CONTRASTES / UMA  LEITURA  INTERPRETATIVA


ESTRATO FÔNICO

                        I

“O mundo em minha volta, estonteante, H
vibrante, quente, bruto, mau, cruel; H
no céu, no alto, estrelas luzidias, H
os dias calmos, lindos fascinantes. H

Na calma do meu mundo interior, H
o amor, um mundo inteiro de emoções, H
paixões ardentes, um furor profundo, S
no fundo de minh’alma, muito amor. H

Contrastes entre forma e pensamento, H
momentos de leveza e de furor, H
de dor, paixão amor, inferno e céu; PI

contrastes de dois mundos, duas vidas: H
a vida interior, amor profundo; H
o mundo em minha volta, mau, cruel.” H

                      II

“O mundo em minha volta, mau, cruel, H
Babel, com tantas vozes dissonantes, H
distantes, frias, de amor carentes, S
correntes com seus elos de papel. H

As guerras, frias, torpes, tristes guerras, PI
as terras desoladas, sem um grão, H
o chão sem vida, a vida sem paz, H
e mais desolação por essas terras. H

Um mundo de contrastes, divergente, H
carente de amor, de paz, de pão,  H
razão de tanta intriga, tanto mal; H

um palco de tragédias, de intrigas, H
de brigas, lutas, de furor profundo, S
um mundo tão difícil, tão real.”H

                     III

“Um mundo tão difícil, tão real, H
tão mau, cruel, tão desanimador, S
e o amor, no mundo, forte, combativo, H
altivo em sua luta contra o mal, H

sem lança, sem espada, sem canhão H
perdão por arma, vida como lema, H
por tema a caridade, o bem, a paz, H
capaz de sacrifício e doação. H

Contraste entre forças dissonantes, H
distantes, antagônicas, rivais, H
reais e opostas, forças conflitantes: H

o mundo de terror, força do mal, H
brutal, cruel, contrário a outro mundo, H
profundo sentimento dos amantes.”H

                       IV

“Profundo sentimento dos amantes, H
vibrantes em seu leito de paixão, H
em tão suave gesto de pureza, H
beleza de prazer inebriante. H

Que força! Que mistério! Que ternura! H
Que pura sensação! Que sentimento! H
Momento de paixão: amor profundo! H
Oh, mundo de prazeres! Oh, doçura! H

Mistério e força, aura e furacão, H
o pão da alma, condutor da vida, S
guarida e fortaleza dos amantes H

no mundo de contrastes, mundo cão; H
razão de vida e força dos viventes H
carentes de paixão, tristes, distantes.”H

                             V

“Carentes de paixão, tristes, distantes, H
semblantes de beleza sem igual, H
sem mal, sem ódio, divinal pureza, S
leveza nas ações, traços marcantes, H

vibrantes corpos de facetas mil,  S 
humildes, orgulhosos, tentadores, H
atores de uma peça sem final H
num palco sem platéia, arredio. H

Um mundo de contrastes multicores, H
valores diferentes, desiguais, H
vitrais formosos, lindos reluzentes H

num pórtico sem graça, sem valor, H
sem cores, estarrecedor, imundo,   
um mundo de matizes diferentes.” H

                          VI

“Um mundo de matizes diferentes, H
de entristecedores coloridos, H
ruídos dissonantes de metais H
nas mais devastadoras das tormentas; H

serpentes em nervosa atividade H
com a disritmia de seus seres H
de merecida vida rastejante    H               
diante da maior velocidade H

das aves, voadoras criaturas, H
figuras de celestial beleza   
em desanuviantes madrigais, H

nos cantos tristes, lindos, maviosos,  H
formosos seres de belas plumagens, GG
imagens de contrastes abissais.” H

                      VII

“Imagens de contrastes abissais, H
a paz e a guerra, o mal e o bem, o amor S
e a dor, presentes num mesmo painel H
de um céu azul com fortes vendavais, H

canais de transferência de energia H
e via de transporte dos gametas H
em metastática fusão de vidas S
contidas, em profunda letargia. H

E dentro de um diminuto grão,
do chão ao céu frondoso vegetal, H
um alto e majestoso monumento, H

formosaflor, com pequeninos frutos, S
redutos de semente de herança, H
na dança viva, ao sabor do vento.” S

                   VIII

“Na dança viva, ao sabor do vento, S
Nem lento, nem veloz, porém constante, H
Diantede um futuro de incerteza, H
Certeza dum passado em movimento H

No codificador helicoidal, H
Central de informação dos seres vivos, H
Arquivo em constante evolução, H
Prisão e liberdade, bem e mal. H

E neste microscópico contraste H
De hastes retorcidas entre si, H
A vida em profundo estupor H

Em contraposição ao mundo externo H
De inverno e de verão, de água e fogo, H
Um jogo contrastante e multicor.” H

                       IX

“Um jogo contrastante e multicor H
e flores alvas sobre um negro céu, S
corcel veloz em calma pradaria, H
e a fria noite antes do alvor.H

No céu, lindo painel iluminado H
na madrugada escura e transparente, H
por entre errantes astros luminosos, H
garbosos, cintilantes, um bordado H

de uma beleza ímpar, sem igual, H
um palco com bilhões de personagens, H
imagens em perfeita evolução H

buracos negros, nuvens luminosas, H
formosas espirais em movimento, H
no lento afastamento da explosão.” H

                    X

“No lento afastamento da explosão H
do grão embrionário do universo H
imerso em nada, um som residual, H
igual a um zunido de pião, H

monótono, constante, persistente, H
presente nos elétrons orbitais H
dos mais remotos corpos do universo, H         
reverso do no átomo existente. H

