Conceptismo, Gongorismo e demais características barrocas

Labirinto e Rebuscamento

Fundamentada no dualismo entre os valores antropocêntricos do Classicismo e os valores teocêntricos medievais que a Contra-Reforma tentou resgatar, a Literatura Barroca expressa a angústia do homem dividido entre a efemeridade do mundo material e a incerteza do mundo espiritual, fruto do conflito característico de sua época. Essa desarmonia, esse desequilíbrio, vaza num estilo exagerado, cheio de contrastes entre os ideais materialistas e os espiritualistas: Teocentrismo x antropocentrismo, desejo x castidade, Igreja x pensamento renascentista, salvação x pecado, céu x inferno, espírito x carne, fé x razão são alguns dos conflitos básicos trabalhados por essa estética.

O homem está perdido no labirinto da duvida, cercado pelo terror católico, que prefere antes constrangê-lo a crer pela força despótica, a efetivamente convertê-lo pela argumentação. Todo o racionalismo renascentista não lhe deu respostas às questões filosóficas básicas: o que faz ele no universo, a que veio, para onde irá, por que a beleza e o prazer são transitórios? Esse dilema existencial encontra uma saída provisória na máxima carpe diem, ou seja, colher o dia, viver intensamente, já que a morte é certa.

Atormentado por este conflito, o homem produz textos literários com características bastante nítidas. Dentre elas, observa-se, no texto barroco, a presença de duas vertentes dominantes:

• Conceptismo ou Conceitismo (ou Quevedismo, em função de Francisco Gomez Quevedo y Villegas, escritor seiscentista espanhol, que cultivou esse estilo).

O conceptismo, vertente literária do estilo barroco surgida em meados do século XVII na Espanha, valoriza o conteúdo do texto num intuito persuasivo, através de jogos de idéias os quais seguem um raciocínio lógico que se propõe evidente. Também se verifica o uso da argumentação com base antitética ou paradoxal, com apelo racional, aproximando-se, assim, da dissertação. É freqüente o uso de comparações explícitas, analogias e até parábola (uso de símbolos e seres inanimados para se contar uma estória de forma a melhor captar o entendimento do leitor). Muitas vezes são buscadas respostas para um fenômeno que antes eram atribuídos à obra de Deus. Veja este trecho do poema “Ao braço do mesmo menino Jesus quando appareceo”, de Gregório de Matos, onde se busca a compreensão de um fato.

“O todo sem a parte não é todo,

A parte sem o todo não é parte,

Mas se a parte o faz todo, sendo parte,

Não se diga, que é parte, sendo todo.”

Para compreender a relação entre a “parte” e o “todo”, o eu-lírico lança mão de um raciocínio interessante: para o “todo” ser todo, unidade, não lhe pode faltar nada (a parte), do mesmo modo que a “parte”, isolada, não é parte do “todo”, mas o próprio “todo”. Entretanto, se o todo é formado pela “parte” (ou pelas partes), conclui-se que a “parte” é “todo”, pois o constitui. A este pensamento conceptista, em que uma dedução é extraída de duas ou mais premissas, dá-se o nome de Silogismo. Percebe, em outro poema gregoriano, o uso deste recurso:

A Christo S. N. crucificado estando o poeta na última hora de sua vida

“(...)

Mui grande é vosso amor, e meu delito,

Porém pode ter fim todo o pecar,

E não o vosso amor, que é infinito.

Esta razão me obriga a confiar,

Que por mais que pequei, neste conflito

Espero em vosso amor de me salvar.”

Nos dois tercetos cima, afirma-se a premissa de que o amor infinito de Deus é capaz de salvar o pecador de seu pecado (primeiro terceto). Em seguida, o eu-lírico afirma que é um pecador (“Que por mais que pequei, neste conflito”) . Dessa forma, ele espera ser salvo pelo amor de Deus (“Espero em vosso amor de me salvar”).

