Dísticos

O dístico está presente, principalmente, nas composições literárias. É comum em poemas com mote e glosa. Um exemplo desses arranjos pode ser visto no soneto shakespeariano (especificamente nos dois últimos versos), apresentado a seguir:

Soneto2

Dos raros, desejamos descendência,

Que assim não finde a rosa da beleza,

E morto o mais maduro, sua essência

Fique no herdeiro, por inteiro acesa.

Mas tu, que só ao teu olhar te alias,

Em flama própria ao fogo te consomes

Criando a fome onde fartura havia,

Rival preservo de teu próprio nome.

Tu que és do mundo o mais fino ornamento

E a primavera vens anunciar,

Eternas em botão teus suprimentos:

Doce avareza, estróina em se poupar,

Doa-te ao mundo ou come com fartura

O que lhe deves, tu e a sepultura.

Tradução de Jorge Wanderley

É importante notar que o soneto shakespeariano não apresenta a forma dos sonetos de Petrarca, que consiste nas catorze linhas divididas em duas estrofes: uma oitava com o posicionamentos das rimas abbaabba e um sexteto com o posicionamento variável das rimas, que nunca termina com um par de versos como no soneto de Shakespeare.

Para ilustração segue um soneto de Petrarca na sua forma clássica. Neste caso, não existe o dístico.

Soneto XXII

Se amor não é qual é este sentimento?

Mas se é amor, por Deus, que cousa é a tal?

Se boa por que tem ação mortal?

Se má por que é tão doce o seu tormento?

Se eu ardo por querer por que o lamento?

Se sem querer o lamentar que val?

Ó viva morte, ó deleitoso mal,

Tanto podes sem meu consentimento.

E se eu consito sem razão pranteio.

A tão contrário vento em frágil barca,

Eu vou para o alto mar e sem governo.

É tão grave de error (1), de ciência é parca

Que eu mesmo não sei bem o que eu anseio

E tremo em pleno estio e ardo no inverno.

(1) N. T.: Alude à barca

Tradução de Jamil Almansur Haddad

Chamam também de dísticos, as frases que lemos nas traseiras de caminhões.

Por exemplo:

“pior do que não ter o que vestir,

é não ter alguém para te despir...”

Minha proposta é que escrevamos Dísticos com título e que eles tenham vida própria, que não sejam apenas motes de outros poemas ou versos dispersos nas traseiras dos caminhões para que não passem despercebidos pelos leitores menos atentos.

Alguns exemplos da minha idéia:

- Matadouro

é na carne

que o boi sente o peso da faca

- Jangada

é na força do vento

que o barco ganha vida

- Alcoólatra

na beira do abismo

o bêbado faz o sinal da cruz

- Raízes

é na cicatriz

que a dor aflora

- Sussurro

é no silêncio

que gritamos com força

- Construção

é na dor

que as palavras ganham vida

- Amanhecer

O sol derrama, na calçada,

A sua bela, matinal urinada!

Mario Quintana

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 07/06/2010
Reeditado em 24/10/2012
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