DEALBAR
DEALBAR I – 11 MAR 21
Dorme no céu a longa nuvem rosa,
um pássaro voa sob ela, preto,
mas do meu ponto de vista mais direto
ele voa sobre a nuvem preguiçosa...
A aurora ainda não surgiu formosa,
do horizonte não percebo o tom dileto;
tão só linha quebrada é o objeto
em que termina minha visão airosa.
Moro na parte velha da cidade
e quando olho para o lado norte,
só vejo essa silhueta dos telhados
e o Sol encontra ali dificuldade
de ser erguer sobre os merlões do forte
em que o povo protege seus pecados...
DEALBAR II
Já para o lado sul há outra visão;
vejo o jardim em meu primeiro plano
e então o terraço se mostra soberano
com glicínias a brotar em profusão,
mais outras flores em caramanchão,
mesa e cadeiras a proteger de um dano;
a escada em caracol dá certo afano,
uma roseira a se enroscar no corrimão...
Os seus espinhos conformam ameaça
a quem pretende ascender até o terraço
e o cilindro central recebe o abraço;
mas lá no alto o olhar alcança graça,
atravessando da folhagem fresco véu,
na amplitude da visão do céu.
DEALBAR III
E ao debruçar-se sobre o peitoril,
prédios e casas corrompendo embora,
há uma visão do cerro e da senhora
que descrevi como dama senhoril,
deitada na fronteira do Brasil
a proteger dos ataques de um outrora,
tempos antigos perdidos já no embora:
hoje há amizade bastante varonil.
Mas o céu que vejo aqui é amarelado,
como um reflexo desse véu rosado,
o lado oeste invejoso do nascente,
enquanto o leste espalha-se impudente...
Contra o calor agora fecho meus postigos:
ergueu-se o Sol e a luz traz seus perigos...
DEALBAR IV
O céu a meu redor é tão variado!
Mais do que a Lua se mostra caprichoso,
às vezes calmo, de outras bem ventoso;
esta manhã encontrava-se nublado;
contudo, o dia já avançado,
vem o Sol espiar mais temeroso,
explorando a situação desse teimoso
ondular da névoa sobre o prado...
Mas como já não moro na campanha
e permaneço quase sempre sob um teto,
suas condições hoje registro apenas,
a contemplar da atmosfera a manha,
à chuva e ao orvalho mostrando o mesmo afeto,
sem que a geada sequer me cause penas!