O Conceptismo, no Brasil, tem um grande expoente no barroco da língua portuguesa: o padre luso-brasileiro Antônio Vieira, famoso pelos seus sermões. Um exemplo de seu pensamento conceptista está no trecho de um de seus sermões, conhecido como Sermão de Santo Antônio aos peixes. Observe:

“Quis Cristo que o preço da sepultura dos peregrinos fosse o esmalte das armas dos portugueses, para que entendêssemos que o brasão de nascer portugueses era a obrigação de morrer peregrinos: com as armas nos obrigou Cristo a peregrinar, e com a sepultura nos empenhou a morrer. Mas se nos deu o brasão que nos havia de levar da pátria, também nos deu a terra que nos havia de cobrir fora dela. Nascer pequeno e morrer grande é chegar a ser homem. Por isso nos deu Deus tão pouca terra para o nascimento e tantas para a sepultura. Para nascer, pouca terra; para morrer, toda a terra; para nascer, Portugal; para morrer, o mundo.”

Neste texto, Vieira procura justificar o expansionismo português com as Grandes Navegações e consolar os exilados no Brasil das saudades de sua terra natal. Ser peregrino é a missão que Deus, segundo ele, deu aos portugueses. Para comprovar esta afirmação, Vieira usa dois argumentos: Deus deu pouca terra aos portugueses para nascerem, numa alusão à pequena extensão do país, mas deu muitas terras onde morrerem, numa referência às várias colônias de Portugal em três continentes (América, África e Ásia). Portanto, como dádivas divinas, as colônias para onde migram os portugueses devem ser recebidas e habitadas com alegria. A intenção de Vieira é fazer com que os colonos encarem a vida longe de Portugal com a alegria austera dos cristãos que suportam todos os fardos para remir os pecados e alcançar a salvação.

• Cultismo ou Culteranismo (ou Gongorismo , em função de Luís de Gôngora, poeta espanhol precursor desse estilo).

O Cultismo manifesta a valorização da forma e da imagem construídas no texto, através de jogos de palavras (abuso no uso de metáforas, metonímias, hipérboles, antíteses, paradoxos e comparações), além da adjetivação. Este jogo de palavras alude a uma brincadeira com os sentidos que são construídos ao longo do texto (apelo sensorial). É o jogo de palavras; é o rebuscamento da forma, é a obsessão pela linguagem culta, erudita, por meio de inversão da frase (hipérbato), do uso de palavras difíceis. O Cultismo aproxima-se da descrição. É muito difícil um texto ser exclusivamente cultista, em geral ele se mescla com o Conceptismo. No Brasil, temos como principal representante cultista o poeta Gregório de Matos.

Neste seu poema, é possível identificar o turbilhão de sensações que perpassam a voz poética:

Soneto VI

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,

Depois da Luz se segue a noite escura,

Em tristes sombras morre a formosura,

Em contínuas tristezas a alegria.

Porém se acaba o Sol, por que nascia?

Se formosa a Luz é, por que não dura?

Como a beleza assim se transfigura?

Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,

Na formosura não se dê constância,

E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,

E tem qualquer dos bens por natureza

A firmeza somente na inconstância.

É nítida, no texto de Gregório, a capacidade de transmissão ao seu ouvinte do sentimento angustiante que assola o eu-lírico, feita mediante a mistura confusa dos sentidos das palavras, da incompreensão, do questionamento do mundo. O “nascer” e o “questionamento” desta ação, a “constância” que se revela “inconstante”, e a “firmeza” que tem como característica ser “inconstante” (e por isso não ser firme) revelam uma dificuldade em compreender e aceitar a realidade tal qual ela é.

O uso excessivo das figuras de linguagem é uma vertente muito marcante no Cultismo. Entre elas, destacam-se:

* Metáforas: comparações de ordem subjetiva, em que um termo adquire o sentido de outro por afinidade de característica. Ex.: Seus dois sóis me contemplavam. Sóis por olhos, a característica que os aproxima é o brilho intenso.

* Antíteses: oposição entre duas ideias, expressas por palavras de sentidos contrários. Ex.: E na alegria sinta-se tristeza. (Gregório de Matos)

* Paradoxos: oposição de ideias que leva a um contra-senso, um absurdo. Ex.: Amor é fogo que arde sem se ver/ é ferida que dói e não se sente. (Luís de Camões)

* Oximoros: conflito de ideias que leva a um contra-senso, mas formado pela oposição entre um substantivo e um adjetivo, ou entre um advérbio e um adjetivo, Ex.: (O amor) é um contentamento descontente. (Luís de Camões)

* Hipérboles: expressão exagerada de uma ideia. Ex.: [...] não bastam nem cem nem mil pequenos para um só grande. (Padre Antônio Vieira)

