A Luta

Embora colocado em “teoria literária”, este conto é recheado de humor. É, também, um jogo. Descubram os autores. Divirtam-se.

A LUTA

Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Inocência, a que passava toda A Tarde na Doce Ilusão de que Eurico, o herói sem nenhum caráter, voltaria. Mal sabia ela que dois jovens a disputavam: O Gigante Adamastor e Peri, o Moço Loiro.

O pai de Inocência, Fabiano, e sua mãe, Inês de Castro, tinham resolvido dar uma grande festa na Ilha dos Amores, para que a filha se alegrasse. A ilha ficava numa grande curva do rio Paquequer, depois de passados Os Sertões, A Cidade e as Serras.

No dia marcado lá estavam todos. Cirino e Ceci, recém casados que já esperavam o seu bebe: se fosse menino seria Alencar, se menina Hermengarda. As línguas maliciosas, porém, comentavam que o filho não era de Cirino e sim de um tal de Camões, jovem músico de futuro, que já tinha encantado os ouvidos do rei com célebre modinha “Ultima Flor do Lácio, etc, etc” Esses comentários foram espalhados porque durante a lua-de-mel alguém ouvira Cirino falar diversas vezes: ai, que preguiça!

Também lá estavam os escritores Castro Alves, autor de poemas contra a escravidão branca dos nordestinos e o meloso visconde de Taunay, que só era visconde porque se fizera pagem de Marília de Dirceu, a favorita de Olac Bilavo, este, por sua vez, o favorito do rei.

Depois de fartarem-se com frugais refeições (ah Alencar!) a Rosa Barbui quis fazer uma Oração aos Moços mas Graciliamos Rano começou a rezar o Sermão da Sexagésima. Estavam quase a dormir com a pregação quando a Rita Baiana levantou-se e principiou a dançar e cantar versos indecentes (não era para menos, ela provinha do Cortiço chamado Os Lusíadas, onde gozava a fama de ilustre cortesã, tendo ela mesma desencaminhado Dom Casmurro, o Presbítero).

Todos começaram a dançar, mas quando Inocência deu os primeiros passos com Peri (Eurico não tinha chegado) ouviu-se um urro do Gigante Adamastor que agarrou uma Tromba Marinha e avançou contra o rival. Este nem tremeu porque o sertanejo é antes de tudo um forte. Manejando habilmente um Machado de Assis avançou contra o gigante. As donzelas gritaram ó e os donzéis as apertaram com força contra o peito. Abriu-se um circulo e os dois combatentes se mediam, como que espumando de ódio.

O Tempo e o Vento se passavam, até que Euclides da Cunha, um jornalista frustrado, pegou rápido um microfone e começou: “Senhoras e senhores, caríssimos ouvintes, passo a tecer comentários sobre esta peleja extraordinária, descomunal, gigantesca, sublime, divina, épica, dramática e ao mesmo tempo lírica, renascentista, barroca, arcádica, romântica e realista, que tenho a ventura de presenciar, aliás, se os senhores pudessem, como eu, ver essas imagens simbolistas e se fossem em cores e em terceira dimensão, ai! O gigante amassou o meu dedão, mas como eu lhes dizia, prezadíssimos ouvintes, vou dividir esta impressionante contenda para facilitar a compreensão de vossas senhorias: A Terra, O Homem e a Luta. Porque a terra é de tal modo graciosa que querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo e não se compreende porque o governo nada faz e continuam medrando aqui apenas estas Vidas Secas e patati patatá...

O jornalista continuou e os rivais se batendo e as donzelas dizendo ós e os donzéis a apertar até que, quê que é isso minha gente, o Gigante caiu morto (o Machado era conciso e sutil). As donzelas gritarem em coro:

- Deus, senhor Deus dos desgraçados...

Com a emoção crescente, os donzéis as apertaram tanto que se ouviu um craque maior que o da Bolsa de Nova Yorque em 29. No fim da festa alguém me falou de quinhentas e sessenta costelas partidas (ponto de vista – autor personagem observador).

Inocência viu que Peri chorava, talvez de terror porque estivera para morrer e clamou para que todos ouvissem:

- Tu choraste em presença da morte? Em presença de estranhos choraste?

E desistiu dele com um exagerado suspiro romântico e voltando a pensar no Eurico.

Eis que surge num Navio Negreiro Macunaíma, vestido de Cavaleiro Negro e a inocente Inocência acreditou que era o seu amico Eurado, quer dizer, o seu amaco Eurigo, isto é, o seu amigo amado Eurico. Todos estavam dispostos a fazer ali mesmo o casamento (Macunaíma, de esperteza, levara consigo o Padre Vieira) quando apareceu a Baleia, notável personagem da literatura medieval e engoliu a Ilha dos Amores e tudo o mais e se foi feliz da vida rio abaixo, ganhou o oceano.... e sumiu-se no horizonte.

**************************

Samuel Medeiros
Enviado por Samuel Medeiros em 28/12/2006
Código do texto: T330602