Análise poética de Lágrimas Ocultas, Florbela Espanca.
Por Edinaldo Formiga

A Se me ponho a cismar em outras eras /ERAS
B Em que ri e cantei, em que era querida, /IDA
A Parece-me que foi noutras esferas, /ERAS
B Parece-me que foi numa outra vida... /IDA

B E a minha triste boca dolorida, /IDA
A Que dantes tinha o rir das primaveras, /VERAS
A Esbate as linhas graves e severas /VERAS
B E cai num abandono de esquecida! /IDA

C E fico, pensativa, olhando o vago... /AGO
C Toma a brandura plácida dum lago /AGO
D O meu rosto de monja de marfim... /IM

E E as lágrimas que choro, branca e calma, /ALMA
E Ninguém as vê brotar dentro da alma! /ALMA
D Ninguém as vê cair dentro de mim! /IM
 
 
O soneto Lágrimas Ocultas está no Livro das Mágoas. O poema fala de lágrimas derramadas de uma fonte que está no interior do ser. O poema traz uma dose de saudosismo e uma pizca de existencialismo. À medida que ele é composto se apresentam as facetas entre dois momentos: passado e presente, a busca do antigo viver e do livrar-se da saudade.
 
O poema apresenta em todas as estrofes rimas externas, pois estão posicionadas no final dos versos. Observamos que em todos os versos há a semelhança de consoantes e vogais, e as denominamos rimas consoantes.
 
A primeira estrofe leva o leitor a pensar no passado, em fatos passados e sentimentos vividos. O Eu lírico encontra-se numa posição presente, mas de repente ele volta à lembrança do passado (em cismar: pensar com insistência, implicar com algo, meter na cabeça). Ele torna a pensar em outros momentos, outra época, que foi constituída de bons momentos.
 
Na 1ª estrofe percebemos a lembrança que ele tem de tempos de alegria expressados nos verbos: rir, cantar e em era querida. O tempo passou tão depressa que fugiu à memória os detalhes dos acontecimentos em parece-me que foi, que nesse quarteto aparece em forma de paralelismo. A repetição dá o tom de incerteza, e essa inexatidão está presente nos dois quartetos que retratam momentos opostos: o tempo que era feliz, em querida, e o momento presente, agora esquecida, ambas as chaves temporais em rimas B.
 
A observação do passado que ele agora está recordando em sua mente a torna imóvel (pensativa), sem reação (vago...), somente ela se contenta com as lembranças comparativas desses dois distintos momentos. Em sua face não há nenhum sentimento avesso à volta do passado. O choro brota dentro da alma e flui de dentro do ser sorrateiramente. O choro não despeja torrentes de água, como fazem as cachoeiras, mas ele é expressado devagar e por um período contínuo. A dor, muitas vezes, faz-se presente em alguém e esse não se deixa parecer, mas ela está dentro da alma/calma sem ser exteriorizada. As lágrimas são escondidas de todos, disfarçadas de várias maneiras e de origem interna. Uma fonte de sentimentos que flui e se derrama, sem ser perceptível.
 
Para o Eu lírico, a alma é um lago calmo. É a fonte de lágrimas escondidas que só ele mesmo sabe. É a imagem do esquecimento, da incerteza existencial e da dor.
 
Quanto à distribuição das rimas no poema observamos: no 1º quarteto, rimas cruzadas A+B / A+B, revelando a alternância entre a posição de vida e o objeto de atenção passado. No 2º quarteto encontramos rimas interpoladas B+B eemparelhadas A+A, talvez a exposição dos dois momentos, passado/presente. Na terceira estrofe achamos as rimas emparelhadas C+C, expressando a calma na observação de si mesmo. Olhando para dentro de si calmamente, sem pressa em encontrar o motivo das lágrimas. Na última estrofe as rimas emparelhadas E+E, onde revela o motivo da volta ao passado e o objeto de toda a observação, sem pressa, de si. É nele que ela manifesta seu grito, sua vontade de sentir-se mais querida e a experiência do seu destino. Esta é a sensação de pessoa não vista exprimida pelo Eu lírico.
 
Quanto à categoria gramatical, na primeira estrofe, achamos rimas pobres em A+A,porque apresentam mesma categoria gramatical (SUBST. + SUBST.) e rimas ricas em B+B, porque apresentam categorias gramaticais distintas (LOC. VERBAL + SUBST.). E apresenta também quanto a identidade da vogal tônica, rimas pobres (ERAS+ERAS / IDA+IDA) .
 
No 2º quarteto aparece rimas pobres em B+B (ADJ. + ADJ.) e ricas em A+A (SUBST. + ADJ.), e quanto a identidade da vogal tônica, com rimas pobres em B+B (IDA/IDA) e rimas ricas em A+A (VERAS + VERAS).
 
Na 3ª estrofe temos rimas pobres emC+C, nos dois aspectos, tanto na categoria gramatical (SUBST. + SUBST.) quanto na identidade da vogal tônica (AGO+AGO).
 
Na 4ª estrofe observamos rimas ricas, quanto à categoria gramatical, por apresentar (ADJ. + SUBST.). E na identidade da vogal tônica rimas pobres, porque aparece tonicidade idêntica (ALMA+ALMA).
 
 
ANÁLISES POÉTICAS. Edinaldo Formiga. São Paulo: 28/01/10.
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Edinaldo Formiga
Enviado por Edinaldo Formiga em 29/01/2010
Reeditado em 30/01/2010
Código do texto: T2058233
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