Análise literária: Dom Casmurro, de Machado de Assis

Eis a história: dois meninos, criados juntos, pois as famílias eram vizinhas e as casas se comunicavam pelo quintal, crescem e se casam, a despeito de certa resistência da parte da família do jovem, por preconceito de classe e pelo desejo da mãe, que fizera uma promessa de que ele seria padre, mas o casamento se realizou, graças a um plano da menina, já revelando então ser bastante astuta e calculista, conforme a caracterização de um personagem, numa comparação que ficou famosa. "Olhos de cigana oblíqua e dissimulada".

Casaram-se, portanto, por amor, pela vontade de ambos, pelo impulso da vida, que colocou um na senda do outro, com a força das decisões inelutáveis do destino.

Tiveram um filho. Sua existência passou tranquila dentro do esquema pequeno-burguês, assegurando o meio de vida por uma situação financeira folgada.

Bento Santiago, o Bentinho, tinha um colega dos tempos do Seminário, Escobar, que se tornou seu amigo íntimo, tendo-se casado com uma companheira de Capitu, os quatro formando dois pares ideais.

Um dia morre Escobar afogado na baía do Flamengo, e uma lágrima e um olhar de Capitu diante do cadáver do amigo despertam em Bentinho a suspeita sobre as relações da sua mulher com o seu amigo, mas daí por diante, não mais descansa, a desconfiança crescendo dia a dia, ainda agravada pela semelhança física do filho com o velho amigo. Sua idéia fixa venda-lhe o raciocínio, torna-o sombrio, em constantes desavenças com a mulher, até que se separam.

O enredo é, destarte simples.

O tema é tão velho quanto a literatura: o adultério.

A história é contada em primeira pessoa, por um dos personagens principais Dom Casmurro, que é o Bentinho, não sendo ele o protagonista, embora seja um personagem principal, que é também o narrador.

O protagonista, ou a personagem principal é Capitu, ficando Bentinho como um protagonista secundário, ao lado dos vários personagens secundários e do antagonista Escobar.

A consequência imediata dessa técnica narrativa é a ambiguidade existente na obra acerca do ponto crucial da história.

Capitu teve ou não culpa, foi ou não adúltera, como a acusa Bentinho, com a fuga, a ironia e a distância que a caracterizam o seu relato.

Como julgá-la, se falta ao processo o outro lado da história, aquele da perspectiva da personagem-protagonista?

Julgamento singular esse a que somos obrigados pelo autor, o de alguém que não tem o direito de defender-se por completo, com provas cabais.

Uma meia defesa ela a fez, na cena do capítulo 138.

- Pois até os defuntos! Nem os mortos escapam aos seus ciúmes?

- Sei a razão disto; é a casualidade da semelhança...A vontade de Deus explicará tudo...Ri-se? É natural; apesar do Seminário, não acredita em Deus; eu creio...Mas não falemos nisto; não nos fica bem dizer mais nada.

Roseli Princhatti
Enviado por Roseli Princhatti em 17/01/2012
Código do texto: T3445815
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