QUEM NASCEU PRIMEIRO...


O uso da língua pode apresentar-se na forma de linguagem falada; nesse caso, tem uma finalidade prática que é a comunicação imediata e objetiva. Pode ainda dirigir-se a uma finalidade estética, tanto no caso da prosa literária, como no da poesia.

A prosa literária é expressão do não eu ou do objeto; ela é, a priori, denotativo-conotativa. Crônica, conto, novela, romance, pertencem á categoria de prosa literária.

A poesia é a expressão do eu na realidade interior e é predominantemente conotativa. Na prática, nem sempre é fácil distinguir entre poesia e prosa.

O poema em versos brancos é aquele em que não há o emprego de rimas no final dos versos; no poema em versos livres não se utilizam versos com a mesma métrica. Já o poema de forma livre apresenta uma combinação desses dois elementos: não utiliza rimas nos finais dos versos e não apresenta versos isométricos.

O poema de forma fixa pode apresenta-se em versos brancos, porém com isometria (caso das sextinas entre outros), mas a grande maioria dos poemas de forma fixa segue esquemas de rima e de metro.

No caso de prosa poética temos uma obra em prosa, onde há presença de soluções poéticas. Há casos em que, pela força desses recursos, é difícil fazer uma distinção. Tem extensão breve como a maioria dos poemas. O poema em prosa trata da matéria poética, mas faz uso da disposição gráfica da prosa. O ritmo segue recebe mais atenção do que a sintaxe, e pode haver simetria entre as frases.

Apenas um dos acoplamentos (fônico ou semântico) é necessário (embora existam outras ocorrências), para conduzir à unidade do poema. Sob essa ótica, onde há acoplamento semântico e apenas semântico, existe poesia.

Diante disso, poderíamos inferir que, por parte de autor, existe uma técnica subjacente na composição dos versos livres; o poema é construído pela utilização do processo de imbricar componentes semânticos independentes em componentes posicionais independentes, repetidas vezes. Dessa forma, o leitor depara-se com vários acoplamentos de mesma espécie, que criam paralelismos os quais, por sua vez, lhe permitem identificar a estrutura poética do texto. Essa poderia ser a razão pela qual, nos poemas em versos livres, a reiteração está mais presente do que nos poemas de forma fixa. A relação entre esses paralelismos é estabelecida pela referência extralinguística, configurando uma estrutura importante para a poesia. Apresento essa idéia porque creio que pode tratar-se da técnica para a elaboração de versos livres.

Enquanto a poesia nasceu para ser declamada, a prosa destina-se a ser lida. A maior parte dos gêneros prosaicos está separada da linguagem oral; seu destino é a linguagem escrita com um estilo próprio.

Na prosa literária, a narração é feita através de formas epistolares, memórias ou notas, estudos descritivos, folhetins e outras formas, todas elas constitutivas da linguagem escrita, destinando-se ao leitor e não a um ouvinte; são construídas a partir do que é escrito e não a partir da voz.

O verso deve ser considerado como um complexo necessariamente linguístico, assentado sobre leis particulares que não repousam sobre a língua falada. O verso nos apresenta os resultados de uma combinação de palavras ao mesmo tempo rítmica e sintática.
Existe uma questão que não parece estar bem clara no momento atual. Lidamos com alguns aspectos bem definidos. Tanto a poesia, como a prosa literária (uma destinada a ser declamada e outra a ser lida), diferem da palavra falada, da linguagem como instrumento de comunicação no convívio social. Parece-me que não carece buscar delimitar o que é poesia pela necessidade de atestar a validade do verso livre; ele é claramente aceito como tal.

Os limites que buscamos para diferenciar linguagem coloquial, prosa e poesia são sempre bastante tênues. O ritmo não pode ser o parâmetro para estabelecer diferenças, já que existe tanto na linguagem coloquial, quanto na prosa literária ou na poesia, seja um poema de forma fixa ou um poema em versos livres. Creio que o mais produtivo seria buscar definir o que separa a linguagem literária da linguagem quotidiana, usual, para em seguida buscar entender quais as leis que regem a prosa literária e quais as que regem a poesia em forma fixa e em forma livre. Esse tipo de abordagem permitiria uma visão holística do campo de aplicação dos diferentes discursos.

Bastaria a constatação de que um texto em prosa literária possa receber inserções de trechos poéticos, para dizer que a ruptura semântica também ocorre na prosa ou poder-se-ia entender que o texto em prosa literária (conto, novela, romance), por ser mais longo, poderia conter textos de outras áreas, com posição estanque dentro do conjunto? Não seria questão de a prosa ser um estilo que permite tal ocorrência?

Pode ser o caso de que não estamos considerando a ideia de sistemas, dentro de sistemas; pode ser ainda que haja necessidade de maior afastamento do objeto de estudo.

E se, retrocedendo, considerássemos a seguinte pergunta: a linguagem falada, apesar de ter uma finalidade prática, é absolutamente isenta de soluções poéticas?


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