CONTRASTES / UMA LEITURA INTERPRETATIVA

ALGUMAS FIGURAS  (2)

VIII

“Na dança viva, ao sabor do vento,
Nem lento, nem veloz, porém constante,
Diante de um futuro de incerteza,
Certeza dum passado em movimento

No codificador helicoidal,
Central de informação dos seres vivos,
Arquivo em constante evolução,
Prisão e liberdade, bem e mal.

E neste microscópico contraste
De hastes retorcidas entre si,
A vida em profundo estupor

Em contraposição ao mundo externo
De inverno e de verão, de água e fogo,
Um jogo contrastante e multicor.”

Figuras:

Antítese (estilo): “nem lento, nem veloz”;” prisão e liberdade, bem e mal”; “de inverno e de verão, de água e fogo,”

Sinestesia. Imagem Radical (linguagem): “No codificador helicoidal,
central de informação dos seres vivos,
arquivo em constante evolução,”

Prosopopéia (retórica): “dança viva”; “passado em movimento”; “futuro de incerteza”...


A consideração agora, é sobre a questão do acaso, porque é no momento da “dança viva, ao sabor do vento,” vindo de um “passado em movimento”, que transportou o código genético, o “codificador helicoidal” que se depara o “futuro de incerteza”; aquilo que não se sabe se pela evolução e pela herança, guiado pelo acaso, resultará em “prisão” ou “liberdade”; “bem” ou “mal”, tudo isso ocorrendo no microcosmo, em grau microscópico.

IX

“Um jogo contrastante e multicor
e flores alvas sobre um negro céu,
corcel veloz em calma pradaria,
e a fria noite antes do alvor.

No céu, lindo painel iluminado
na madrugada escura e transparente,
por entre errantes astros luminosos,
garbosos, cintilantes, um bordado

de uma beleza ímpar, sem igual,
um palco com bilhões de personagens,
imagens em perfeita evolução

buracos negros, nuvens luminosas,
formosas espirais em movimento,
no lento afastamento da explosão.”

Figuras:

Antítese (estilo): “flores alvas sobre um negro céu,
corcel veloz em calma pradaria,”

Metáfora (linguagem): “No céu, lindo painel iluminado (Símbolo)
na madrugada escura e transparente,
por entre errantes astros luminosos,
garbosos, cintilantes, um bordado

de uma beleza ímpar, sem igual,
um palco com bilhões de personagens,
imagens em perfeita evolução

buracos negros, nuvens luminosas,
formosas espirais em movimento,
no lento afastamento da explosão.”

Prosopopéia (retórica): “painel iluminado”; “errantes astros”; “madrugada transparente”


É em grau microscópico que ocorre a corrida dos espermatozóides pelas trompas, “corcel veloz em calma pradaria” tudo isso ocorrendo agora num palco com bilhões de personagens, num ambiente “de uma beleza ímpar, sem igual,” ao qual é possível fazer a aproximação com o que ocorre no macrocosmo, o rompimento da membrana celular, lembrando o momento da explosão de uma super-nova.

X

“No lento afastamento da explosão
do grão embrionário do universo
imerso em nada, um som residual, i
igual a um zunido de pião,

monótono, constante, persistente,
presente nos elétrons orbitais
dos mais remotos corpos do universo,
reverso do no átomo existente.

Contraste e semelhança em dose igual,
brutal coincidência dos formatos
e natural distância na grandeza;

do ovo cósmico, explosão primeira,
na beira do universo em expansão
fusão de corpos em brutal beleza.”

Figuras:

Sinestesia. Imagem Radical (linguagem): “presente nos elétrons orbitais
dos mais remotos corpos do universo
reverso do no átomo existente

Contraste e semelhança em dose igual,
brutal coincidência dos formatos
e natural distância na grandeza;”

Metáfora (linguagem): “do ovo cósmico a explosão primeira,
na beira do universo em expansão
fusão de corpos em brutal beleza.”