* Hipérbatos: as palavras apresentam uma ordem considerada natural dentro de uma oração: sujeito + verbo + objeto + complemento. Quando ocorre inversão dessa ordem, existe um hipérbato. Ex.: Ontem, a amar-vos me dispus. – “Dispus-me a amar-vos ontem” (Gregório de Matos)

Como demais características literárias barrocas, figuram as seguintes:

* Culto do contraste: consequência da dualidade na maneira de ver o mundo e interpretar as coisas, o Barroco tende a aproximar os opostos, destacando o contraste, ao mesmo tempo em que tenta conciliar os extremos como carne/espírito, pecado/perdão, juventude/velhice, céu/terra, erotismo/espiritualidade, visíveis nas diversas formas de manifestação artística.

À mesma D. Ângela

Anjo no nome, Angélica na cara!

Isso é ser flor e Anjo juntamente:

Ser Angélica flor e Anjo florente,

Em quem, senão em vós, se uniformara:

Quem vira uma tal flor, que a não cortara

De verde pé, da rama florescente;

E quem um Anjo vira tão luzente;

Que por seu Deus, o não idolatrara?

Se, pois como Anjo sois dos meus altares,

Fôreis o meu Custódi,o e a minha guarda,

Livrara eu de diabólicos azares.

Mas vejo, que por bela, e por galharda,

Posto que os Anjos nunca dão pesares,

Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.

Este soneto, de Gregório de Matos, possui caráter cultista, ao trabalhar com jogo de palavras que constituem imagens: Ângela = Angélica: Anjo, flor: florente. A contradição dos sentimentos do eu lírico pela mulher amada povoa todo o soneto. A dama é , ao mesmo tempo, flor (metáfora da beleza) e objeto de desejo, e anjo (metáfora de pureza) e símbolo da elevação espiritual. O poema celebra a tensão entre a imagem feminina angelical e a tentação da carne que atormenta o espírito. Nele, vê-se uma mulher aparentemente angelical que, ao fim, revela-se fonte de perdição individual para o eu lírico, consumido pelo amor que a ela devota. O conflito entre amar e querer atinge seu ápice no paradoxo do verso final: “Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.”

* Conflito entre o “eu” e o mundo: trata-se, na verdade, da recuperação de uma tendência já observada nas obras de alguns mestres do Renascimento, como Camões. Incapaz de compreender a ordem das coisas do mundo em que vive, o artista se vê dividido entre a razão e a fé. Essa característica é bem visível neste soneto de Gregório de Matos.

Ao mesmo assunto e na mesma ocasião

Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado

Da vossa piedade me despido,:

Porque quanto mais tenho delinqüido,

Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto um pecado,

A abrandar-vos sobeja um só gemido:

Que a mesma culpa que vos há ofendido,

Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e já cobrada

Glória tal e prazer tão repentino

Vos deu, como afirmais na Sacra História:

Eu sou, Senhor, ovelha desgarrada;

Cobrai-me; e não queirais, Pastor Divino,

Perder na vossa ovelha a vossa glória.

No soneto acima, o pensamento medieval cristão reaparece, onde o equilíbrio do homem se transforma em conflito permanente, representado pelo jogo de oposições e contrastes: “Porque quanto mais tenho delinqüido,/Vos tenho a perdoar mais empenhado.”. O homem se debate num conflito oriundo do duelo entre o espírito cristão e o espírito secular, que tenta conciliar o sagrado e o profano, o que, no fim, torna-o dividido em seu estado de alma: “Glória tal e prazer tão repentino”.

* Pessimismo: reflexo dessa existência conflituosa, o traço pessimista é marca fundamental em muitos textos e manifestações artísticas o Barroco. Aparentemente há a depreciação da vida terrena, vista como triste, decepcionante e cheia de sofrimento, em oposição à glorificação da vida celestial, luminosa e tranquila.

Aos Missionários, em ocasião que corriam a Via Sacra

Via de prefeição é a Sacra Via,

Via do Céu, caminho da verdade;

Mas ir ao Céu com tal publicidade

Mais que à virtude o boto à hipocrisia.

O ódio é d’alma infame companhia,

A paz deixou-a Deus à Cristandade;

Mas arrastar por força uma vontade,

Em vez de caridade é tirania.