Contraste e semelhança em dose igual, H
brutal coincidência dos formatos H
e natural distância na grandeza; H

do ovo cósmico, explosão primeira, S
na beira do universo em expansão H
fusão de corpos em brutal beleza.” S

                          XI

“Fusão de corpos em brutal beleza, S
estrela acesa, jovem, radiante, H
pulsante quasar nos confins do mundo, S
profundo limiar da natureza, H

e os corpos em feroz dissolução, H
fissão de átomos, a bomba a guerra, S
da terra ao céu, a luz do cogumelo H
tão belo, tão cruel, tão triste, tão... H

início e fim, unidos e distantes, H
se antes energia benfazeja, H   
lampejo ardente agora, explosão. H

Contraste de explosões, fusão, fissão, H
o grão, o ovo cósmico, o botão, H
a mão do homem, a destruição.” S

                          XII

“A mão do homem, a destruição, S
a mão do homem, fonte de prazer H
de ser inteligente do planeta, H                 
um ser tão primitivo, sem razão... H

a mão do homem, fonte de progresso, H
a ressonância do seu consciente, S
a mente ativa, mente predadora H
devoradora do seu universo. S

a mão do homem, mão angelical, H
canal de difusão dos dons divinos, H
qual sinos em sonora melodia; H

a mão do homem, intrigante, bela, S
singela, forte, de sutis contrastes, S
contrastes em perfeita harmonia.” H

                         XIII

“Contrastes em perfeita harmonia: H
a fria noite, o dia causticante, H
vibrantes cores sob um sol ardente, S
os quentes sons da doce melodia, H

o murmúrio do mar, sons de gaivotas, H
as notas tristes de um bandolim, S
a sinfonia de um passaredo, S
a redolente brisa da aldeota H

em paz com o mundo, no sopé de serra, S
a terra fértil, o mar, o azul do céu, H
a relva, o verde dos canaviais; S

contrastes coloridos de outrora H
agora tão distantes, diferentes, H
presentes na memória, nada mais.” H

                       XIV

“Presentes na memória e nada mais, H
a paz e a alegria de outrora; H
agora triste guerra, infinda dor, H
a mortandade atroz, pungentes ais. H

Mirabolantes guerras de potências, H
Ciências a serviço do terror, H
e o amor, aquele amor de antigamente, H
ausente, só a dor na consciência. H

E eu no mundo tonto, qual pião, H
sem pão para alimento, sem guarida, H
sem vida interior, cambaleante, H

um ser sem perspectiva, um traste, S
contraste... que contraste?! Com esse mundo? H
O mundo em minha volta, estonteante?” H
 
                      XV
"O mundo em minha volta, estonteante? H
o mundo em minha volta, mau, cruel. H
um mundo tão difícil, tão real. H
profundo sentimento dos amantes. H

carentes de paixão, tristes, distantes. H
um mundo de matizes diferentes. H
imagens de contrastes abissais. H
na dança viva, ao sabor do vento. S

Um jogo contrastante e multicor. H
no lento afastamento da explosão. H
fusão de corpos em brutal beleza. S

a mão do homem, a destruição. S
contrastes em perfeita harmonia. H
presentes na memória, nada mais.” H


Os versos entre heróicos e sáficos (embora haja dois em pentâmetro iâmbico, um em gaita galega e três transgressões, isto é, em formas não usuais) estão distribuídos de maneira regular pelos poemas. Essa distribuição confere uniformidade ao ritmo, eventualmente alterado quando ocorrem  as modificações apontadas. Aquela que consideramos mais significativa (relacionada à antítese entre versos distantes) foi apontada durante a análise.
 
O poema é todo rimado. São rimas encadeadas e internas, algumas em mosaico (leoninas) e umas poucas toantes. Em cada estrofe, o pé da última sílaba tônica de um verso rima com o pé da primeira sílaba tônica do verso seguinte.

Raramente um verso começa por uma consoante oclusiva, seja ela bilabial, linguodental palatal ou velar. O mesmo se pode afirmar para as fricativas, sejam elas labiodentais, alveolares ou palatais.

As consoantes mais utilizadas são as laterais e as vibrantes e entre as surdas e sonoras, é maior o uso de consoantes sonoras, com marcante presença das nasais. As vogais são utilizadas em maior número do que as semivogais. Poucos versos começam por letra maiúscula (poucos terminam com ponto final). Até o sexto soneto há muitas sibilantes (algo como o vento, que perpassa); no oitavo e nono há maior uso das líquidas  de acordo com o conteúdo do texto (a travessia a nado). Do décimo soneto em diante, aparecem mais as oclusivas e as fricativas, trecho da narrativa que se aproxima do clímax, onde há mais tensão, mais obstáculos.No décimo primeiro, as rimas (em ão)
reproduzem  no poema os estrondos das explosões (uma sinestesia auditiva).

Há um expressivo número de aliterações, de rimas internas, de reiterações. Esses aspectos que buscam  e realçam a sonoridade, o ritmo, a fluidez, espelham  ao lado da liberdade das rimas, as vertentes  por onde flui a possível liberdade do Poeta. Se ele não é de todo livre; se o mundo não o compreende; se ele não pode mudar esse mundo; ele, que contrasta  com esse mundo, tem suas saídas, sua válvulas de escape; algumas situações em que é livre, pode agir com liberdade.


Nilza Aparecida Hoehne Rigo
Campinas  (07/12/07)

Versificação revisada por Paulo Camelo

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(Análise da Coroa de Sonetos de Paulo Camelo: Contrastes/ conclusão)