Uma poética da nostalgia – Notas sobre a temática do exílio na obra de Camilo Pessanha

Camilo Pessanha tinha 26 anos quando viajou a Macau, tendo sido admitido por concurso para trabalhar no Liceu da cidade, uma possessão portuguesa na China. Muito jovem, portanto, teve que deixar Portugal, sua terra, e, mais especificamente, o lar, onde a família permanecera. O trecho da carta escrita em 30 de abril de 1894 para Alberto Osório de Castro, fala do sentimento de saudade, do sentimento de distanciamento, da percepção do afastamento das coisa mais significativas para o poeta: a terra natal, o lar, a mãe. O poeta afirma estar se sentindo incompleto, e usa a metáfora do grumo, o coágulo de sangue que vai se desfazendo no caminho. É uma perda no tempo e no espaço. Á medida que o poeta se afasta fisicamente da pátria, ele sente seus bens mais preciosos ficarem perdidos no passado. E a memória, incapaz de reter a plenitude das experiências vividas de quando em Portugal, transforma-se num motivo de dor, pela perda e distanciamento da substância de que se formam os sentimentos do poeta. E como o poeta se sente perdendo, por uma espécie de desfazimento gradual, a referência de tudo o que lhe importa e é valoroso enquanto experiência afetiva e emocional, ele revela um desejo ávaro de reter, acumular os símbolos que remetem ao seu lar e à pátria. E tem consciência do erro cometido, qual seja, deixar a pátria para trás, sair de seu solo natal, desenraizar-se dele, para perder para sempre o contato orgânico e simbólico com o chão físico e espiritual de seu lar, seja esse lar entendido como a pátria seja como a casa materna.

Outro momento, porém, marca a mudança de sentimento do poeta, verificada em uma outra carta enviada para Alberto Osório. Contrariamente à primeira, quando revela sua tristeza pelo sentimento de perda em função de estar distante do lar, Camilo Pessanha nessa carta adota o tom do otimismo pela reconstrução do tempo e do espaço, perspectivamente perdidos no primeiro momento. Agora era a vez do retorno, do caminho de volta, sob a sensação do acrescentamento e não de decréscimo, de perda. O poeta voltou à terra natal, e lá reencontrou a alegria de viver, a energia vital que lhe havia sido subtraída no/e durante o percurso anterior. E há nesse retorno um sentido mítico, quando se compara a trajetória de Camilo à de Anteu, o gigante filho de Géia (Terra) e Posidon (Netuno). Anteu extraía do contato com a mãe Terra sua energia vital. Longe dela, morreria. Assim também Pessanha sente-se como que reencontrando a vida ao retornar à pátria. Um e outro sentido de terra, o chão físico de Anteu e o solo português de Pessanha, guardam sua especificidade e abrangência, e se aproximam apenas no tocante ao fato de serem a fonte primária do sentido da vida para um e outro que da terra-mãe dependesse vitalmente. Porém, Pessanha tem consciência de que não pode sentir-se plenamente e definitivamente enraizado à terra natal. Sabe que deverá voltar novamente ao exílio. Por isso não assume a condição de sentir-se revigorado se tão somente deitar raízes definitivas no solo português, numa espécie de vegetalização.

Numa ramificação do tema do exílio em Camilo Pessanha, há que se destacar o relevo imposto pelo poeta à figura de Camões alçando-o à condição de um poeta que soube, a despeito de estar afastado da pátria, guardar na mente, e por isso mesmo ser motivo de exaltação em sua obra, a grandeza dos feitos portugueses, as glórias da terra ibérica.

Em um discurso proferido a 10 de junho de 1924, em Macau, Pessanha fala da importância desse lugar na biografia de Camões, traçando um paralelo entre os períodos históricos em que ambos viveram no exílio e entre sua própria condição de poetas exilados. Nesse discurso, Pessanha afirma que a inspiração poética é, entre outras coisas, “educada desde a infância e com profundas raízes, no húmus do solo natal”. Ou seja, a inspiração é educada no sentido de ter, como base, aquilo que o poeta absorveu da pátria, do solo natal, em sua formação. Nesses termos, o poeta quando fala não dá expressão a sua consciência individual senão àquela de todo o seu povo, à voz da coletividade de cujos sentimentos se alimenta aquele que fala. Por isso Camões é exaltado como herói português por Camilo, tendo em vista que, se é pertinente o que diz Pessanha, segundo quem a inspiração poética se submete à consciência de uma ligação orgânica com a terra natal, com o húmus local, e que a alma portuguesa somente consegue ter atividade imaginativa quando e se em contato físico ou evocativo com a pátria, então Camões parece ter vencido essa condição, pois conseguiu manter nítidas em sua poesia as imagens da pátria distante no exílio de cinco séculos atrás em Macau, onde o ambiente era bastante distinto da terra portuguesa, diferentemente daquele vivido por Camilo nos dias de seu exílio.

Quem sabe Camões tenha conseguido se manter fiel à memória de sua pátria porque viveu o apogeu do povo português, e a seiva de que se alimentava era de quantidade e qualidade superior em relação aos dias de Camilo, que testemunhavam uma nação decadente, vivendo das glórias do passado. Por isso a avareza de Camilo em querer guardar a todo o custo as lembranças da pátria, pois não era tão robusto o alimento de que sua alma se nutria. De qualquer modo, Camilo tinha uma consciência de perda, evoluída à condição de languidez, de desejo ávido e profundo de reencontro com a terra deixada para trás. Camilo não poderia cantar os hinos portugueses em terra estranha, assim como os hebreus no exílio não poderiam cantar seus hinos sagradas para os ouvidos babilônicos. Portugal era a terra prometida de Camilo Pessanha, e não descansaria até que seus pés nela pisassem no retorno definitivo e ansiado.

Clóvis Luz da Silva
Enviado por Clóvis Luz da Silva em 12/01/2007
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