CONTRASTES / UMA LEITURA INTERPRETATIVA


AS CATEGORIAS GRAMATICAIS

No texto, predominam os substantivos, adjetivos e preposições, em quantidades quase equivalentes; nada é ressaltado por uma adjetivação excessiva; o artigo definido é muito mais usado do que o indefinido (cerca de dois por um); advérbios e conjunções são utilizados também, mas não em excesso; há pouca utilização de pronomes, sendo que o pronome pessoal é utilizado apenas uma vez. Interjeições são pouco utilizadas.

Por todos os elementos constitutivos, é possível afirmar que o texto tende à objetividade, aponta para o mundo que o Poeta vê; para um mundo que não vê nem a ele mesmo (o Poeta), nem ao seu mundo.

Rocha Lima, em sua Gramática Normativa da Língua Portuguesa define: “Preposições são palavras que subordinam um termo da frase a outro – o que vale dizer que tornam o segundo dependente do primeiro”.

Pela forma de composição escolhida, o número de preposições utilizado é bem grande. Esse elemento constitutivo da forma relaciona-se com o conteúdo semântico, sintetizado no décimo quinto soneto. O poeta não vive em harmonia com o mundo que o rodeia. Ele vive na “dependência daquilo a que está ligado e, de certa forma subordinado”, o que poderia ser diferente, porém equilibrado, não existe para ele: “contrastes em perfeita harmonia / presentes na memória, nada mais.”. O que o Poeta esperava (ou já teve anteriormente) no mundo, é só lembrança.


A QUESTÃO DOS VERBOS (OU DA AUSÊNCIA DE VERBOS EXPLÍCITOS)


Resultado do levantamento relacionados a formas verbais, soneto por soneto.

I:- “estonteante”; “vibrante”; “fascinante”; “ardente”
verbos: estontear, vibrar, fascinar, arder
verbos intransitivos: vibrar, arder

II:- “dissonantes”; “distantes”; “divergente”
verbos; dissonar, distanciar, divergir
verbos intransitivos: dissonar, divergir

III:- “desanimador”; “combativo”; “dissonante”; “distante”; “conflitante”; “sentimento”
verbos: desanimar, combater, dissonar, distanciar, conflitar, sentir
verbos intransitivos: dissonar

IV:- “vibrante”; “inebriante”; “sensação”; “condutor”; “guarida”; “carentes”; “distantes”
verbos: vibrar, inebriar, sentir, conduzir, (guarnecer ou guarnir), carecer, distanciar-se
verbos intransitivos: inebriar, vibrar

V:- “carentes”; “distantes”; “vibrantes”; “tentadores”; “reluzentes” “diferentes”; “estarrecedor”
verbos: carecer, distanciar, vibrar, tentar, reluzir, diferir, estarrecer
verbos intransitivos: reluzir

VI:- “diferentes”; “entristecedores”; “dissonantes”; “devastadoras”; “merecida”; “rastejante”; “voadoras”; “desanuviantes”; “criaturas”
verbos: diferir, entristecer, dissonar, devastar, merecer, rastejar,criar
verbos intransitivos: dissonar, voar,

particípio sem auxiliar: “merecida”

VII:- “presentes”; “transferência”, “contidas”; “fusão”
verbos: presenciar, transferir, conter, fundir
verbos intransitivos:

particípio sem auxiliar: “contidas”

VIII:- “movimento”; “codificador”; “evolução”; “prisão”; “retorcidas”
verbos: mover, codificar,evoluir, prender, retorcer,
verbos intransitivos: evoluir

particípio sem auxiliar: “retorcidas”

IX:- “contrastante”; “iluminado”; “errantes”; “cintilantes”; “evolução”; “movimento”; “afastamento”; “explosão”
verbos:contrastar, iluminar, errar, cintilar, evoluir, mover, afastar, explodir
verbos intransitivos: errar, cintilar, evoluir,

particípio sem auxiliar: “iluminado”

X:- “afastamento”; “explosão”; “imerso”; “zunido”; “persistente”; “presente”; “reverso”; “existente”; “coincidência”; “distância”; “explosão”; “expansão”
verbos: afastar, explodir, imergir, zunir, persistir, presenciar, reverter, existir, coincidir, distanciar, explodir, expandir
verbos intransitivos: imergir, persistir, existir,

XI:- “fusão”; “acesa”; “radiante”; “pulsante”; “dissolução”; “fissão”; “unidos”; “distantes”; “lampejo”; “ardente”; “explosão”; “explosões”; “fusão”; “fissão”; “destruição”
verbos: fundir, acender, radiar, pulsar, dissolver, fender, unir, distanciar, lampejar arder, explodir, fundir, fender, destruir
verbos intransitivos: radiar, lampejar, arder,

XII:- “destruição”; “progresso”; “ressonância”; “predadora”; “devoradora”; “difusão”; “intrigante”
verbos: destruir, progredir, ressoar, predar, devorar, difundir, intrigar
verbos intransitivos: progredir, ressoar, intrigante

XIII:- “causticante”; “vibrante”; “ardente”; “murmúrio”; “coloridos”; “distantes”; “diferentes”; “presentes”
verbos: causticar, vibrar, arder, murmurar, colorir, distanciar, diferir, presenciar
verbos intransitivos: vibrar, arder

particípio sem auxiliar: “coloridos”

