"Aqui na minha frente a folha branca do papel, à espera; dentro de mim esta angústia, à espera: e nada escrevo. A vida não é para se escrever. A vida — esta intimidade profunda, este ser sem remédio, esta noite de pesadelo que nem se chega a saber ao certo porque foi assim — é para se viver, não é para se fazer dela literatura." Miguel Torga
Algema de papel
A vida, folha em branco que espera
A tinta escorrer sobre o papel,
Pra ecrever tolices a granel
Ou um mar de proeza: quem me dera!
Tem o olhar agudo da pantera,
A fome dum cachorro vira-lata,
A frieza assasina de quem mata
E, dos bens de quem morre, se apodera.
A vida não dá tempo nem espaço
Para fazer um terço do que faço,
Quando o papel me impõe o seu desejo.
Ainda assim não largo a minha pena,
Enquanto não escrevo uma centena
De tudo o que eu penso, sinto ou vejo.