MARIO DE ANDRADE - PARA COMPREENDER O MODERNISMO III

Confrontemos ainda a atitude renovadora de Mario de Andrade face aos Manifestos vanguardistas de Marinetti, Tzara e Breton*:

FUTURISMO:

“Nós, os futuristas, não sabemos de História, só conhecemos da Vida o que passa por Nós. Eles (os passadistas) tem a Cultura. Nós temos a Experiência e não trocamos”

(Alma Negreiros, Os Modernistas Portugueses, pg.54)

“Os elementos essenciais de nossa poesia serão a valentia, a audácia e a revolta. ...A literatura engrandeceu até agora a imobilidade pensativa, o êxtase e o sonho. Queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo ginástico, o salto mortal, a bofetada e o soco. ... Declaramos que o esplendor do mundo enriqueceu-se com uma beleza nova: a da velocidade. Um automóvel de corrida...é mais formoso do que a Vitória de Samotracia. ... Não há obra prima sem caráter agressivo ... Queremos demolir os museus, as bibliotecas, combater o moralismo, o feminismo e a todas as covardias oportunistas e utilitárias. ... Cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, pelo prazer ou pela revolta; as ressacas multicolores e polifônicas das revoluções nas capitais modernas; a vibração noturna dos arsenais e das oficinas sob suas violentas lutas elétricas; as estações ferroviárias, glutonas, engolidoras de serpentes fumegantes; as usinas suspensas das nuvens pelos fios de fumaradas; as pontes... as locomotivas e o vôo dos aeroplanos... (Marinetti)

DADAÍSMO:

“Qualquer produto do desgosto capaz de se tornar uma negação da família é Dadá; protesto com todos os punhos do seu ser em ação destrutiva Dadá; conhecimento de todos os meios até agora recusados pelo público do compromisso cômodo e da cortesia: Dadá; abolição da lógica, dança dos importantes da criação: Dadá; de toda a hieraquia e equação social instalada para os valores, pelos nossos lacaios: Dadá; ...abolição da memória; abolição da arqueologia: Dadá; ...respeitar todas as individualidades na sua loucura do momento; ...cuspir como cascata luminosa o pensamento grosseiro ou enamorado; ... Liberdade: Dadá, Dadá, Dadá, urro de cores comprimidas, emaranhado de contrários e de todas as contradições, de tudo o que é grotesco e inconseqüente: a VIDA.” (Tristan Tzara)

Em Nossos Clássico – Mario de Andrade e Mario de Andrade para a Nova Geração, Nelly Novaes Coelho.

SURREALISMO:

Fortemente influenciado pelas teorias psicanalíticas de Sigmund Freud (1856-1939), o surrealismo enfatiza o papel do inconsciente na atividade criativa. Seus representantes mais conhecidos são Max Ernst, René Magritte e Salvador Dalí no campo das artes plásticas, André Breton na literatura e Luis Buñuel no cinema.

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O Surrealismo destacou-se nas artes, principalmente por quadros, esculturas ou produções literárias que procuravam expressar o inconsciente dos artistas, tentando driblar as amarras do pensamento racional. Entre seus métodos de composição estão a escrita automática

http://pt.wikipedia.org/wiki/Manifesto_Surrealista"

Seguido do Dadaísmo (movimento que propunha a oposição por qualquer tipo de equilíbrio), o surrealismo impunha o chamado automatismo psíquico, "estado puro, mediante o qual se propunha transmitir verbalmente, por escrito, ou por qualquer outro meio o funcionamento do pensamento; ditado do pensamento, suspenso qualquer controle exercido pela razão, alheio a qualquer preocupação estética ou moral".

Segundo Andre Breton, ele e o escritor Soupault, deram o nome de Surrealismo ao novo modo de expressão que tinham a seu alcance, em homenagem a Guillaume Apollinaire.

Neste manifesto, os princípios surrealistas são declarados, tais como a isenção da lógica, a adoção de uma realidade superior, chamada "maravilhosa". (idem)

“A atitude realista é fruto da mediocridade, do ódio, e da presunção rasteira. É dela que nascem os livros que insultam a inteligência.”

A mania incurável de reduzir o desconhecido ao conhecido, ao classificável, só serve para entorpecer cérebros.

Hoje em dia, os métodos da Lógica só servem para resolver problemas secundários.

A extrema diferença de importância, que, aos olhos do observador ordinário, tem os acontecimentos de vigília e os do sono sempre me encheu de espanto. (...) Talvez o meu sonho da noite passada tenha dado prosseguimento ao da noite anterior e continue na próxima noite com rigor meritório.

