Dois sonetos surreais c/ interação de Fernando Cunha Lima

I – O ser humano

Descalço e inteiro nu, por sobre o chão,

O cheiro bom da terra feminina.

Raiz, torrão suave, feito pão,

Disformes formas, que o mistério ensina.

Um gosto bom sabor d’água na mina,

Saber caminho, em mole escuridão.

Na boca, a viva massa, vitamina.

Do ser humano e a terra a integração.

Saber de solo puro, a natureza,

No fino barro, a vocação perfeita,

Ligado à terra, enlace visceral.

Desconhecendo o céu total leveza

Só vendo o chão viscoso e gosma feita,

Na terra, sempre em comunhão total.

II - O anjo

E, de repente, em seu azul macio,

O céu baixando, em brumas, luzes e ar.

Sabendo a sal e espuma feito mar,

De leve, toca a boca, quase em cio.

O corpo se abre pleno, em desvario,

E um beijo-nuvem chega devagar,

Lavando, em sua esponja, bem-estar

Que liquefaz a massa num cicio.

E um gosto inédito de azul somente,

Com longes de asas de anjo reluzente,

Da terra muda o gosto natural.

Aéreo, o corpo, em ondas de neblina,

Coberto em tênue túnica hialina.

Ascende aos céus, em brilho magistral.

Magnífica interação do grande sonetista e amigo Fernando Cunha Lima:

ANJO PINTOR

Um anjo fez na lua seu assento.

Para pintar estrelas de amarelo.

E para imaginar quadro tão belo.

O pensar do poeta fez-se vento.

O Deus iluminou este momento.

E o anjo tornou-se o seu estrelo.

Juntando o poeta foi o elo.

Que criou o maior encantamento.

Descuidou-se o Anjo e derramou.

Um pouco da tinta a qual pintou.

Esta caiu em gotas e se fez jerra.

Hoje nem só no céu existem estrelas

E o poeta se pretende vê-las.

Basta olhar o chão aqui da terra.

HOMEM SÓ

O homem só caminha pela rua,

E tem a chuva no rosto molhado,

Ombros caídos de quem vai cansado,

De quem carrega uma tristeza sua.

Talvez um corpo duma mulher nua,

Coberto pelo seu olhar fechado,

Faz falta qual amor não encontrado,

Escuro como a nuvem sem a lua.

Caminha o homem totalmente só,

Numa tristeza que é de fazer dó,

Sem risos, com angústias e seus medos.

Em seu andar sozinho e taciturno,

Assume a solidão de ser noturno,

Nestes passos que guardam seus segredos.

fernando cunha lima

Fernando Antônio Belino
Enviado por Fernando Antônio Belino em 21/05/2021
Reeditado em 23/05/2021
Código do texto: T7260844
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