou consultar os deuses e terei a resposta, com certeza.

O xamanismo dá como solução um enigma para o pajé resolver.

“O infortúnio vem de uma opacidade de muitos brilhos rodeada.”

Nenhum índio está acordado a não ser eu. O fogo já fora apagado.

Não tem mais nenhuma fogueira ou tocha acesas. Não tem nada.

A aldeia dos caraíbas tem luzes artificiais. Aqui, recurso ignorado.

Ela fica bem distante da minha aldeia. Não pode ser as luzes deles.

Quem ou o quê na natureza pode ser do enigma divino uma pista?

Vagalumes... será que existe um com o bumbum fosco entre eles?

O pajé vai para um local onde se encontram os insetos luminosos.

Perdi meu tempo. Os faroizinhos deles são vistos a perder de vista.

Outra vez acordado em vão. Meus miolos ainda estão fervorosos.

CAPÍTULO IV – A ESTRELA FOSCA

O enigma não está na terra. Olho o céu. A lua lá reina absoluta.

Parecendo um astrônomo, o pajé observa as estrelas a olho nu.

Consegue ver na constelação uma estrela que para brilhar reluta.

Só pode ser ela a resposta do enigma que me deixa tão jururu.

Tenho que comunicar com a estrela fosca. Preciso fazer um ritual.

O pajé pede permissão aos deuses para conversar com a estrela.

Assim que obtém o consentimento, ele realiza a projeção astral.

Aproxima do corpo celeste. É nítida a forte tristeza que há nela.

Se fosse gente, receberia um ombro amigo, infelizmente não é.

O pajé pede nova aprovação para dialogar com a estrela fosca.

De novo obtém sucesso. Estrela, por que está contra a maré?

Qual o motivo de não querer brilhar? Por que está angustiada?

Estou aqui na condição de amigo e quero tirá-la dessa dor tosca.

Confie em mim, se não a dor continuará tendo em você a morada.

CAPÍTULO V – CONFIDÊNCIA

Minha agonia é porque eu sou uma estrela sem a minha vontade.

Eu era uma cunhatã. Tinha um grande guerreiro como namorado.

Uma noite, a deusa Jaci veio, beijou-me, dando-me luminosidade,

Fui para o firmamento forçada e tive meu não por ela desprezado.

Meus pais ficaram honrados por eu ser escolhida pela deusa Jaci.

Eu sei que muitas cunhatãs gostariam de estar aqui no meu lugar,

Queria levar a minha vida com o homem amado que eu escolhi

e obter o apoio dos nossos poderosos deuses para nos abençoar

Agora deixei de ser uma jovem índia e não tenho mais namorado.

Deusa lua Jaci tolheu-me de ser feliz, como a todo mundo convém.

O guerreiro, desde quando desapareci, traz o coração estraçalhado.

Ora todo dia aos deuses para ter uma guerra e morrer como herói,

Já que a vida não faz mais sentido, pois o meu amor ele não tem.

As cunhatãs querem em vão namorá-lo, mas a alma dele ainda dói.

CAPÍTULO VI – RÉPLICA E TRÉPLICA

Não que eu esteja duvidando de você, mas percorri toda aldeia

Para achar alguém triste, pois a tristeza comigo era compartilhada.

Todos disseram que não havia ninguém; mas essa dor forte e feia

Continuava me causando um grande desconforto, assim, do nada!

Meu guerreiro amado escondeu de todos a sua grande decepção.

Não minto, pode perguntar aos deuses e eles ficarão a meu favor.

A tristeza que eu trago, inibe o brilho de sair em grande proporção.

A deusa lua, Jaci, não quer me ouvir. Quer simplesmente se impor.

Enquanto o meu guerreiro estiver vivo e me amando, não brilharei.

Se ele morrer por causa do meu amor, aí que não brilharei mesmo!

Ainda que ela me mate ou me destrua, a vontade de Jaci não farei!

Não repita isso, vai que Jaci considere a sua fala uma insolência...

Ela pode se cobrir de toda ira e não deixar o seu desaforo a esmo.

Como pode uma mera mortal desafiar uma deusa? Haja paciência!

CAPÍTULO VII – “COM VINAGRE NÃO SE PESCA MOSCA”

Você está certa, estrela, porém o modo como fala é o problema.

diz um provérbio popular: “com vinagre não se pesca moscas”

Você não é uma deusa, logo, estrela, mude já o seu estratagema.

Talvez a deusa Jaci não a ouve, por julgar suas verborreias toscas.

Reflita comigo: Agindo desse modo, você pratica um autoflagelo.

Não é que tenha que ser um puxa-saco ou então se vitimizar.