Prosopopéia (retórica): “do grão embrionário do universo”

Reiteração (linguagem): “monótono, constante, persistente”


O Poeta reflete e remete para o que acontece no macrocosmo, onde ocorre o mesmo fato em grau macroscópico: a matéria ainda espalhada e desorganizada começa a contrair-se, concentrar-se, aglutinar-se, até a explosão, quando tudo começa a afastar-se, e a combinar-se, dando início a novos astros e sistemas. A vida surge da explosão em que uma parte de matéria é sacrificada ou doada. Deus doou uma parte de si para formar o Universo, fazendo, com Sua Energia explodir o Ovo Cósmico; o homem, à sua imagem e semelhança, também sacrifica uma parte de si (queima neurônios no orgasmo) e doa uma parte de si (o sêmen, o óvulo) para criar vida.

XI

“Fusão de corpos em brutal beleza,
estrela acesa, jovem, radiante,
pulsante quasar nos confins do mundo,
profundo limiar da natureza,

e os corpos em feroz dissolução,
fissão de átomos, a bomba a guerra,
da terra ao céu, a luz do cogumelo
tão belo, tão cruel, tão triste, tão...

início e fim, unidos e distantes,
se antes energia benfazeja,
lampejo ardente agora, explosão.

Contraste de explosões, fusão, fissão,
o grão, o ovo cósmico, o botão,
a mão do homem, a destruição.”

Figuras:

Antítese (estilo): “início e fim, unidos e distantes,”

Elipse (sintaxe): “tão...”

Hipérbole (linguagem): “confins do mundo”; “profundo limiar”

Metáfora(linguagem): “a luz do cogumelo”; “grão”; “ovo”; “botão”

Prosopopéia (retórica): “beleza brutal”; “estrela acesa”, “radiante, jovem”;

Reiteração (linguagem): “tão belo, tão cruel, tão triste”


Nesse soneto, o Poeta anuncia a comparação dos extremos: o que cria vida e o que destrói vida. Nas mãos do homem está criar a vida; está destruir a vida, consideração que avança pela primeira parte do décimo segundo soneto. “Contraste de explosões, fusão, fissão, / o grão, o ovo cósmico, o botão, / a mão do homem, a destruição.” ;ponto onde há um retorno para o cosmo e para o microcosmo e a ação destrutiva do homem nessas esferas. A ação do homem pode ser destrutiva ou salvadora nos três níveis: o do universo; o do mundo; o do próprio homem. O homem tem inteligência e poderia dirigir-se conscientemente para o progresso, para uma vida prazerosa, mas acaba também atuando como um predador e devorador do universo em que vive (tanto interno, quanto externo):”A mão do homem, a destruição, / a mão do homem, fonte de prazer” / .

XII

“A mão do homem, a destruição,
a mão do homem, fonte de prazer
de ser inteligente do planeta,
um ser tão primitivo, sem razão...

a mão do homem, fonte de progresso,
a ressonância do seu consciente,
a mente ativa, mente predadora
devoradora do seu universo.

a mão do homem, mão angelical,
canal de difusão dos dons divinos,
qual sinos em sonora melodia;

a mão do homem, intrigante, bela,
singela, forte, de sutis contrastes,
contrastes em perfeita harmonia.”

Figuras:

Antítese . Paradoxo. (estilo): “A mão do homem, a destruição,
a mão do homem, fonte de prazer
de ser inteligente do planeta,
um ser tão primitivo, sem razão...”

“a mente ativa, mente predadora
devoradora do seu universo.”

“ a mão do homem, mão angelical,
canal de difusão dos dons divinos,”

Reiteração (linguagem): “a mente ativa, mente predadora
devoradora do seu universo.”

“ a mão do homem, intrigante, bela,
singela, forte, de sutis contrastes,
contrastes em perfeita harmonia.”


Nessa parte da narrativa, o Poeta reflete sobre a ação do homem, criado e criador, sobre a criação; sobre a ação benéfica: “A mão do homem, mão angelical, / canal de difusão dos dons divinos, / qual sinos em singela melodia, / a mão do homem, intrigante, bela, / singela, forte de sutis contrastes, / contrastes em perfeita harmonia.”, sobre a possibilidade que o homem tem de usufruir das belezas, da variedade do mundo, tudo que se lhe oferece.

XIII

“Contrastes em perfeita harmonia:
a fria noite, o dia causticante,
vibrantes cores sob um sol ardente,
os quentes sons da doce melodia,

o murmúrio do mar, sons de gaivotas,
as notas tristes de um bandolim,
a sinfonia de um passaredo,
a redolente brisa da aldeota

em paz com o mundo, no sopé de serra,
a terra fértil, o mar, o azul do céu,
a relva, o verde dos canaviais;

contrastes coloridos de outrora
agora tão distantes, diferentes,
presentes na memória, nada mais.”

