Fonte: Desenho feito à mão. Banco de imagens Freepik.

 

 

Cuidado com essas quatro!

 

Da arrogância

 

A arrogância acha-se dona da verdade,

quando a seus olhos esta é, por vezes,

emprestada para o arrogante ver os revezes

que lhe impedem de ter mais felicidade.

 

O falso humilde, em sua vã preciosidade,

a todos trata com chatice ou grosseria

e, muitas vezes, só consegue, ao fim do dia,

uma coroa de não grato na cidade.

 

O que aprendemos nunca é saber só nosso,

o que ensino nunca é mais do que posso,

mas pode ser bem mais se eu me oferecer

 

de corpo e e alma à vivência do aprender,

que ao que "se acha" faz perder-se em fim perverso,

mas ao confesso aprendiz só faz crescer.

 

Da ignorância

 

Ignorância não é pecado, mas machuca

o ignorado e, em silêncio, o ignorante,

que ignora o que lhe ocorre no instante

em que, por vezes, uma pessoa maluca

 

solte indevido e imerecido palavrão,

e será tarde (!), quando quem perdeu a razão

buscar explicar o que, perdido em explicação,

já não resolverá a indigesta situação.

 

Por isso, amigo, se você não ouviu direito

o que disseram ou se compreendeu errado,

não tenha medo de ser mal interpretado:

 

peça ao sujeito e a si mesmo paciência,

e deixe o resto com a divina Providência,

pois, ao que opta pelo bem, bem mais é dado.

 

Da burrice

 

Não estou certo sobre o tema da burrice

e nem procuro, sobre o tema, ter certeza,

porque estar certo é excluir do que se disse

a nova chance de dizer com mais leveza.

 

O pobre burro, animal que, sem defesa,

carrega pedras, papelão, barro, areia,

não se compara com aquele que aperreia,

porque a Deus é este o burro com clareza.

 

Não ter respostas aos problemas não é burrice,

mas pode ser falta de ânimo, e a velhice

há de ser doce ou amarga com os passos

 

que tu deixaste como coice ou como abraços

no coração de quem passou em teu caminho

e que te desatola ou te abandona sozinho.

 

Da ingratidão

 

A ingratidão, por sua vez, não reconhece

que lhe dão vez, porque seu tímido obrigado

só para dentro de si mesma é direcionado

e o mundo inteiro ao seu redor nada merece.

 

Mas a coitada, dessa forma, nem pondera

que acumula, sem poder usufruir,

o que, do outro, sempre espera possuir

completamente - e ao que lhe falta vira fera.

 

Sua memória é bem mais curta que sua língua,

e, mesmo ameaçada de morrer à míngua,

ela insiste: nada devo e nada fiz...

 

Assim nós somos quando ingratos nos mostramos

em cada ato que em vão realizamos

com a tola meta de elevarmos o nariz.

 

Do mau anfitrião

 

O curioso é que 'inda hoje eu rabiscava

sobre estas quatro criaturas mal resolvidas,

sem enxergar que eu me tornara em minha lida

breve resumo do que então eu tracejava.

 

Ser arrogante, ignorante, burro e ingrato

foi algo triste de em mim mesmo perceber,

então orei, e no papel pus-me a escrever

para que Deus livre essas moscas do meu prato.

 

Estar atento nos ajuda quanto ao fato,

requer cuidado e gentileza nosso viver!

Requer amor, o bem tratar e o bem querer

 

e que fiquemos sempre longe dessas quatro

e de outras mais: matar, roubar, escarnecer

e outras palavras que ouvimos desde o parto.

 

Da ponderação

 

Lembremos, pois, que ao problema há solução;

desconfianças fazem as pazes conversando;

duas intrigas podem virar duas amigas quando

percebem o mesmo lado da rua em que estão.

 

Ao redimido sempre é tempo de salvação;

amor com amor se paga e o bem se multiplica

- e é fácil levar luz à treva que complica

o caminho do viajante ou a hora da oração.

 

Por mais leveza em nossa mesa, perdoemos

ao que proíbe de, em paz, alimentarmos

a nossa mente, nosso corpo e nossa alma.

 

Sejamos ponte e fonte d'água no que temos

de passar para em desertos prosperarmos,

assim em verdes campos basta-nos a calma.