UM, DOIS, TRIX... POETRIX

SERTÃO

Sopa de pedras: nem ossos

de bichos mortos

já nos restam.

CAATINGA

Madeira couro areia

na terra corre

sangue, nas veias.

SEMEANÇA

Entre gotas

quem semeia nuvens

colhe gaivotas.

(Goulart Gomes, in Trix, poemetos tropi-kais -

Salvador: Grupo Cultural Pórtico, 1999)

Vocês sabiam que existe um gênero poético criado por um brasileiro, mais especificamente, por um baiano? Pois é verdade. E esse gênero foi denominado POETRIX. O poetrix é um terceto, uma evidente alternativa ao haicai do oriente, aos haicais de Bashô, de Kobayashi e de tantos outros. No Brasil, temos muitos aficcionados desse gênero. Você talvez saiba que o haicai genuíno, como foi concebido, não deve ter título e se prende a temáticas que versam sobre a natureza, sobre o tempo, sobre as estações do ano. O haicai tem uma estrutura métrica de 5-7-5, fixa. Já o poetrix nascido no Brasil, ao contrário do haicai, permite uma maior liberdade de criação, possibilita variações temáticas, tem um maior número de sílabas, e admite, inclusive, título. A rima pode ou não ser usada. O poetrix pode ter até 30 sílabas métricas, distribuídas em seus três versos, sem determinação de quantidade por versos. Basta que se respeite o limite máximo estabelecido de 30 sílabas, ao todo. Geralmente se usa bem menos que isso. Acima, na epígrafe deste artigo, vocês podem ver três criações de Goulart Gomes, o inventor do poetrix, poemetos publicados no primeiro livro do gênero, no seu nascedouro, em 1999.

O baiano Goulart Gomes, além de ter concebido esse gênero, é um dos coordenadores doMOVIMENTO INTERNACIONAL POETRIX – MIP. Em 2009, comemorou-se 10 anos do lançamento do Primeiro Manifesto Poetrix. A culminância das comemorações – que já tiveram início com algumas publicações – se dará com o lançamento de mais uma antologia poética com o melhor dos poetrix que se vêm produzindo ao longo de todos esses anos, por vários autores de língua portuguesa radicados no Brasil, em Angola, nos EUA, na Suíça e em Portugal. O livro encontra-se no prelo e deverá sair até meados de 2011 e intitula-se 501 POETRIX PARA LER ANTES DO AMANHECER, organizado pelo já mencionado criador desse tipo de terceto.

O poetrix, desde a sua criação, vem experimentando uma grande evolução, tendo incorporado algumas variações, como o duplix, o triplix, o multiplix e o grafitrix, dentre outros. O duplix surge a partir da criação de um novo poetrix, de um outro autor, que dialoga com o poemeto original, mas que precisa da autorização do primeiro autor. O triplix é um terceiro poetrix que vem se incorporar ao duplix. E o multiplix, um quarto poetrix que fecha o ciclo, sempre de autores diferentes. Esses poemas permitem leituras na vertical e na horizontal. Cada um dos poetrix que integra esse conjunto precisa ter vida própria. E precisam dialogar entre si, um complementando, ampliando ou suplementando o outro. Configuram-se como uma espécie de “poema colaborativo”.

Apesar de permitir até 30 sílabas métricas, um dos principais propósitos do poetrix é o de ser minimalista, ou seja, dizer o máximo com o mínimo de palavras. Além disso, pode e deve se valer de metáforas, deve romper estruturas, brincar com as palavras, sugerir, ousar, revolucionar. Enfim, subverter a linguagem.

Vejam estes três poetrix publicados no livro “Antologia Poetrix 4 – Terra”, organizado por Goulart Gomes, São Paulo: Scortecci, 2010.

RITO DA PRIMAVERA

Numa sonata à trois,

sob ravel

corpos à bejart

(Aila Magalhães)

DOWNLOAD DO ALÉM

Noite do espanto

Fui baixar um arquivo

bashô-me um santo

(Alvaro Posselt – Curitiba – PR)

MY NAME IS ACAUÃ

Sem oca, nem pororoca.

Índio…

Quer notebook!

(Rosa Pena- Coordenadora do MIP-RJ)

Nesses 10 anos de existência do Movimento Internacional Poetrix, muita coisa boa vem sendo produzida. Temos ótimos criadores de poetrix por esse Brasil e pelo mundo afora. É um gênero que, a cada dia, conquista novos adeptos no mundo todo, pelas suas amplas possibilidades expressionais.

Observem os poetrix abaixo, publicados no livro Antologia Poetrix 3, organizado por Goulart Gomes e Lauro de Freitas. BA : Livro.com, 2009, uma das edições comemorativas dos 10 anos de criação do poetrix.

DEUS NA CRIAÇÃO DO MUNDO

a

cor

dava

(Andra Valladares – Vila Velha – ES)

SURUBA NO ASILO

Dez

a

broxar…

(Andra Valladares – Vila Velha – ES)

COMADRICES

Calçadas antigas

tricôs

pequenas intrigas

(Reneu do Amaral Berni – Goiânia – GO)

E pensando no Natal, que tal a sugestão da poetisa Kathleen Lessa (SP), no livro Poetrix 4 – Terra, anteriormente citado?

QUE PRESENTE VAI SER?

Panetones

ou propinas?

Sugerem-se meias masculinas.

Por todos os exemplos mostrados, nota-se que o título é muito importante num poetrix, funcionando quase como um quarto verso (aliás, em alguns poetrix o título pode ser até bem maior que o próprio terceto). Percebe-se também que o poetrix permite falar de tudo, de muitas maneiras, com toda a liberdade que a poesia nos favorece, pleno de magia, encanto e alumbramento.

O poetrix, por suas características bem peculiares, possibilita o descortinar de horizontes bem promissores para o exercício criativo de parcerias poéticas, inaugurando o poema colaborativo. Alimenta todos aqueles que querem ousar, inventar, recriar e fazer da palavra uma ferramenta a serviço da sensibilidade, da emoção, da transformação. A palavra como semente da reflexão crítico-criativa, satírica, onírica, bem humorada, divertida, alegre, surrealista, sensitiva. O poetrix permite o recriar de uni-versos, versos únicos, singulares. Um singular que se pluraliza e que nos faz co-criadores de um mundo em contínua transformação pela força do verbo. No princípio era o verbo… e o verbo se fez pó-e-trix. E houve mais luz, mais cor, mais alegria. Poiesis, poesia.

Para encerrar, faço-me jardineiro-poeta-poetrixta, cultivando esse

FLORAL POÉTICO

Poetrix florando em pencas,

buquê de haicais-verbenas,

solitária rima avenca.

(José de Castro-Natal/RN)

Então, fazer poetrix é simples assim. É como coçar: basta começar que a gente nunca mais quer parar. Que tal experimentar? Crie o seu poetrix. Três vezes trix. E seja felix…

José de Castro
Enviado por José de Castro em 29/12/2010
Reeditado em 24/09/2020
Código do texto: T2698349
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