O SALTO DA RIBEIRA &+

O SALTO DA RIBEIRA I – 10 JAN 24

Um tempo chega em que não mais espero,

Salvo esse amor que escorre de meus dedos,

Somente em sonho me revelas teus segredos,

Jamais pedindo a ti quanto mais quero;

Minha postura contida nunca altero,

Melhor quimera alimentar em tais degredos,

Do que um beijo pedir permeio a medos

E ver negada tal petição que gero.

Por qual razão me seria concedido,

Por mais ardente que seja meu desejo

De teus lábios tocar sequer em leve adejo;

Ao desaponto por que me arriscaria,

Por que a ti talvez mesmo eu magoaria,

Se gozar posso da miragem de teu beijo?

O SALTO DA RIBEIRA II

Assim vivemos em plena segurança,

Nessa amizade que em torno a nós se assente.

Breve calor nessa passagem rente,

Sem ser a alma mordida de esperança;

Não se balança na ribeira da bonança

Que a sociedade ao redor gera frequente,

Certa certeza na visão mais complacente,

Que só aos limites da imaginação alcança.

A cidade nos fornece o alimento,

Em troca do dinheiro recebido,

A luz e a água tomamos por direito,

Numa certeza sem motivo ou impedimento,

Que tudo estará tal qual se tem vivido,

Sem graves saltos a martelar no peito.

O SALTO DA RIBEIRA III

Também a amizade nos dá a segurança.

Por que em risco a poderíamos colocar,

Pelo impulso de um gesto sem pensar,

Somente em prol de minúscula esperança?

E por que se ansiará por mais bonança,

Se a que se almeja é mais fácil desgastar?

Que permaneça o desejo em seu lugar:

Será que mesmo quem espera sempre alcança?

Salto no escuro sempre é a ânsia do desejo,

Freiado só por insegurança e pelo pejo,

Será que as águas irão nos acolher?

Será que o sangue é que irá se espadanar

Ou essa ousadia nos irá recompensar

E na aventura nossa vida enriquecer?

O SALTO NAS ÁGUAS I – 11 JANEIRO 24

No galeão de minhalma navega passageira

Que nem ao menos sabe onde ela está;

Em camarote mobiliado se achará:

Sou o capitão dessa nave tão ligeira,

Sou também o imediato nessa esteira,

O contramestre, a tripulação que nele há,

Até mesmo o cozinheiro, que lhe preparará

Seus pratos finos na ironia mais brejeira.

Porque não sabe realmente cozinhar

E a tripulação tem experiência limitada,

O piloto não aprendeu a navegar,

O imediato mais dorme que outra coisa,

Cada vela com descuido desfraldada

E o telegrafista só digita em velha lousa.

O SALTO NAS ÁGUAS II

De fato, só ali existe a passageira,

Única alma a tripular esse galeão,

E eu manejo tão só meu coração,

De minhas artérias tal mulher se abeira,

Como se fossem as amuradas dessa jeira.

Ela prossegue em sua vasta solidão

E nem percebe as vagas da emoção,

Tampouco sabe ser ali minha prisioneira.

É no meu cérebro que navega esse galeão,

São suas velas a duramáter e a piamáter,

Cruzando o mar do cefalorraquiano,

Pois da vida eu a roubei em minha ilusão,

No tombadilho ela está em seu caráter,

Sem perceber quanto o piloto é insano.

O SALTO NAS ÁGUAS III

Tal galeão para mim mesmo é invisível,

Em minhas entranhas se acha coagulado,

Um trono apenas para seu rosto amado,

Que voga em mim desde tempo incognoscivel,

Mas meu amor por ela é inexaurível,

Mesmo sem ter-lho jamais comunicado,

É uma ilusão que tenha algum pecado

De adultério em tal sonhar imperecível.

Eu apenas a desejo e nunca disse

Que a queria instalar em meu galeão,

Será que espera, talvez, minha confissão?

Em retração alicerço minha crendice,

Na praia apenas seu lenço é que me acena,

Ambos assim a partilhar da mesma pena.

O SALTO NAS ÁGUAS IV

Já faz um século ancorei o meu galeão,

De seu convés ninguém olha a luneta,

Percorre a praia minha ambição secreta,

Nem eu a bordo encontro posição,

É só na praia que enraizo minha ilusão

Já não tão jovem, que o tempo já a afeta,

Que nem percebe achar-se ali incompleta,

Que em sua luneta encontraria ampliação.

