POESIA: FORMA E ESTRUTURA
 
A poesia é o significado coincidindo com a forma. Existem unidades estruturais que são constitutivas da linguagem poética e promovem a unificação dos textos em que são utilizadas Essas estruturas recebem o nome de acoplamentos. O acoplamento, além de servir de base a essa idéia de unidade do poema, explica também uma questão que abrange a poesia de uma forma geral. È a sua qualidade de ser memorável. A poesia pode ser estudada sob o foco de ser memorável e unificada.

Embora seja uma formulação da linguagem, a poesia produz efeitos além dos da linguagem comum. A gramática da linguagem e a gramática da poesia são diferentes. Para Samuel Levin, “a gramática de uma língua é formada de certo número de classes de elementos lingüísticos e de certo número finito de regras, as que sejam necessárias e apenas elas.”(Levin 1975 p.20).

Embora não exista uma gramática capaz de dar conta de gerar mecanicamente todos os poemas criados, menos ainda de prever os futuros, pode ser necessária e útil uma análise de parte dos modelos existentes. Para tanto, reconhecer as relações linguísticas
que extrapolam o domínio da oração. Isso aponta para modificações nas regras da gramática da língua para permitir certas liberdades. Também serve para justificar certos tipos de restrições que sofrem as unidades lingüísticas em poesia, na oração e além dela. Voegelin define linguagem comum como casual e linguagem poética como não- casual. Propõe algumas formas de abordagem para tratar da linguagem não- casual cada qual, comportando vantagens e desvantagens. Se pensarmos em termos de gramática não-casual comparada com a gramática casual poder-se-ia ter melhor distinção entre as duas linguagens, do que se optarmos pela enumeração dos desvios.

Segundo Levin (1975) para Bernard Bloch “o estilo de um discurso é a mensagem conduzida pelas distribuições de frequências e pelas probabilidades transicionais de seus traços  linguísticos, especialmente na medida em que difiram das dos mesmos traços da linguagem como um todo.”

Levin (1975) apresenta também e definição de Archibald A. Hill “O estilo é a mensagem conduzida pelas relações entre os elementos linguísticos” além do percurso da oração, ou seja, em textos, em discurso extenso. Deste segundo tipo de análise estilística, pode-se obter informações e depreender o estilo de um gênero. Nesse caso, a abordagem se confina “ao estudo dos elementos contidos na mensagem e estabelece seu próprio código, para só então comparar tal código com o da linguagem comum”.(Levin 1975 p.26).

“Os tipos de relações supra-oracionais que interessam são os que resultam de impor ao discurso alguma estrutura adicional àquela que deriva da linguagem tal como normalmente usada”,(Samuel R. Levin 1975 p.28) por exemplo, rima e metro. Pela prática corrente, sabe-se que o efeito poético não depende apenas dessas duas estruturas. Na poesia elas apenas acompanham uma estrutura que é, por si mesma poética.

A análise linguística distingue os planos do sintagma (combinação de elementos no nível da palavra e da oração em que um é determinante do outro) e paradigma (modelo para flexão ou conjunto de formas flexionais). A análise linguística da poesia lida primeiramente com o plano sintagmático por ser o mais acessível para a análise, contudo deve considerar o estudo dos paradigmas como de grande importância, porque o poema não é apenas uma combinação de sintagmas, mas também uma sucessão de paradigmas.

PARADIGMAS E POSIÇÕES

Paradigma é o conjunto formado pelas bases flexionadas de um mesmo radical (quebro, quebras, quebrou, quebrado). “nas discussões modernas tenta-se, frequentemente incorporar à definição de paradigma traços contextuais, dizendo que o paradigma se constitui com respeito a esses traços. ‘Um sistema de variações morfêmicas que corresponde a um sistema paralelo de variações do contexto (e portanto de significado estrutural) é um paradigma”.(Levin 1975 p.34)

Pode-se ter como ponto de partida contexto(s) e classificar como paradigmas as formas que ocorram nesse(s) contexto(s). Paradigmas são portanto classes de equivalência de algum ou de vários traços (sempre fora das formas em questão). As formas são definidas conforme os membros se organizam em enunciados (por posição); conforme o grupo de construções que podem aparecer no contexto (com um grupo infinito de classes.). A característica que as define é externa; está na maneira de organização em construções maiores, de suas relações com outras formas contextuais. Os paradigmas assim constituídos são os de posição.Qualquer lugar da cadeia lingüística flanqueado por junturas (inclusive silêncio) é uma posição (enquanto os outros são meros lugares). Para que se tenha noção: Ele + sabe + ler + muito + bem \ (= cinco posições).
Duas posições serão equivalentes se permitirem as mesmas alternações. A esta ocorrência, chama-se  equivalência de tipo I  (posicional).

