A ironia no poetrix

A ironia no Poetrix

É importante observar as múltiplas facetas que o Poetrix nos oferece. Uma das mais difíceis, pelo menos para mim, é a da ironia. Principalmente porque se tenta fazer poemas com o menor número de palavras possível, sem que isto venha a prejudicar o entendimento.

Esta química, no entanto, pode ser encontrada em alguns dos tercetos postados nas páginas do grupo Poetrix.

Para a construção dos Poetrix irônicos, o autor, além do conhecimento das regras básicas deste tipo de poema, precisa ter o dom da irreverência, caso contrário, o resultado será sempre desastroso e, por vezes, de mau gosto.

A título de ilustração, escolhi dois Poetrix que representam bem esse veio poético.

1 - Dizer-me

não vale

a pena

... nem a tinta

Este poema é da poetisa Sonia Godoy, uma autora de extrema concisão e realismo em suas palavras.

O título faz parte do texto, sem ele, o poema fica solto, não diz muita coisa. Ele é fundamental para o entendimento do leitor, ainda mais para aquele que não está acostumado com a perspicácia do minimalismo.

O poema nos passa a sensação de um desabafo com luvas de pelica, o desdém é absurdo!

A palavra "pena" tem dois sentidos importantes no contexto. Numa primeira leitura podemos dizer que não vale a "pena da caneta". É algo desprezível, material, sem valor monetário.

Em uma releitura, podemos entender que não vale a pena perder tempo, nada mais faz sentido, não vai-se tentar novamente uma auto-tradução.

O terceiro verso: "... nem a tinta" é de uma ironia que chega a doer na carne, o desprezo é total. As reticências aparecem como um derradeiro suspiro, mesmo estando no início do verso, uma última pausa para o veredicto final. Mostra que tudo já foi dito.

A autora talvez queira nos dizer que só as palavras já não bastam, que seria necessário muito mais do que isso. Só o toque, o roçar, o falar com as mãos fossem capazes de traduzi-la.

O outro poema que escolhi foi o da Ângela Bretas, uma tenaz divulgadora dos versos, em especial, do Poetrix.

1 - (Má)(Temática)

não adiciono

sou

sub(traída)

Este poema, ao contrário do anterior, não necessita do título para ser compreendido, o texto por si só, já nos dá a mensagem que a autora quis passar, mas isso não implica dizer que o título não seja relevante.

"(Má)(Temática)" é algo fabuloso, nos oferece duas leituras completamente distintas, que estão intimamente relacionadas com o todo.

A má temática, nos leva ao entendimento de que o assunto é ruim, de que o tema "amor", por exemplo, é cabuloso, complexo.

Por outro lado, temos a matemática como ciência exata. Isto fica claro quando lemos "subtraída", no sentido de que ela foi diminuída (se assim podemos falar) da relação, ou seja, foi alijada da vida do outro, assim como no primeiro verso onde ela afirma que não adiciona, não acrescenta.

A sutileza da ironia está no sub(traída). Aqui a autora afirma que foi traída, mas quando coloca a palavra traída entre parênteses, antecedida de "sub", ela afirma que foi traída por alguém inferior a ela, alguém que já não faz a menor diferença.

A ironia se completa quando escreve no primeiro verso "não adiciono".

Estes Poetrix são de rara beleza. Cada verso é um susto maior do que o outro. São atualíssimos em suas temáticas, são concisos e permitem várias interpretações. Acredito que as próprias autoras tenham outras leituras e isso é que os deixam ainda mais belos e instigantes.

Cada um deles, traz na sua essência, uma dose elevada de dedicação e amor à poesia.

Escrever Poetrix de qualidade requer trabalho árduo e muito sério, pois eles resumem, em poucas palavras, o que mais buscamos: escrever pouco e falar muito. Pensando bem...para se fazer um bom Poetrix é necessário fazer amor com os versos, com as rimas, com o susto e se possível, gozar com a concisão e a ironia.

Viva a poesia!!!

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 12/01/2006
Reeditado em 13/07/2020
Código do texto: T97782
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