XIV:-“ presentes”; “ausente”; “cambaleante”; “estonteante”
verbos: presenciar, ausentar-se, cambalear, estontear
verbos intransitivos: ausentar-se, cambalear, estontear

XV:- “estonteante”; “sentimento”; “carentes”; “distantes”; “diferentes”; “contrastante”; “afastamento”; “fusão”; “presentes”
verbos: estontear, sentir, carecer, distanciar, diferir, contrastar, afastar, fundir, presenciar
verbos intransitivos: “estontear”


Para MACAMBIRA, (pp.125,126,127,128) citando Galichet:
“Dificilmente a gramática tradicional admite que uma palavra cumule, vários valores gramaticais ao mesmo tempo: é isto ou aquilo.”


... ou citando NESFIELD:
“Há quatro espécies de palavras que são classes duplas, isto é, duas combinadas em apenas uma.”
Dessas, três nos interessam:
O infinitivo, o particípio e o gerúndio, são categorias duplas (classes de palavras).

- O infinitivo é simultaneamente verbo e substantivo.

Infinitivo, significa sem fim, sem limite, porque o infinitivo não sofre o limite de pessoa que aparece nas outras formas verbais. Em sentido lato, são infinitivos o particípio, o gerúndio e o próprio infinitivo. Neste caso, porém, se prefere usar a expressão formas nominais.

- O particípio é, simultaneamente, verbo e adjetivo.

Já os gregos perceberam a duplicidade, ao adotar a denominação methoklê – participação – que os latinos traduziram como participium. Com efeito, é o verbo que participa do adjetivo.

- O gerúndio é simultaneamente verbo e advérbio.

O nosso gerúndio corresponde ao ablativo do gerúndio latino; como o ablativo é o caso do adjunto adverbial, é natural que o gerúndio português seja a forma adverbial do verbo.

Como o gerúndio latino representa quatro casos e o português apenas o ablativo, evidencia-se que o primeiro tem maior amplitude sintática que o segundo.
Gerúndio, do latim gerundium, quer dizer propriamente, “o que está por se realizar” ou “o que deve realizar-se”, conforme a significação do gerundivo, do qual, como já foi dito, se deriva o gerúndio. Em português o gerundivo latino se conserva como valor adjetivo.

Para CUNHA (pp.483,484,485): “desacompanhado de auxiliar, o PARTICÍPIO exprime fundamentalmente o estado resultante de uma ação acabada.
O Particípio de Verbos Intransitivos tem quase sempre valor ativo.
Exprimindo embora o resultado de uma ação acabada, o Particípio não indica por si próprio se a ação em causa é passada, presente ou futura. Só o contexto a que pertence precisa a sua relação temporal.”


Não se nota a ausência de verbos flexionados (ou no infinitivo) no texto. Eles não fazem falta porque uma indicação de ação perpassa a narrativa através do uso dos advérbios, de algumas formas nominais e de alguns verbos intransitivos utilizados sem auxiliar que também imprimem a idéia de ação. Nenhum gerúndio é utilizado. Excluída a questão de repúdio ao uso dessa forma, ainda mais em repetições, resta a questão do significado (o que está por realizar-se). A ação, na narrativa existe, mas não é explícita, não é evidente, não é percebida por todos. Também não é algo relacionado a um vir a ser virtual. Ela “é”, “está”, “fica”, “permanece” na narrativa. É um estado da narrativa.
Através do recurso da elisão, os verbos de ligação não estão explícitos, mas fazem parte do conteúdo semântico das frases nominais.

Pode-se esclarecer melhor a questão dos verbos, considerando o trecho abaixo:

“Circunstâncias há em que a frase se constrói ou pode construir sem verbo: o valor sentimental das coisas, o repentino de sua visão dispensam perfeitamente esse instrumento gramatical. Quando, diante dum belo panorama, exclamamos: “Admirável paisagem!”- produzimos uma oração afetiva, a que propriamente não falta o verbo nem precisa sequer de se subentender.(...). A este processo elíptico chama-se estilo de notas ou de diário. As coisas pintam-se e desdobram-se em série; é como o decorrer de uma fita de cinema. (...)A omissão do verbo, muito do gosto do impressionismo, serve ainda para o simples descritivo dum quadro.(...)

A dispensa do verbo não é um processo novo; é antes um modo primitivo de registrar as impressões das coisas. Explica-se por três motivos principais:a) Uma expressão dúbia ou incompleta do pensamento; b) uma certa tendência para a brevidade e para o menor esforço; c) a influência poderosa dum choque sentimental.(...)

Resta a terceira categoria, que é talvez a mais interessante para a Estilística: Um abalo sentimental afeta toda uma frase e, por meio duma entonação mais ou menos exclamativa, dá-lhe valor de um grupo fraseológico.(... ). Tudo isso consegue a linguagem corrente, dispensando perfeitamente o verbo”. LAPA. M. R.(1975) ESTILÍSTICA DA LÍNGUA
PORTUGUESA. Lisboa. Coimbra Ed. Ltda. pp. 192.193).


(Análise da Coroa de Sonetos de Paulo Camelo: Contrastes/ continuação)