Além da distinção por traços lingüísticos (contexto), há outro tipo de traço externo que define uma classe: o extralingüístico. Uma dessas classes é a que envolve significado.
Segundo Levin (1975) Hjelmslev define: “duas formas são semanticamente equivalentes na medida em que se imbriquem ao cortar a ‘massa de pensamento’ geral”, como, por exemplo, o são os sinônimos, equivalentes em relação a essa referência extralinguística. Há diversas outras formas de agrupar por classes (inclusive por oposição). Neste caso ocorre uma equivalência estrutural. Pelo fato de que os enunciados, que envolvem equivalência semântica entre formas que ocorrem na poesia, não serem validados por nenhuma gramática, recorre-se a uma referência externa – ‘a massa de pensamento’ – para  validá-los. No campo da fonologia ocorre a mesma coisa, mas  tanto o poeta quanto o usuário da linguagem comum são compelidos pelas mesmas regras. A determinação de equivalência fonológica derivará da comparação com a gama geral das possibilidades fonéticas. As formas serão colocadas na mesma classe na medida em que se imbriquem ao cortar o continuum fonético-fisiológico. É esse procedimento que isolará as classes de palavras que rimem, aliterem, partilhem a mesma consonância final, e assim por diante. As equivalências semântica e fonológica são as de tipo II (natural).

 
ACOPLAMENTOS

A poesia explora as equivalências de tipo II. Um poema combina no eixo sintagmático elementos que, na base de suas equivalências naturais constituem classes ou paradigmas de equivalência. Segundo Levin (1975) Roman Jakobson afirma: “A função poética projeta o princípio de equivalência do eixo de seleção sobre o eixo de combinação”. Trata-se de uma exploração intencional que pode ser de traços fônicos e / ou semânticos (negrito meu) e se processa sistematicamente no poema; são usadas posições equivalentes com engaste para elementos fônicos e / ou semânticos equivalentes. As equivalências de tipo II (semântica e fonológica) e de tipo I (posicional) convergem, estando as de tipo II engastadas nas de tipo I.

Diz Levin (1975) “o signo linguístico situa-se no centro de uma convergência entre relações (função relacional) que firma com outros signos de seu sintagma e as correlações (função correlacional) que estabelece com outros signos de seu paradigma.” (definição por posição).

Os signos de tipo II também estabelecem funções de sintagma e paradigma. No caso da equivalência fônica com o plano sintagmático não comportam alterações; as relações contraídas com o plano paradigmático, contudo, são grandemente alteradas porque não se gerariam quaisquer paradigmas separados com base em equivalência fônica a não ser por acaso e de forma fragmentária. Só ocorrem resultados significativos quando são consideradas relações ou funções contraídas entre signos e o continuum fonético-fisiológico, como as classes com a mesma terminação (-ua, por exemplo), que não seria isolada por posição. (Levin 1975).

Quanto ao significado, ele difere do fônico, embora ambos sejam de tipo II. Dois signos que são semanticamente equivalentes contraem as mesmas funções com os planos sintagmático e paradigmático. No entanto não existe uma gramática que possa dar conta das sutilezas envolvidas e dar conta de determinar a equivalência semântica das formas poéticas. O recurso é, portanto uma referência extralinguística, a massa de pensamento de Hjelmslev, já mencionada. Desse ponto de vista, a convergência  é “um processo em que o componente semântico independente é embutido no componente posicional independente. Ainda assim, o importante não é essa ocorrência, mas a relação entre uma convergência dessa espécie e de outra. Somente quando comparamos duas convergências “que tais” e descobrimos a relação entre elas é que temos a estrutura importante para a poesia.

Afirma pois, Levin (1975) “Essa relação é aquela em que duas convergências abarcam duas formas naturalmente equivalentes (som e / ou sentido) que ocorrem em posições equivalentes (um acoplamento de convergências). Ora, duas formas quaisquer que ocorram em posições equivalentes representam um emparelhamento de convergências, mas só se as formas forem naturalmente equivalentes é que temos um ACOPLAMENTO, a estrutura verdadeiramente importante para a poesia.

Os exemplos do texto estão todos em inglês e não é o fito desta leitura fazer uma pesquisa e um estudo paralelo dos mesmos casos para o português. Contudo, a título de ilustração e com o fito de esclarecer, talvez, porque se considera a presença dos elementos fônicos (o extrato fônico) na análise de um texto literário, apresentamos um exemplo seguido dos comentários.

“Ademais, em muitos casos, quando membros de uma parelha que ocupem posições equivalentes numa construção paralela são naturalmente equivalentes, o fato servirá de primeiro plano para que quaisquer afinidades fônicas ou semânticas que existam entre os membros da parelha que ocupem o outro par de posições equivalentes nessa construção. Considere-se o exemplo desta oração call my nepheu and get my niece [chame meu sobrinho e traga minha sobrinha] em que o fato de, num acoplamento, nephew e niece aliterarem, servirá para destacar não a questão de que no outro acoplamento o /k/ de call é surdo enquanto o /g/ de get é sonoro, mas antes o fato de serem ambas explosivas velares.(...)
Onde haja uma base de comuniabilidade, a pressão sistêmica do padrão servirá para dar-lhe destaque e semanticamente, também, a mesma espécie de destaque se produzirá.”  (Levin 1975 p.58-9).