Figuras:

Antítese ( estilo): “Contrastes em perfeita harmonia:
a fria noite, o dia causticante,
vibrantes cores sob um sol ardente,
os quentes sons da doce melodia,”

Reiteração (linguagem): “agora tão distantes, diferentes,”

Sinestesia (linguagem): “cor vibrante”; “sol ardente”; “som quente”; “melodia doce”; “murmúrio do mar”; “sinfonia do passaredo”; “brisa redolente”;

“Em paz com o mundo no sopé da serra,
a terra fértil, o mar, o azul do céu,
a relva verde dos canaviais;”

...à descrição de um mundo idílico, de paz e simplicidade, descrito no décimo terceiro soneto, como uma recordação do passado: “em paz com o mundo, no sopé da serra, / a terra fértil, o mar, o azul do céu, / a relva, o verde dos canaviais” / (...) “presentes na memória e nada mais.”........

XIV

“Presentes na memória e nada mais,
a paz e a alegria de outrora;
agora triste guerra, infinda dor,
a mortandade atroz, pungentes ais.

Mirabolantes guerras de potências,
ciências a serviço do terror,e
e o amor, aquele amor de antigamente,
ausente, só a dor na consciência.

E eu no mundo tonto, qual pião,
sem pão para alimento, sem guarida,
sem vida interior, cambaleante,

um ser sem perspectiva, um traste,
contraste... que contraste?! Com esse mundo?
O mundo em minha volta, estonteante?”

Figuras:

Antítese (estilo): “a paz e a alegria de outrora;
agora triste guerra, infinda dor,
a mortandade atroz, pungentes ais.”

“Mirabolantes guerras de potências,
ciências a serviço do terror,
e o amor, aquele amor de antigamente,”

Metáfora (linguagem): “E eu no mundo tonto, qual pião, (Símbolo)
sem pão para alimento, sem guarida,
sem vida interior, cambaleante,”

“um ser sem perspectiva, um traste,”

......e reflete, no décimo quarto soneto, sobre a ação destrutiva do homem, esquecido de que foi criado para o bem e para o belo, causador da: “agora, triste guerra, infinda dor, / a mortandade atroz, pungentes ais.”; do homem que usa o avanço do conhecimento, da Ciência, em prol do poderio de alguns, da ação do terror; e diz o Poeta, a partir de seu ponto de vista, que resta “só a dor na consciência” (nível do macrocosmo e do cosmo e do microcosmo, expresso no coletivo), mas que , pela construção da frase, poderia ser entendida como: “só, - a dor na consciência” (os mesmos níveis na esfera individual). Sem o “amor de antigamente” a consciência dói por algum tipo de destruição ocorrida. O Poeta, nesse mundo, não tem nada, não é nada, nem mesmo contrasta com esse mundo; ele mesmo, “no mundo” não tem aquela vida interior, ou desistiu dela, afastou-se dela; é um traste, pois não contrasta (faz parte do conjunto, segundo a sua reflexão).

XV

“O mundo em minha volta, estonteante,
o mundo em minha volta, mau, cruel,
um mundo tão difícil, tão real,
profundo sentimento dos amantes

carentes de paixões, tristes distantes;
um mundo de matizes diferentes,
imagens de contrastes abissais
na dança viva ao sabor do vento.

um jogo contrastante e multicor
no lento afastamento da explosão,
fusão de corpos em brutal beleza;

a mão do homem, a destruição;
contrastes em perfeita harmonia
presentes na memória, nada mais.”

Figuras:

Antítese (estilo): “a paz e a alegria de outrora;
agora triste guerra, infinda dor,
a mortandade atroz, pungentes ais.”

“Mirabolantes guerras de potências,
ciências a serviço do terror,
e o amor, aquele amor de antigamente,”

Metáfora (linguagem): “E eu no mundo tonto, qual pião, (Símbolo)
sem pão para alimento, sem guarida,
sem vida interior, cambaleante,”

“um ser sem perspectiva, um traste,”



(Análise da Coroa de Sonetos de Paulo Camelo: Contrastes/ continuação)