A ironia no poetrix, por Pedro Cardoso

A ironia no poetrix

Pedro Cardoso (DF)

É importante observar as múltiplas facetas que o poetrix nos oferece. Uma

das mais difíceis, pelo menos para mim, é a da ironia, principalmente porque

se tenta fazer um poema com o menor número de palavras possível, sem que

isto venha a prejudicar o entendimento. Esta química pode ser encontrada em

alguns dos poetrix relacionados nas páginas do grupo.

Para a construção dos poetrix irônicos, o autor, além do conhecimento das

regras básicas deste tipo de poema, precisa ter o dom da ironia refinada,

caso contrário, o resultado será sempre desastroso e, às vezes, de mau

gosto.

A título de ilustração, escolhi dois trix que representam bem esse veio

poético.

Dizer-me

não vale

a pena

... nem a tinta

Este poema é da Sonia Godoy uma autora de extrema concisão e realismo em

suas palavras. O título faz parte do texto, sem ele, o poema fica solto, não

diz muita coisa, portanto ele é fundamental para o entendimento do leitor,

ainda mais aquele que não está acostumado com esta nova realidade

minimalista.

O poema nos passa a sensação de um desabafo com luvas de pelica, o desdém é

absurdo. A palavra "pena" tem dois sentidos importantes no contexto. Na

primeira leitura podemos dizer que não vale a pena da caneta, algo

desprezível, algo material, algo sem valor monetário. Em uma segunda

leitura, podemos ler que não vale a pena perder tempo, nada mais faz

sentido, não vamos tentar novamente. O terceiro verso "... nem a tinta" é de

uma ironia que chega a doer na carne, o desprezo é absoluto. As reticências

aparecem como um derradeiro suspiro, uma última pausa para o veredicto

final. Mostra que tudo já foi dito. A autora está a nos dizer que só as

palavras não bastam, que é necessário muito mais do que isso. Faz-se

necessário o toque, o roçar, o falar com as mãos.

O outro poema que escolhi foi o da Ângela Bretas, uma tenaz divulgadora dos

nossos trabalhos e, em especial, do poetrix.

(Má)(Temática)

não adiciono

sou

sub(traída)

Este poema, ao contrário do anterior, não necessita do título para ser

compreendido, o texto por si só, já nos dá a mensagem que a autora quis

passar, mas isso não implica dizer que o título não seja relevante.

("Má)(Temática)" é algo fabuloso, nos oferece duas leituras completamente

distintas, mas que estão intimamente relacionadas com o todo. A má temática

nos leva ao entendimento de que o assunto é ruim, de que o tema amor, por

exemplo, é complexo.

Por outro lado, temos a matemática como ciência exata. Isto fica claro

quando lemos subtraída, no sentido de que ela foi diminuída (se assim

podemos falar) da relação, ou seja, foi alijada da vida do outro, assim como

no primeiro verso onde ela afirma que não adiciona, não acrescenta. A

sutileza da ironia está no sub(traída). Aqui a autora afirma que foi traída,

mas quando coloca a palavra traída entre parênteses ela afirma que foi

traída por alguém inferior a ela, alguém que não faz a menor diferença. A

ironia se completa quando escreve primeiro verso "não adiciono".

Estes poetrix são de rara beleza. Cada verso é um susto maior do que o

outro. São atualíssimos em suas temáticas, são concisos e permitem várias

interpretações. Acredito que as próprias autoras tenham outras leituras e

isso é que os deixa ainda mais belos e instigantes. Cada um deles traz na

sua essência, uma dose elevada de dedicação e amor à poesia.

Escrever poetrix de qualidade requer trabalho árduo e muito sério, pois eles

resumem em suas poucas palavras o que mais buscamos: escrever pouco e falar

muito. Pensando bem... Para se fazer um bom poetrix é necessário fazer amor

com os versos, com as rimas, com o susto e se possível, gozar com a concisão.

Poetrix
Enviado por Poetrix em 24/11/2006
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