ConVerso com Poetrix

Sempre que tenho uma nova ideia, logo passo para o papel o meu invento, para que ele não fique só na minha imaginação. Assim posso receber críticas e reparos para um possível aperfeiçoamento da teoria. Este é, provavelmente, o meu maior incentivo para continuar a escrever todos os dias. Nem sempre alcanço o meu intento, às vezes me perco pelo meio do caminho. São verdadeiros labirintos. Porém, não deixo de registrar o que imagino que possa ser, de algum modo, útil para aqueles que se identificam com os versos de um modo geral.

Um dia desses me deparei com minha filha de dez anos, lendo, em voz alta, algumas palavras que não me eram compreensíveis. A princípio achei muito estranho, quase um absurdo. Mas o que me chamou a atenção foi o jeito como ela ia lendo os vocábulos, sem o menor constrangimento ou gagueira. Para ela, aquilo parecia algo normal e familiar. Quando me atinei, estava encantado com a leitura. Os sons que recebia eram bonitos e agradáveis aos meus atentos ouvidos. Soavam como pinceladas cadenciadas e poéticas. Depois de alguns instantes, atento ao que ficou reverberando em minha cabeça, pedi que as lessem novamente. Assim, fui escolhendo e anotando algumas delas, aquelas que mais me permitiam desenvolver algum raciocínio literário naquele exato momento. Minha cabeça voou instantaneamente para o minimalismo, por se tratar de algo curto e de leitura rápida.

Separei vinte palavras, sem nenhuma ordem ou juízo - apenas por mero instinto. Feito isto, comecei a lê-las e relê-las, em voz alta, como minha filha havia feito. Logo percebi que elas faziam um certo sentido para mim, não sei se o mesmo que faziam para ela. Passei algumas horas com aquele palavreado indo e vindo em minha mente. Até que tive a ideia de dar um "novo" sentido a cada uma daquelas pérolas misteriosas e interessantes, uma vez que elas, no fundo, estavam me dizendo algo relevante. Eram sons, vindos das sílabas poéticas, que ressurgiam quando as dividia, batucando na mesa do computador.

A esta nova descoberta resolvi chamar de ConVerso.

Um terceto curto que agregará sentido à palavra que for criada.

Confesso que foi um trabalho complicado pois não tinha um rastro para seguir. Assim, fui esmiuçando, palavra por palavra, tentando estabelecer um diálogo nem tão lógico e ao mesmo tempo coerente com o que eu estava pretendendo expor naquele momento.

É importante observar que as palavras, a serem criadas, não devem fazer parte do nosso vocabulário. Porém é preciso que elas tenham, na sua essência, uma luz daquilo que poderão vir a ser ou representar. Caso contrário ficará difícil qualquer tentativa de se construir um poema, que possa ser entendível minimamente, por quaisquer pessoas - os leitores.

Os temas são livres de quaisquer amarras ou firulas. Não importa qual seja a temática escolhida. O que se quer é a busca de uma narrativa coerente e sólida com a nova palavra.

O ConVerso pode ser usado como um artifício viável, uma provocação ao nosso cérebro, na forma de poesia. Porém, é preciso ter em mente que ele tem dois tempos distintos: o primeiro consiste em criar uma palavra nova e o segundo em dar sentido a essa palavra através de um texto literário.

Acredito que será interessante o processo criativo para todos aqueles que se dedicarem a este exercício. É preciso experimentar, examinar, testar, mudar ou mudar... Acredito que este seja um caminho que pode ser percorrido, principalmente, quando estamos falando em associações harmoniosas de palavras, ritmos e imagens.

"Uma palavra criada ou modificada pode surgir de forma absolutamente espontânea, algumas vezes até inusitada. Pode ocorrer no dia-a-dia, como resultado da necessidade de algum conceito ainda não conhecido. A forma internalizada de uma língua permite ao homem promover este processo de elaboração de novos vocábulos sem ao menos se dar conta disso, e mesmo com suas normas e regras, é incalculável o poder que a sociedade exerce sobre o sistema linguístico."

Vejam alguns exemplos, para melhor compreensão do que estou propondo.

1 - Esfarofar

quando saí,

bate a porta com força bruta,

caí no riso e choro

2 - Recoisô

ela vai

ele revolta

cada um e seu cada qual

3 - Chegau

chegar calado,

a palmo e passo,

manso que nem água de poço

4 - Natubera

natureza morta

moldura tosca

sapo parece perereca

5 - Chanegus

o que move

é ele e ela

frente e verso

6 - Chavé

tramelas empoeiradas,

janelas trincadas ao meio:

pouco ou nada, importa!

7 - Esbarrigou

parir de oito meses,

sem saber quantos:

dois ou três... talvez!

8 - Chautário

ah, medo!

não sabe se corre?

pede socorro

9 - Maricha

noite escura

mar vai e vem

arrastando estrelas

10 - Canacor

ângulo reto,

catetos:

azul e rosa

11 - Sacuí

bicho grande!

cobra-cega

serpenteia pingos de chuva

12 - Pessada

não se sabe o que é,

nem por isso ou a quilo

deixa de ser

13 - Canrió

reza a lenda:

bicho que não canta e assobia,

perde o compasso

14 - Curiapá

na derradeira galha

entorna o canto,

enche o pote de mágoa

15 - Descorro

descer a trote

escadaria sem fim

ver o mundo de ponta-cabeça

16 - Sub_amares

bicudos brejeiros

amores proibidos

quando um não quer, dois esfinge

17 - Beijacor

a cor dar

sem querer:

paisagem surreal

18 - Estravancou

ponte verga,

balança, caí

o barco passa raspando

19 - Colibriu

não é beija-flor

nem pororoca,

bagulho grande

20 - Furamão

garras de corvo,

afiadas de mão,

trinca-ferro

21 - Blanko

não é noite

nem é dia

lusco-fusco no tablado

E viva a poesia!!!