Nós precisamos de uma tática que quebre da deusa Jaci o gelo

Ela terá que lhe ouvir e no mínimo consigo contra-argumentar.

Eu vou lhe ajudar, mas precisarei muito de sua colaboração.

Farei dois conselhos, um com os deuses e outro com os anciãos.

Desde jeito espero encontrar para o seu problema uma solução.

Só a procurarei agora para lhe comunicar o retorno disso tudo.

Ajuda-me a ajudar. Creio que a resolução esteja em nossas mãos.

Até breve, estrela. A razão deve imperar na sua história sobretudo.

CAPÍTULO VIII – O PLANO DO PAJÉ

A primeira reunião foi com os anciãos da aldeia. Muito produtiva.

Na reunião com os deuses estava presente o marido da deusa lua.

O nome do esposo é Coaraci, deus sol. Sua participação é passiva.

Coaraci é somente ouvidos. Nenhuma dica para ajudar ele insinua.

Com sensatez, o pajé pensa as duas reuniões. Chega um consenso.

O problema só será resolvido colocando as duas frente a frente.

Jaci e a estrela terão de estar num campo neutro. É o que penso.

Elas não ficarão sozinhas. Haverá mais seres nesse campo presente.

Se a estrela mudar de postura, ajudar-nos-á na execução do plano.

Contudo, se mantiver aquele jeito dela turrão, dará tudo errado.

Pedirei informações ao Tupã sobre Jaci para não cometer engano.

A estrela já sabe. Amanhã é o dia D, ou melhor, tudo ou nada.

O plano está em execução. Não tem como o plano dar errado.

Creio que amanhã o guerreiro estará nos braços de sua amada.

CAPÍTULO IX – ÁREA DE CONFLITO

Com o respaldo de Tupã, o pajé tem como o seu plano executar.

À noite, as estrelas estão no céu, assim como a deusa lua jaci.

Toda a tribo está dormindo. Agora é que o bicho na taba vai pegar!

Além das duas, deus Tupã e o pajé vão intermediar os conflitos ali.

Será dado a chance de ambas externalizarem as suas diferenças.

Mediante a tudo que as duas falarem, deus Tupã dará o veredito.

O pajé será a testemunha ocular da isenção de Tupã nas sentenças.

Para surpresa de todos, há uma estrela com um brilho bem bonito.

A fantástica estrela reluzente era aquela mesma, a estrela fosca.

Resolveu brilhar agora por quê? Pergunta boba! Já sei o porquê!

A presença do deus supremo Tupã, não é isso, estrelinha tosca?!

Não é isso, Jaci. Quero me abrir a você. Jamais quis ser uma estrela.

Tinha uma vida feliz quando humana e um namorado, mas você,

Surgiu, transformou-me neste corpo celeste e minha alegria mela.

CAPÍTULO X – A INFELICIDADE DA ESTRELA FOSCA

Gostaria de viver o amor recíproco com o guerreiro de nossa tribo.

Ele sofre com o meu sumiço e eu por não puder dá-lo o meu amor.

O meu amado pensa em morrer (sentimento ruim que não coíbo)

Não como fraco, mas sim numa batalha que lhe aumente o valor.

Como as tribos estão em paz, o que fazer para morrer como herói?

Queria também morrer, pois nossa tristeza reza na mesma cartilha.

Não posso. Eu virei estrela. Tal realidade não quero e muito me dói.

Se morrêssemos juntos, no mesmo local e horário, seria maravilha!

A infelicidade é tão imensa que me impede de ser assim reluzente.

Então você não está mais triste? Está com um brilho maravilhoso!

Triste ainda estou, só que tenho a esperança de voltar a ser gente.

Por isso lhe digo o que sinto e conto muito com sua compreensão.

Jamais quis confrontá-la. Nem a estou desafiando agora. É gostoso

Ter deuses conscienciosos, fortes, corajosos para nos dar proteção.

CAPÍTULO XI – O ADVOGADO DE DEFESA

Pajé, quer falar algo. Eu lhe dou a palavra para que exponha.

Jaci, você não cumpre uma de suas missões ao separar o casal.

A estrela tem amor correspondido, quer casar. É o que ela sonha.

Você é a deusa dos apaixonados... logo o seu dever não está legal.

Você é responsável pela saudade que sentem os guerreiros.

Quando eles lutam ou caçam a fim de não demorarem na mata

E assim voltarem às suas respectivas esposas todos fagueiros;

Se forem namorados a mesma realidade dos casais se retrata.

Seria demais lhe pedir para retornar essa estrela a ser gente?

Têm muitas índias que amariam ser estrelas e brilharem no céu.

