Do poetrix ao Concreto

Viva a poesia!!! É assim que vou começar a escrever, é assim que tem que ser.

Escrever é um passatempo espantoso! Nos permite percorrer outros mundos, outras galáxias, nos leva a caminhar pelas entranhas dos nossos pensamentos em verdadeiros labirintos, na maioria das vezes, floridos e verdejantes.

A metáfora é a alma da poesia, é o elo entre o real e o imaginário, mas vou além, vou ao Concreto.

O Concretismo teve seu início no Brasil na década de cinqüenta, mas hoje parece meio adormecido. Justo agora quando temos mais recursos tecnológicos que podem ajudar na valorização gráfica. Principalmente com os novos programas de computação que são desenvolvidos para facilitar as combinações de cores, sons, tamanho das letras e, até modelos em três dimensões.

Acredito que este seja um bom momento para a retomada dessa escrita tão vibrante, tão rica em forma e conteúdo, porém carente de poetas.

O poema concreto dispensa idiomas, dispensa as regras básicas da escrita formal. Em contrapartida, exige do autor novos horizontes, outras "falas" que são mais do que sílabas, sons, ritmo ou métrica.

Ele não é, no meu entender, algo genérico - vai além da nossa vã imaginação.

Deve ser entendido como um poema "minimalista" e de relativa compreensão.

É, antes de tudo, visual, mas ao mesmo tempo, lógico e palpável.

Oferece-nos várias leituras que podem ser abstraídas tanto do texto, quanto do formato do desenho e das cores que são oferecidas ao leitor. É, sem sombra de dúvida, um trabalho artesanal, de muito estudo e dedicação.

Neste texto vou ater-me apenas ao poema concreto que vejo dentro das possibilidades do Poetrix, enquanto: "...poema composto de título e uma estrofe de três versos", por entender que, o mesmo, não tem uma fórmula rígida na sua estrutura, embora tenha algumas regras básicas que devem ser seguidas por todos aqueles que querem enveredar pelos vastos caminhos desses tercetos.

Vejo no Poetrix um desafio a mais e uma oportunidade ímpar para a discussão do concreto, por tratar-se de um poema altamente conciso e claro, onde podemos usar e abusar da metáfora, da concisão, do cotidiano, do piegas, do humorístico, da filosofia, da matemática e até do horror.

Um dos exemplos que mais gosto no poema concreto, dentro do Poetrix, é "Devolva-me", da poetisa Sonia Godoy, uma das mais importantes escritoras desta nova linguagem.

1 - Devolva-me

AS

AS

AS

Este poema está absolutamente dentro dos padrões aceitos como Poetrix, ou seja: é um terceto (onde os três versos estão representados pelas letras A e S), tem título, tem concisão e acima de tudo, tem personalidade. A leitura poética parece simples, mas não é. Uma delas nos leva a entender que a autora está pedindo que lhe devolvam a liberdade, as asas - o poder sair por aí, pois algo está lhe sufocando, lhe tirando a respiração.

É importante notar que, mesmo sendo um poema concreto, o título, neste caso, exerce papel fundamental na compreensão do texto. Sem ele o entendimento seria impraticável. Outro ponto marcante é que a autora não escreveu o texto na vertical, o que seria mais lógico. Preferiu uma escrita na diagonal para nos passar a ideia de que as suas inquietações estão em constante agitação, uma vez que: "as asas" sugerem tais movimentos.

Vejam uma outra leitura feita pela poetisa Tê Soares, uma ferrenha defensora do Poetrix, professora de Literatura e uma baita amiga.

"Este concreto exige um certo voo na leitura já que eu o interpreto como tendo a mensagem final: devolvam-me as asas, os sonhos, a capacidade de sair do chão. A forma que o aprisiona é a mensagem subliminar do concreto. Nem sempre retratar uma contradição é fácil e, nesse caso, o visual se apresenta como uma imposição da realidade, já que, de outra forma (as sílabas em outra posição), representaria leveza".

Mais uma leitura possível, desta vez, de uma contista gaúcha de nome Tânia Melo, uma amiga que gosta dos concretos.

"Interpretei, inicialmente, como o “querer de volta”, diversas coisas que lhe foram roubadas pela relação. Só depois consegui vislumbrar "as asas" e, com isso valorizei ainda mais o poema, muito bom".

Agora, a leitura da própria autora: “Estava apaixonada, fui abrindo mão de tudo, perdendo as asas. Finalmente tentei voar, voar pra longe (mas não conseguia), assim descobri que asas são formadas por “as” e mais “as”. Daí... Foi só gritar, gritar: Devolva-me as asas, como se a culpa da minha incapacidade fosse ele.”