Digamo-lo claramente de uma vez por todas: o maravilhoso é sempre belo; qualquer tipo de maravilhoso é belo, só o maravilhoso é belo. (...) Desde cedo as crianças são apartadas do maravilhoso, de modo que, quando crescem, já não possuem uma virgindade de espírito que lhes permita sentir extremo prazer na leitura de um conto infantil.

Oxalá chegue o dia em que a poesia decrete o fim do dinheiro e rompa sozinha o pão do céu na terra.

Em homenagem a Gullaume Apollinaire, Soulpault e eu demos o nome de SURREALISMO ao novo modo de expressão que tínhamos à nossa disposição e que estávamos ansiosos por pôr ao alcance de nossos amigos.

O surrealismo não permite aos que a ele se consagram, abandona-lo quando lhes apetece fazê-lo. Ele atua sobre a mente como os entorpecentes.

A mente que mergulha no surrealismo revive, com exaltação, a melhor parte de sua infância.

Imaginação querida, o que sobretudo amo em ti é não perdoares.

Só o que me exalta ainda é a única palavra: liberdade. Eu a considero apropriada para manter, indefinidamente, o velho fanatismo humano"

Segundo Manifesto

O segundo Manifesto do Surrealismo foi publicado pelo mesmo escritor (Andre Breton) em 1930, e tratava mais diretamente aos acontecimentos procedidos depois da publicação do primeiro manifesto, e do esclarecimento da posição política e dos princípios surrealistas. A cumplicidade com os comunistas, e a desconfiança destes e a possível traição que pode ter acontecido por parte de membros que se diziam adeptos do surrealismo, são assuntos tratados nos textos.

Citações:

"E como o vôo seguro de espírito depende do grau de resistência oposta a essa idéia, não é difícil compreender que o surrealismo não tenha hesitado em adotar a revolta absoluta, a insubmissão total, a sabotagem consoante às regras que de não espere nada e coisa alguma que não seja a violência.

Quem quer que fingisse adotar essa crença, sem verdadeiramente comungar neste desespero, não tardaria a ser visto como inimigo aos olhos dos que sabem.

Se pelo surrealismo rejeitamos a idéia de que só são possíveis as coisas que ‘existem’, se declaramos por um caminho que ‘existe’, chega-se àquilo que ‘não existia’; se não temos medo de insurgir-nos contra a Lógica; se não juramos que um ato executado em sonho é menos importante que um executado em estado de vigília; se não estamos certos de que um dia já não existirá o ‘tempo’ (...): COMO querem que manifestemos qualquer forma de carinho ou tolerância em relação a algum aparelho de conservação social, seja ele qual for?

Nós combatemos sob todas as formas, a indiferença poética, a distração artística, a pesquisa erudita, a especulação pura, e não queremos ter nada em comum com os economizadores de espírito.

Ainda que não restasse nenhum daqueles que mediram suas possibilidades de significação e sua fome de verdade, o surrealismo haveria de viver (...) Eu prometera a mim mesmo abandonar à sua triste sorte , certo numero de indivíduos.

Tive de defender o surrealismo da acusação de ser um movimento político anticomunista e contra-revolucionário

O surrealismo se considera indissoluvelmente ligado à marcha do pensamento marxista"

Obtido em " http://pt.wikipedia.org/wiki/Surrealismo

v. manifesto surrealista completo em

http://www.marxists.org/portugues/breton/1924/mes/surrealista.htm

*Achei curioso a ausência na bibliografia consultada, de alguma citação mais ampla do manifesto surrealista. Após recorrer à net vejo que talvez isto se deva pelo seu conteúdo com viés político mais explícito, face à época da edição do livro (1970) e o momento histórico que vivíamos no Brasil. Fazer Arte e neste caso – escrever e ensinar - era perigoso.

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Escolhi o seguinte texto de Mario de Andrade para um espelhamento ante os manifestos vanguardistas europeus.

PAISAGEM Nº 3

Chove?

Sorri uma garoa cor de cinza,

muito triste, como um tristemente longo...

A casa Kosmos não tem impermeáveis em liquidação...

Mas neste Largo do Arouche

posso abrir o meu guarda-chuva paradoxal,

este lírico plátano de rendas mar...

Ali em frente... – Mário, põe a máscara!

- Tens razão, minha loucura, tens razão.

O rei de Tule jogou a taça ao mar...

Os homens passam encharcados...

Os reflexos dos vultos curtos

mancham o petit-pavé...

As rolas da Normal

esvoaçam entre os dedos da garoa.

(E se pusesse um verso de Cristal

No De Profundis?...

De repente

um raio de sol arisco

risca o chuvisco ao meio.

Mario de Andrade, em Paulicéia Desvairada

03.11.09