Não há sequer esperança nessa rede,

O barco sobe e desce com a maré

E a passageira nunca comprou passagem.

Fantasmagoria contudo, não se mede,

De algum modo, ainda conserva a fé

Eterna e imóvel em eternal viagem.

UM SALTO NO VÁCUO I – 12 JANEIRO 24

Os dias de amor, sejam curtos ou compridos,

Prazer e mágoa em seu intercalar,

Pequenas jóias em fantasia a se engastar,

Sinais avulsos em que bem e mal são lidos.

Os dias de amor são sempre os mais sofridos,

Sua sofreguição os corações a mastigar,

Quer se encontre correspondente desejar,

Quer se flutue até a praia dos olvidos.

Os dias de amor contêm deprecação,

Sempre algum erro se pode cometer,

Ou falha alheia a vir-nos assolar,

E no entretanto, nada existe em tal paixão

Que algum perdão nos possa conceder

Ou que acolhimento precisemos demonstrar.

UM SALTO NO VÁCUO II

Porque amor, a ser de fato amor real,

Mais do que tudo nos cobra aceitação,

Não cabe nele necessidade de perdão,

Nele não cabe qualquer gesto material,

Porque esse amor que nos encanta o sensorial

Não só descarta qualquer absolvição,

Tudo recebe na mais perfeita aceitação,

Embora humano seja em seu total.

É nesse amor que vivemos realmente,

No qual se entrega tudo o que se tem,

De nosso par tudo a ganhar também,

É o amor intenso da alma subjacente,

Que nos afasta da mortalha da luxúria

E nos protege da vastidão de nossa incúria.

UM SALTO NO VÁCUO III

Ai, quanto amor senti quanto escondi,

Ai, quantos olhos deixei de penetrar,

No humor aquoso profundo a me banhar,

Quanto ocultei do amor que assim senti!

Amor por mim até um pouco pressenti

E não é que não deseje amor gozar,

Porém minalma já tem vasto galopar,

As minhas esporas quantas vezes recolhi...

Por este amor que ansiava distribuir,

Muito mais do que esse amor que vem de ti

Poder guardar na mente e coração,

Ai, quanto amor em minhalma a perquirir,

Quando desejo esperava e nunca vi,

Sem me atrever a degradar essa emoção.

O SALTO DOS VATICÍNIOS I – 13 janeiro 2024

Os temas se alternam. Falo um dia de mim,

Da solidão e dos anseios de meu falo,

Às aquarelas que não pinto não me abalo,

Àquelas que possuí conservo o meu ardor;

Mas quantas vezes é bem diverso o condutor

Desses poemas que redijo e que não calo:

Falo da morte em seu perpétuo ralo,

Essa ampulheta de gargalo constritor.

Nela descemos sem qualquer interrupção,

Uns mais depressa, outros mais devagar,

Mas suas paredes são perfeitas no alisar,

Nenhum apoio a nos ceder à mão

E quem enfim transpõe essa ampulheta,

Em cinza e linfa toda a ambição excreta.

O SALTO DOS VATICÍNIOS II

Porém a morte nunca me foi obsessão,

Embora a veja a meu redor presente,

Tanta gente que amei agora ausente,

Tantos desconhecidos que para lá se vão!

Mas é no tema de sexual convicção

Que tanto verso meu se encontra assente,

Meu coração uma fornalha ardente,

Meu ventre ainda a supor realização.

Variados estes que componho até agora:

Como é dificil controlar essa cobiça!

Não é a mulher do próximo que atiça,

Mas qualquer pressinta disponível nessa hora

E este ardor ainda me rege com frequência,

Por mais me esforce a controlar sua ardência!

O SALTO DOS VATICÍNIOS III

De certo modo, ainda obtenho o meu sonhar,

Que mais não seja no usufruto do perfume

De quem de mim perpassa com seu lume,

Eterno arcano do feminino dominar.

Não obstante, não me abalo a procurar,

Que tal desejo atinja assim seu cume

Ou ao invés, para longe de mim rume,

Meu colo aguarda que venha alguém sentar.

A minha fogosa fantasia me sussurra

Que meu anseio ainda há de ser realizado,

Que ainda verei quem se assente do meu lado,

Ao mesmo tempo que a impedir me empurra,

Que vá pedir o que não possa compensar

Senão em versos de ascendência milenar!