A riqueza dos poemas concretos me inspirou a escrever este poema:

1 - N(amor)o

->

<-

-><-

Já no título, podemos visualizar um poema concreto, onde lemos: no amor, o que mais importa é o namoro.

Vejam que não fiz uma leitura literal, mas sim, às avessas, ou seja, parti das extremidades para o centro.

Os poemas concretos nos oferecem essas artimanhas, esses artifícios que enriquecem a própria poesia.

No texto não usei uma única letra, mas símbolos que representam imagens de pessoas que caminhavam em direções opostas, mas que, em um dado momento de suas vidas, ficaram frente a frente, olho no olho.

Para melhor diferenciação coloquei as setas nas cores vermelho e preto.

Tê Soares disse: "Este concreto é auto-explicativo. Sozinho ele se diz, se completa, se satisfaz, se enternece e demonstra com clareza o que é o namoro e o amor: encontro (que poderá ser choque ou afago, depende de como ocorre. E, por isso, eu ainda colocaria reticências, pra deixar claro que o futuro pertence a quem o faz, com o livre arbítrio exercendo-se) inFeliz."

Já Tânia Melo falou: "O poema N(amor)o, fala tudo pela cor e posição das setas. Acho que as reticências acrescentariam, conforme o comentário da Tê, deixando ao leitor a impressão de que não se sabe o final. Que existiu o amor, o encontro(namoro), mas..."

Outro exemplo de minha autoria.

1 - inFeliz

al c (o.ó) l atra

a e

i v

a

n

t

a

Aqui o título pode ser dispensado, pois o texto seria entendido mesmo sem ele. Mas, ainda assim, prefiro com o título, pois ele me permitiu valorizar o texto, uma vez que, neste caso, oferece duas leituras: infeliz ou feliz? Alguns acham que o alcoólatra é feliz com a bebida, outros, acham que são infelizes os que bebem.

A palavra alcoólatra foi escolhida, pensada, para que eu pudesse fazer a representação de uma pessoa com as letras "o". E mais, coloquei um dos "os" na cor vermelha para caracterizar o olho irritadiço dos que bebem.

O segundo verso está representado na palavra "cai", que se observarmos bem, veremos que está realmente caindo (atos próprios dos alcoólatras). No terceiro verso, temos a palavra "levanta". Observe que foi digitada na forma de degraus, dando a entender que o bêbado cai e levanta, cai e levanta. Fala também de seu caminhar trôpego.

Tê Soares comentou: "Engraçado! Sujeito a inúmeras leituras dentro de uma só, que é a parte risível do desacerto provocado pelo álcool. O tema é corriqueiro e o seu tratamento também, mas a facilidade do cair e trôpego levantar estão divertidamente bem colocados".

Tânia Melo disse: "inFeliz - está perfeito. Compreendi tudo. Apenas quanto à diferença de cores nas letras "o.o" foi que tive outra impressão. Achei que se referia ao sentimento de felicidade do alcoólatra ao conseguir levantar-se, mesmo que de uma forma difícil".

Outro concreto que me chama a atenção é o poema “Exemplo”, da poetisa baiana Sandra Mamede, que está sempre nos brindando com seus belos concretos.

v

i

v

a

m

o

s

como

o

s

g

a

n

s

o

s

O mais intrigante é a ideia da autora de nos conclamarmos a viver como os gansos.

Veja que ela nos remeteu a uma forma de vida mais rude do que a nossa, porém, esses pássaros são, como espelha o título, exemplos de cooperativismo, onde um "puxa" o outro. Dizem que quando o primeiro está cansado, ele troca de posição com o que está logo atrás. Esta mudança é para que nenhum fique mais sobrecarregado do que o outro. Outro dado fundamental neste poema está na ponta da asa inferior, onde a autora pede socorro. O “SOS” em vermelho diz tudo.

Tê Soares registrou: "Este é magistral. É contundente, explícito e me deixa sem ter o que falar pela concretude, pela capacidade de ser a poesia na imagem fiel da realidade".

Tânia Melo comentou: "O poema dos gansos é belíssimo. Fala só pela imagem, mesmo antes de serem lidas as palavras".

Finalmente, tentei demonstrar a importância do Poetrix para o concreto e, mais do que isto, mostrar que estes poemas podem ter várias leituras, vários entendimentos. Se assim não fosse, não teriam o valor que têm dentro da poesia que hoje estamos propondo.

Espero que estas informações sirvam para que outros e mais outros venham a escrever novos poemas concretos, aproveitando essa extraordinária abertura que o Poetrix nos permitiu vislumbrar desde o seu início.

E viva a poesia!!!

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 12/01/2006
Reeditado em 13/07/2020
Código do texto: T97777
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