O dar pregões no púlpito é indecência:

[“]Qué de fulano?[“] e [“]Venha aqui sicrano![“],

Porque pecado e pecador se veja;

É próprio de um porteiro d’audiência;

E se nisto mal digo ou mal me engano,

Eu me submeto à Santa Madre Igreja.

O pessimismo que aflora no texto nasce, justamente, desse conflito entre eu e o mundo, que leva o eu lírico ou confrontamento do homem, santo e pecador (“Porque pecado e pecador se veja”). O poeta ainda reitera a ideia de que a vida humana é desprezível e repugnante, onde “O ódio é d’alma infame companhia,” e “A paz deixou-a Deus à Cristandade”, sendo hipocrisia e “indecência”, neste mundo, “O dar pregões no púlpito”. Em face disso, o único lugar de perfeição e tranquilidade espiritual “[...] é a Sacra Via,/Via do Céu, caminho da verdade”.

* Fusionismo: fusão das antagônicas visões medieval e renascentista, traduzida, na pintura, pela mistura entre luz e sombra (chiaroscuro: claro-escuro); na música, pela fusão de sons; na literatura,pela associação entre o racional e o irracional, entre a razão e a fé. O homem busca unir-se à imagem divina. Mais uma vez, recorre-se ao mestre Gregório de Matos.

Continua o poeta com este admiravel a quarta feyra de cinzas.

Que és terra, homem, e em terra hás de tornar-te,

Te lembra hoje Deus por sua Igreja;

De pó te faz espelho em que se veja

A vil matéria de que quis formar-te.

Lembra-te Deus que és pó para humilhar-te,

E como o teu baixel sempre fraqueja

Nos mares da vaidade onde peleja,

Te põe à vista a terra onde salvar-te.

Alerta, alerta, pois que o vento berra,

E se assopra a vaidade e incha o pano,

Na proa a terra tens, amaina e ferra.

Todo o lenho mortal, baixel humano,

Se busca a salvação, tome hoje terra,

Que a terra de hoje é porto soberano.

Pode-se constatar a fusão do humano com o divino, do terreno com o celeste. Logo no primeiro verso, é possível verificar esta união (“Que és terra, homem, e em terra hás de tornar-te,”). Trata-se de uma intertextualidade bíblica, do livro de Eclesiastes, que reforça a ideia de aliança entre céu e terra: o homem é terra, pó, moldado pelas mãos divinas, e a ela voltará, como forma de se fundir ao que era antes, matéria, para sei livramento (“Todo o lenho mortal, baixel humano,/Se busca a salvação, tome hoje terra,/Que a terra de hoje é porto soberano.”).

* Feísmo: decorrência da perspectiva pessimista enfatizada por muitos autores, é frequente, na obra dos artistas barrocos, a exploração da miséria da condição humana, referida por aspectos cruéis, dolorosos e muitas vezes repugnantes. Observe o poema de Gregório de Matos e a tela de Jusepe Ribera.

A Cristo Senhor Nosso crucificado, estando o Poeta na última hora da sua vida

Meu Deus, que estais pendente em um madeiro,

Em cuja Lei protesto de viver,

Em cuja Santa Lei hei de morrer,

Animoso, constante, firme e inteiro.

Neste lance, por ser o derradeiro,

Pois vejo a minha vida anoitecer,

É, meu Jesus, a hora de se ver

A brandura de um Pai, manso cordeiro.

Mui grande é vosso amor e meu delito;

Porém pode ter fim todo o pecar,

E não o vosso amor, que é infinito.

Essa razão me obriga a confiar

Que por mais que pequei neste conflito,

Espero em vosso amor de me salvar.

O eremita, de Jusepe Ribera, 1640. Óleo sobre tela. Museu do Prado, Madri.

Note que tanto o poema quanto a tela retratam aspectos cruéis e dolorosos da vida humana. No soneto, vemos o eu lírico à beira da morte, agonizando seu ultimo suspiro, enquanto fixa olhar no Cristo crucificado, “pendente em um madeiro”, a verter sangue e dor. O quadro de Jusepe destaca a decadência humana trazida pela passagem do tempo. Nessa obra, vemos São Paulo no fim de sua vida. Observe sua pele flácida, corpo fragilizado, desnudo (apenas um trapo lhe cobre a cintura), estático numa caverna escuro, as mãos sobrepostas, como em posição de defunto. O crânio que ele contempla é uma metáfora da mortalidade humana. A luz que lhe incide alude ao momento finito de sua existência, quando sua alma elevar-se-á, iluminada, aos céus.

