Estudo semântico do poema “Árvore” de João Prado

ÁRVORE

João Prado

Com forças gigantes

rasguei essa terra

e sorri para o sol.

Que festa de escol!

Que mundo contente!

Eu não sei, francamente

porque tanta festa em

em todo o arrebol.

Com o tempo eu crescia

e trazia um segredo:

Eu seria gigante,

mais tarde ou mais cedo.

Eu esticava os meus braços,

e mais esticava.

E mais eu crescia,

e mais eu sonhava

espalhar meus galhos

lá em cima,

e estrelas buscava.

Pro mundo pensar

que as estrelas do céu,

eram flores que eu dava.

Um dia no entanto,

o meu sonho acabou;

o machado de um homem

no chão me jogou.

Mais tarde vivi

num salão requintado,

de tapetes e lustres;

onde as excelências

rodeavam-se a mim

pra fazer conferências.

Eu era mesa importante

de um salão elegante.

O tempo passou,

fui ficando esquecida.

Fui substituída;

nem salão requintado,

nem céu pra buscar.

Fui fogueira depois,

e o fogo que ardia

em meu corpo subia;

e tão forte subia,

como se pretendesse

pro céu me levar.

Acabou-se a fogueira.

Sou cinzas, mais nada.

Sou resto de pó

numa noite estrelada.

E eu quisera

buscar as estrelas,

e o céu todo buscar;

agora afinal,

vou subir,

vou voar,

vou fugir do revés.

Um menino que ainda

não sabe de estrelas,

me espalhou com os pés.

COMENTÁRIOS

Ao observar-se o poema de João Prado é possível fazer uma leitura metafórica do mesmo. Metafórica por carregar em si um significado muito mais amplo que a simples trajetória de uma árvore, apontando mesmo para a história da vida e dos sonhos de um ser humano. Observemos alguns trechos:

“Com forças gigantes

rasguei essa terra

e sorri para o sol.”

Poder-se-ia ver aqui uma alusão ao nascimento, no qual as “forças gigantes” não seriam exercidas pela árvore/homem, mas sim pela mãe/terra que é “rasgada”, ou seja, aberta para proporcionar o nascimento. Lembre-se aqui da velha tradição greco-romana a respeito da Mãe-Terra, mito esse também encontrado em outras culturas e em diversos povos.

Ao longo do texto, outros elementos surgem que sugerem essa metáfora árvore/homem. Em dado momento o poeta utiliza-se da expressão “esticava os meus braços” , sendo a palavra braços empregada em substituição a galhos, que aliás aparecerá mais adiante (“espalhar os meus galhos/lá em cima”).

Mas talvez onde o elemento metafórico apareça de maneira mais sensível seja no uso constante de uma figura de linguagem conhecida como prosopopéia; essa figura (também conhecida como personificação) é assim definida: “figura que consiste em atribuir linguagem, sentimentos e ações próprios dos seres humanos a seres inanimados ou irracionais”. Vejamos portanto os casos de prosopopéia no texto:

“...sorri para o sol.”

“Eu não sei, francamente”

“e mais eu sonhava”

“vou voar”

São todos exemplos da relação estabelecida no poema entre a árvore e um ser vivo, no caso o ser humano em sua trajetória de vida. Dentre essas personificações a mais importante talvez seja a que se relaciona ao sonho; o sonho que leva o indivíduo a querer ser mais, a almejar crescer e se tornar importante; ser, enfim, alguém que “dá flores que mais parecem estrelas”, ou seja, que faz a diferença, se destaca.

Quando o “machado” da realidade imposta pela sociedade (o homem do poema) vem e derruba esse ser que vê seus sonhos sendo postos ao chão para que ele se torne o que a sociedade impõe, pode ser que surja daí um certo contentamento.

Ser “mesa” não é apenas ser um móvel, pode também ser estar no meio (mésos > meio) ; uma possível brincadeira etimológica e lingüística do poeta?

Ser aquele que é o “centro das atenções” é um estado passageiro, o tempo passa e outras pessoas ocupam o lugar de destaque no centro dos acontecimentos; o tempo passa e o tempo é o fogo no qual todos queimamos.

O poeta fecha seu poema de forma magistral apontando para a continuidade da existência: somente após tornar-se “cinzas, mais nada”, somente a pós ser reduzido a “resto de pó numa noite estrelada” é que o ser finalmente pode realizar seu sonho de alcançar algo mais; passa agora a ter a consciência de que é muito mais do que um tronco/corpo e que pode subir, voar, fugir do revés e lá de cima ver a vida continuar o seu ciclo de começo, meio e fim, nascimento, velhice e morte.

O menino que o espalha com os pés pode ser o próprio tempo, ou o futuro ou ainda uma outra “árvore” que ainda não teve a experiência necessária para perceber que a vida é muito mais do que aquilo que nossos sentidos nos mostram.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

•PRADO, João. Pedaços de sonhos. Edição do autor, Rio de Janeiro, 1985.

•CEREJA, Willam Roberto & MAGALHÃES, Thereza Cochar. Literatura Brasileira. 2ª ed. Atual Editora, São Paulo, 2000.

•COUTINHO, Ismael de Lima. Pontos de gramática histórica. 7ª ed. Ed. Ao Livro Técnico, Rio de Janeiro, 1976.

Conheça o poeta: www.joaopradopoeta.com

Glaucio Cardoso
Enviado por Glaucio Cardoso em 18/06/2006
Reeditado em 18/06/2006
Código do texto: T178010
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