Peço-lhe mil desculpas se considerar minha sugestão indecente,

Mas é que me corta o coração em ver a vida em desarmonia.

Já não basta os caraíbas que quando aparecem é só escarcéu!

Então Jaci, o que nos diz conforme a sua grande sabedoria?

CAPÍTULO XII – O TESTEMUNHO DO GUERREIRO

Pajé, traga o grande guerreiro namorado da estrela para cá.

Sem questionar, o pajé cumpre a ordem pela deusa Jaci dada.

Ao saber que verá o querido namorado de perto e não de lá

do céu, a estrela fica bem feliz e ainda muito mais iluminada.

Guerreiro, sei que você esconde uma tristeza em seu peito.

É verdade, Jaci. Só que a tristeza que eu trago não tem cura.

Estava amando uma índia, mas a vida negou-me tal direito.

Como por encanto ela sumiu, deixando-me na amargura.

Eu não vou amar mais ninguém. O meu coração se desfez.

A vida não tem mais sentido, mas não posso tirá-la de mim.

Penso apenas numa guerra onde a morte me levará de vez.

Guerreiro, diga: para que servem as estrelas no firmamento?

Além de quebrar a escuridão do céu, as estrelas tem por fim

nos orientar de como podemos chegar num local a contento.

CAPÍTULO XIII – MISSÃO DAS ESTRELAS

O brilho da estrela que não está no céu não cega ninguém.

Graças aos bons-sensos dos deuses e suas ilustres presenças.

O guerreiro se encanta com essa estrela brilhando também.

Ele estava fascinado em conversar com deuses de suas crenças.

O guerreiro continuou lá, visto que não foi pedido para ir embora.

Estrela, entendeu agora para que você serve, qual é a sua função?

Conduzir nossos guerreiros e nossos índios em geral mundo a fora.

Em terras distantes ou na volta pra cá. Estrelas são nossa direção.

Quanto mais brilhante for a estrela, mais certo será a indicação.

Não posso escolher qualquer cunhatã. Se fosse assim, fácil seria.

Quem escolher seu espírito agirá em consonância com o coração.

Coração bom, sem mágoa, sem medo, é sinal de espírito radiante.

Pessoa com alma faceira, vira ótima estrela para se ter como guia.

Estrela muito brilhante, fará o índio seguir seus caminhos confiante.

CAPÍTULO XIV – RELUTÂNCIAS

Deusa Jaci, peço-lhe que faça a estrela voltar a forma humana.

O índio ao rever sua amada, tão é a comoção que fica estático.

A índia chora copiosamente por voltar a ser pessoa. Dela Emana

uma alegria imensa por aquele momento tão especial, fantástico.

Tomando as rédeas de suas emoções o casal materializa o amor

Através de beijos longos, abraços apertados, sorrisos esfuziantes.

As mãos se entrelaçam. A ameaça da separação é o grande temor.

O casal ajoelha e pede pra não acontecer o que aconteceu antes.

Amados deuses, não queremos ser separados. Ouçam nosso apelo.

Se não for para ficarmos juntos, tirem-nos a vida, por misericórdia.

Vocês não são cruéis com nós mortais, pelo contrário, tem é zelo.

Tupã, atendi o seu pedido, mesmo a contragosto; e a todos ouvi.

Pelo que percebo o que eu disser irá causar a mesma discórdia.

A índia tem que voltar a ser estrela. O lugar dela é no céu ali!

CAPÍTULO XV – AS NOVAS ESTRELAS CADENTES

É necessário que haja conciliação. Quem pode ceder e em quê?

Sei o que é considerado inegociável para cada uma das partes?

A índia quer o amor do guerreiro, Jaci, índia estrela. É o que se vê.

Para resolução do caso, apresento a todos os seguintes encartes:

Se o guerreiro quiser, posso transformá-lo numa estrela cadente,

Ele estará vivendo o amor com sua amada que voltará a ser estrela

Cruzando não só o céu, mas também todo espaço sideral existente.

Ambos estarão no céu ao lado do outro e ficarão sob minha tutela.

Assim será cumprida as funções destinadas a deusa lua Jaci,

Um amor não será inibido, a índia escolhida continuará estrela

A função deles agora será de nos guiar, os deuses da nação tupi.

A proposta do Tupã é aceita pela índia estrela, jaci e o guerreiro.

O céu, de braços abertos, as novas estrelas cadentes aquartela.

O pajé agora está tranquilo, porque chegou ao fim tal entreveiro.

O FILHO DA POETISA

Filho da Poetisa
Enviado por Filho da Poetisa em 14/12/2020
Código do texto: T7135475
Classificação de conteúdo: seguro