Tratados de versificação ou escrita literária e licença poética.

Amigos e amigas recantistas!

O Teórico é um subsídio para o escritor, jamais uma camisa de força. Sempre nos será permitido infringir regra ou regras de tratados de escrita poética ou literária na hora de escrevermos um poema, crônica, conto, romance, etc., pois, se nós nos prendermos ao extremo de uma regra ou livro de regras estaremos enjaulando idéias em uma prisão. E todos nós sabemos que a Poesia expressada, fisicamente: no poema, os textos em prosa são mais do que tudo criação e/ou sentimento e compreensão da Vida: seja interior ou cotidiana e não apenas seguir regras!

Quanto mais conhecimento, maior a possibilidade de subversão e criação própria. Porém, quanto mais preocupação em seguir rigidamente qualquer regra, maior a possibilidade de cópia ou de esquecimento do conteúdo.

Vejamos, amigos, o que pode ser genial em Literatura, partindo deste soneto do Poeta Parnasiano Guimarães Passos:

XLIX

ENTÃO SOMENTE

Viste-me, e eu era solitário e triste,

Os meus dias de sol, órfão, passava;

E se um sorriso alguma vez pairava

Nos meus lábios, Claés, tu nunca o viste.

Porque, tão passageiro iluminava

O meu semblante um riso, que se existe

O gozo, o próprio gozo que fruíste,

Nunca a minh´alma viu-se dele escrava.

Amei-te quando tu, também, sofreste;

Quando me deste amor, e não somente

Amor, mas quando o teu pesar me deste.

Quando me deste o pranto teu veemente;

Quando o teu peito em lágrimas verteste

Misericordiosissimamente.

"Misericordiosissimamente" - é o último verso do soneto Então Somente de Guimarães Passos, do livro Versos de Um Simples (1886-1891) - chave de ouro do soneto.*

Se fossem colocados em sequência, diversos deste achado, certamente não se formaria um poema, não pensam assim, amigos recantistas?!

Porém, pensando na imensa criatividade do verso, encaixado como chave de ouro do soneto, encontramos nele (forçando um pouco) um decassílabo apenas acentuado na 10ª sílaba poética ou temos apenas 9 (nove) sílabas poéticas conforme a escansão adotada, porém, não ficou maravilhosa esta licença poética?

Lembremos que Guimarães Passos junto com Bilac publicou o célebre: Tratado de Versificação

O verso final do soneto escandido em decassílabo:

Mi/ se/ ri/ cor/ di/ o/ si/ ssi/ ma/ MEN/ te

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Escandido em eneassílabo:

Mi/ se/ ri/ cor/ dio/ si/ ssi/ ma/ MEN/ te

1 2 3 4 5 6 7 8 9

Neste caso, dentro da rigidez extrema dos Poetas Parnasianos a licença poética, a criatividade e o sentimento falaram mais altos! Assim, penso eu, deva ser a criação literária. Ter o direito ao rompimento com as regras, claro que dentro do conhecimento de causa. Afinal, ruptura é conhecimento ampliado e jamais aventura! Se o poeta não aceitasse nenhum rompimento com a regra, era necessário ser tônica também a 4ª 8ª sílaba poética do verso para formar o decassílabo sáfico ou a 2ª e 6ª sílaba poética do verso para formar o decassílabo heróico, o que não é possível em Misericordiosissimamente.

Teria valor trocar esta imensa criatividade para manter a regra do decassílabo sáfico ou heróico?!

* A edição que tenho das obras de Guimarães Passos é da Academia Brasileira de Letras em comemoração do seu 1º Centenário de fundação e data do ano de 1997. O poema aparece na página: 106.

Um abraço,

Fiquemos com Deus,

Alexandre!