* Rebuscamento linguístico: linguagem trabalhada, repleta de recursos imagéticos e de figuras, na tentativa de emprestar à literatura a riqueza visual da pintura e da escultura. Destacam-se as antíteses, como expressão de um mundo contraditório, e os hipérbatos, inversões linguísticas que valorizam o torneado frasal. Há, ainda, o uso freqüente de frases interrogativas, repetições, paralelismo e expressões eruditas. Esses recursos estilísticos são trabalhados em dois poemas de Gregório de Matos:

Buscando a Cristo

A vós correndo vou, braços sagrados,

Nessa cruz sacrossanta descobertos

Que, para receber-me, estais abertos,

E, por não castigar-me, estais cravados.

A vós, divinos olhos, eclipsados

De tanto sangue e lágrimas abertos,

Pois, para perdoar-me, estais despertos,

E, por não condenar-me, estais fechados.

A vós, pregados pés, por não deixar-me,

A vós, sangue vertido, para ungir-me,

A vós, cabeça baixa, p'ra chamar-me

A vós, lado patente, quero unir-me,

A vós, cravos preciosos, quero atar-me,

Para ficar unido, atado e firme.

A Nosso Senhor Jesus Cristo com atos de arrependido e suspiros de amor

Ofendi-vos, Meu Deus, bem é verdade,

É verdade, meu Deus, que hei delinqüido,

Delinqüido vos tenho, e ofendido,

Ofendido vos tem minha maldade.

Maldade, que encaminha à vaidade,

Vaidade, que todo me há vencido;

Vencido quero ver-me, e arrependido,

Arrependido a tanta enormidade.

Arrependido estou de coração,

De coração vos busco, dai-me os braços,

Abraços, que me rendem vossa luz.

Luz, que claro me mostra a salvação,

A salvação pretendo em tais abraços,

Misericórdia, Amor, Jesus, Jesus.

No soneto “Buscando a Cristo”, nota-se o paralelismo, pela repetição de “A vós”, no decorrer das estrofes, assim como na repetição da estrutura sintática dos versos (A vós + vocativo + por...). No outro soneto, o último termo dos versos é repetido no verso seguinte (Ofendi-vos, Meu Deus, bem é verdade,/É verdade, meu Deus, que hei delinqüido,/Delinqüido vos tenho, e ofendido,/Ofendido vos tem minha maldade.), numa relação constante de causa-efeito: o primeiro verso provoca o segundo e este, sendo resultado daquele, é causa do verso que o segue. É esta reiteração de ideias que dá uniformidade ao poema, no sentido de torná-lo circular, amarrado a sua temática.

* Transitoriedade da vida: por ser curta, a vida não permite que o homem a viva intensamente, como seria seu desejo. E o homem tem consciência dessa brevidade. Por isso, buscava aproveitar ao máxima a vida enquanto havia tempo (Carpe Diem) como forma de salvação. Por outro lado, viver intensamente a vida era sinal de pecado, e pecando, não se atinge a salvação.

Poesia Sacra: “A Jesus Cristo Nosso Senhor”

Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,

Da vossa alta clemência me despido;

Porque, quanto mais tenho delinqüido,

Vós tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto pecado,

A abrandar-vos sobeja um só gemido:

Que a mesma culpa, que vos há ofendido,

Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e já cobrada

Glória tal e prazer tão repentino

Vos deu, como afirmais na Sacra História,

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,

Cobrai-a; e não queirais, Pastor Divino,

Perder na vossa ovelha a vossa glória.

No soneto, a ânsia por querer aproveitar o momento, carpe diem, faz-se latente. A efemeridade do tempo torna o homem dividido entre o mundo material e o mundo espiritual. Existe a angústia causada pelo desejo de aproveitara vida e a necessidade de salvação divina, concentrada na antítese que enfoca o perdão e o pecado (“Porque, quanto mais tenho delinqüido,/Vós tenho a perdoar mais empenhado.”).

Saulo Sozza
Enviado por Saulo Sozza em 25/08/2010
Reeditado em 11/11/2013
Código do texto: T2459522
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