O SOM DO VERBO / O SOM DO VOCÁBULO / O SOM DO RITO

O SOM DO VERBO I – 28 OUT 22

Palavras soltas numa folha de papel

não constituem, por si mesmas, um poema,

nem de agremiação política o seu lema,

nem muito menos estatutos de um cartel,

não são breviário de um monge de burel,

nem partitura para qualquer teatral cena,

nem uma bula para impedir que gema

qualquer ferido em hospital ou num quartel.

Palavras soltas de muito pouco servem,

sentido assumem tão só no encadeamento,

que a parte branca no papel crie suas margens;

contudo algumas bem mais que fogo fervem

e apesar do ditado e tão comum assento,

certas palavras valem mais que mil imagens!

O SOM DO VERBO II

Se eu falar simplesmente sobre “Guerra”,

quantas imagens acorrerão ao pensamento?

Se eu mencionar, ao contrário, “Paz na Terra”,

menos imagens me virão ao julgamento.

Mas se eu falar de “Inferno” já o tormento

surge no coração que o medo encerra

e se eu falar de “Morte”, o sentimento

mil imagens lembrará de quem se enterra...

mas se eu falar de “Amor”, rapidamente

ficará teu coração a borbulhar,

tua mente inteira por imagens devassada,

embora o “Ódio” não seja assim potente,

sempre requer alguma frase adicionar,

antes que sua imagem real seja formada.

O SOM DO VERBO III

Tudo depende do que a imagem induz,

após ter sido tanta vez fotografada,

que sua potência não se ache desgastada,

tal e qual essa imagem de uma luz,

que mais ofusca a imaginação alada;

a mil destinos discordantes nos conduz,

de modo oposto que a imagem de uma cruz

traz à lembrança muita senda a ela associada.

Porque duas linhas em cruz de modo igual

trazem à mente as lendas das Cruzadas

ou as imagens de mármore pregadas,

ou nos recordam a habitação final

de quem se julga não rever jamais

ou simplesmente será o sinal de “Mais”...

O SOM DO VOCÁBULO I – 29 OUT 2022

Sinto as palavras possuirem a própria vida,

Logo serão a sentimentos associadas,

por pensamento serão logo interpretadas,

cada palavra em seu enigma é contida;

uma palavra em linguagem conhecida

terá mais conotação que em ignoradas,

mas nos instigam para que sejam decifradas,

se em língua alheia, que nos seja traduzida.

Mas é a palavra que nos faz humanos,

já existia antes que houvesse luz,

Deus a empregou para que a luz fosse criada

e não há termos que em real sejam profanos:

é a imagem que nos invocam que reduz

algo de santo em conotação amaldiçoada!

O SOM DO VOCÁBULO II

Minha ligação sempre foi com a palavra,

já aos três anos eu aprendera a ler,

cada letra do alfabeto a descrever

um mundo inteiro de desusada lavra;

mas os caracteres não trazem macabra

conotação só em seu traçado a ver:

é só o ideário que comporta o seu poder,

quantas letras nos revela o Abracadabra?

Mas no momento em que me ponho a escrever,

traz o primeiro vocábulo um anzol,

chama o segundo e já constrói farol

para qualquer caravela do saber,

porque a palavra não precisa ser escrita,

somente ao nos soar se faz bendita!

O SOM DO VOCÁBULO III

O som conota muito mais que a luz,

ecos produz nas profundas de um oceano,

retorna a ressonância ao altiplano

e o contorno dos abismos se produz.

Quando uma imagem de modo igual reluz?

É o sinal do sonar que a imagm chama

e na tela ao operador a ideia irmana,

enquanto a figura a que chamamos cruz

tanto nos pode indicar uma adição,

como entortada se faz multiplicação.

E que dizer desse traço singular

que é empregado para a subtração,

mas também pode ser traço-de-união,

sem mil imagens realmente nos mostrar?

O SOM DO RITO I – 30 OUT 22

Amor existe nas palavras de um ritual,

seja ele consagrado à Divindade

ou em bruxaria da mais cruel maldade,

nele algo existe com efeito sideral.

Não deve em vão ler o monge seu missal,

mas procurar nele amor em sua bondade,

cada palavra ali reuniu a humanidade,

que para os pósteros servisse de fanal.

Pois até mesmo na burocracia,

algum amor se acha ali ritualizado,

que um amor-próprio nele está cristalizado,

que ao planejar o resultado amor sentia

e existe amor até num dicionário,

assim composto na caça de um ideário.

O SOM DO RITO II

Amor existe em toda atividade

de que um humano possa se orgulhar;

amor existe até na arte de matar,

quando exercida em conscienciosidade;

amor existe em toda a sociedade,

mesmo que a inveja o possa disfarçar

ou que o rancor o venha derrocar,

mascarado por vergonha ou ansiedade.

Não se acha apenas naquilo que se espera

ser apanágio natural do amor,

qual na busca da poesia em seu vigor

ou na estátua que nos mostra uma quimera,

escondida no olhar desse escultor,

que vê na rocha a imagem que ela encerra.

O SOM DO RITO III

Sempre no amor existe algum ritual,

há a frase que se diz e não se diz,

há o beijo que se pede e que não quis

compartilhar conosco o par ideal;

amor existe nessa espera atemporal,

no antegozo do prazer em chafariz;

no pó compresso em qualquer barra de giz

amor existe em sua forma potencial.

Porém somente está na mente humana,

não há amor que não seja concebido,

na Natureza amor é apenas projetado,

toda percepção brota de ideia soberana,

vasto ritual dentre a mente planejado,

que só então para o mundo é concedido.