Como explicar, ou melhor, como corroborar a afirmação de que forma e sentido se fundem num poema? Para isso é necessária uma teoria de poética que possa permitir a unificação de grandes segmentos de um poema e a unificação do poema como um todo. Estruturas com fogo flamejante e astros estrelam, onde os elementos da construção são ao mesmo tempo fônica e semanticamente semelhantes, não podem por si sós fundamentar uma teoria de fusão de forma e sentido. A força do acoplamento poético está na relação que, no código, estabelecem entre si os membros da mensagem. Diz Levin (1975) “Os elementos individuais que ocorrem no acoplamento são posicionalmente equivalentes na mensagem e no código.” (...) “um código separado ou subcódigo no qual as classes são formadas na base da equivalência natural (tipo II). Tal subcódigo é o código da poesia e funciona dentro ou a par, do código da linguagem comum.” 

O grupo possível de formas com equivalência tanto natural quanto posicional é muito restrito. É dessa forma que o acoplamento serve para unificar o poema. Nesse sentido, pode-se dizer ainda que o vocabulário de um poema é restrito e uniforme. É isso que torna o poema memorável. O efeito importante do acoplamento é unir in praesentia termos que de outra forma estão unidos  in absentia {cf. Saussure), isto é, por associação. No poema o código é restrito resultando que “ao ler um poema verificamos que os sintagmas geram paradigmas específicos e esses paradigmas, por sua vez, geram os sintagmas, levando-nos assim de volta ao poema.; o poema gera seu próprio código, do qual é a única mensagem.” (Levin 1975 pp.66-7).

A forma em poesia não é apenas fônica; a ela estão ligadas as unidades verbais individuais, entre as quais existem equivalências unitárias de natureza fônica e / ou semântica. Se tais equivalências existem entre as palavras individuais e então são colocadas em posições equivalentes dos sintagmas, ocorre o acoplamento poético.
É o acoplamento poético que serve para fundir forma e significado num poema.

A MATRIZ CONVENCIONAL

Poemas líricos breves não desenvolvem posições sintagmáticas equivalentes; o mesmo vale para os poemas muito longos em que o poema inteiro constitui um único enunciado declarativo. Isso, no entanto, não quer dizer que as equivalências não ocorram de modo sistemático. Trata-se de uma matriz que deriva do corpo de convenções que um poema, como forma literária organizada observa, como por exemplo, o metro e a rima. Esses traços incorporam ao poema uma periodicidade de equivalência. No caso do metro, a periodicidade envolve os lugares sucessivos do verso poético em que recai o icto (para o iâmbico, o pé par). Pela mesma razão, os lugares onde ele não ocorre são equivalentes. As posições são equivalentes, não com o eixo sintagmático da linguagem, mas com referência ao eixo métrico do poema como forma literária. O mesmo vale para o caso da rima em que as equivalências ocorrem em finais de verso.

A rima é um acoplamento em que as formas fonicamente equivalentes ocorrem em posições equivalentes com respeito ao esquema rimático do poema; aliteração, assonância e consonância são acoplamentos em que as formas fônicas ocorrem em posições equivalentes em relação ao metro do mesmo. É mais frequente a correlação entre parelhas semânticas e o eixo sintagmático e parelhas fônicas e o eixo convencional. Em geral, as palavras que rima são semanticamente semelhantes; o mesmo não vale para a assonância e a aliteração. (Levin 1975 pp. 71-8)

Embora o autor tenha acentuado a importância dos acoplamentos e seu efeito unificador, ressalva que é errado concluir que quanto mais acoplamentos encontramos num poema, melhor ele é. A unidade do poema não deve ser alcançada em detrimento da complexidade; esta não deve ser obliterada. O excesso de uniformidade torna o poema banal. Em muitos poemas, as expectativas quanto a rima, ritmo, metro, sintaxe, dicção, etc seguem cursos paralelos, mas com resultados banais por causa da concentração de acoplamentos. Formas fonicamente equivalentes tendem a ser semanticamente equivalentes. Esse é o ponto em que a questão da banalidade se torna crítica, mas a resolução depende de outros fatores atuantes. Levin (1975) cita Winsatt: os homotelêutons que rimem pelos mesmos sufixos e que são, por isso, ao mesmo tempo fônica e sintaticamente equivalentes, podem ser salvos do prosaísmo se o movimento da sintaxe não for paralelo ao das rimas.

O acoplamento, desejável na poesia por conduzir à unidade do poema, tem como condição necessária e suficiente a ocorrência de formas fônica ou semanticamente equivalentes, tanto sintagmática, como convencionalmente definidas.

Há ainda outros dois tipos de acoplamento: a) a ocorrência de formas, a um só tempo, fônica e semanticamente equivalentes em posições equivalentes; b) a ocorrência de formas fônica ou semanticamente equivalentes em posições que são a um só tempo sintagmática e convencionalmente equivalentes. A utilização destes dois tipos de acoplamentos, dependendo da ação e interação simultânea de todos os outros fatores que atuam num poema, pode resultar numa virtude, bem como num defeito.




Fonte: Samuel R. Levin: Estruturas Linguísticas em Poesia. (EDUSP. 1975)