Diário de Leitura 5

CEFET – Diretoria de Graduação - Departamento de

Linguagem e Tecnologia - Curso de Letras

Disciplina: Linguística Histórica

Prof.: Rosane V. G. Beltrão

DIÁRIO DE LEITURA

Referência:

MELO, Gladstone Chaves de. Iniciação à filologia e à linguística portuguesa. Rio de Janeiro : Ao Livro Técnico, 1981. p. 88-93. Capítulo VI

Autor do diário:

Luís Antônio Matias Soares

A LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL

No romance de Afonso Henriques de Lima Barreto, O Triste Fim de Policarpo Quaresma, o personagem principal do título e da história (o nosso inesquecível major Quaresma, patriota, nacionalista e visionário) sonha com o dia em que será reimplantada no Brasil a língua Tupi como língua oficial desta nação.

Na realidade, eu nunca havia pensado ou mesmo observado em qualquer texto ou estudo que o tupi fora de fato a língua que se falou durante boa parte do período histórico conhecido pelo nome de Brasil-Colônia, até cerca de trezentos anos, no século XVIII.

Mas, pensando melhor, a quantidade de portugueses era realmente muito pequena no início da colonização americana para fazer frente ao número de falantes da língua tupi, o que tornou de fato impossível a plena e imediata implantação e utilização da língua portuguesa nas terras do Novo Mundo.

Tudo isso nos expõe algumas importantes questões: a primeira se refere à errônea idéia de que a língua portuguesa foi de fato imediatamente implantada na colônia, permanecendo sempre oculto da história e dos livros de história a realidade de que a língua mais utilizada no dia-a-dia pela população era o tupi.

Outro ponto: um dos principais aspectos a se questionar ao autor se encontra no início do 4º. parágrafo da página 89: “no entanto, língua mais culta, instrumento de uma civilização superior, transplantada e agora implantada, o português foi ganhando terreno à língua geral...”

Esta visão pseudo-científica de língua mais culta e de civilização superior parece traduzir claros aspectos ideológicos (talvez até mesmo racistas) concernentes à dominação da metrópole sobre os colonizados, bem como instaurando uma versão da história contada pelos vencedores.

Cientificamente, inexiste qualquer motivo pelo qual se possa afirmar que a civilização e as línguas européias sejam superiores às civilizações, culturas, línguas e dialetos indígenas espalhados por todo o mundo. Haja vista que os modernos estudos antropológicos não mais utilizam conceitos referentes à superioridade ou à inferioridade de qualquer povo ou raça em relação a outros acerca do desenvolvimento social, cultural e histórico. Tal entendimento sobre a evolução das sociedades era entendido enganosamente nos inícios daquela disciplina como uma sucessão de degraus em uma escada ou um caminho único pelo qual todos os povos e civilizações teriam inevitavelmente que percorrer desde a pré-história para atingir o pseudo-desenvolvimento presente nas nações européias atuais. Tal idéia não mais é aceita, sendo que cada povo tem o seu próprio e diversificado caminho histórico e cultural.

Se nos detivéssemos nessa espécie de visão histórica e antropológica que deposita um maior valor na evolução que se constituiria como uma escada, quando da descoberta da América muitos povos que aqui habitavam apresentavam variados aspectos culturais de superioridade em relação às mesmas nações européias, o que nos levaria a novos problemas e questionamentos.

Outra falha do autor se encontra no 5º. parágrafo: “houve um momento em que os índios e tupi-descendentes, as populações rurais e as urbanas de pouca cultura abandonaram o uso da língua tupi e adotaram a língua românica dos descobridores”. Na verdade, esta suposta adoção é, em parte, falsa, sendo antes uma imposição do governo metropolitano português sobre a população da colônia, os indígenas e, posteriormente, os negros trazidos da África. Fazia parte do projeto de manutenção da dominação da colônia a inclusão destas populações sob o julgo do Estado, da religião, da cultura e, especificamente, da língua portuguesa. É de se observar, inclusive, que na maior parte das vezes o dominador português utilizou-se de armas na consecução desta e de outras imposições.

A língua, como se vê no caso do Catalão na Espanha e do occitânico na França, tende a se tornar um ponto de apoio e resistência de um povo no sentido da mantença da própria autonomia cultural diante do invasor estrangeiro que, no nosso caso, teriam sido os portugueses. A direção, portanto, da colonização, reflete no plano cultural a implantação da língua portuguesa e o desaparecimento da língua tupi como uma das formas de impor e manter o domínio.

Outro aspecto a registrar reside no fato de que os primeiros portugueses que chegaram à colônia eram tão supostamente “incultos” quanto os indígenas ou os africanos. Quero dizer com isso que eles eram pessoas simples, sem muita cultura escolar ou lingüística. Viu-se, inclusive no início desse capítulo, que tais portugueses ainda utilizavam uma espécie de português arcaico-tardio, bastante diferente e distante até mesmo do português que já era utilizado pelas classes mais cultas e ricas de Portugal, frutificações do renascimento moderno e da utilização do dito português culto.

No final do parágrafo 7º. o autor ainda tem o desplante de chamar as demais línguas/dialetos existentes na colônia de línguas bárbaras, o que mais uma vez reflete a posição dele e a sua concepção de que a língua portuguesa utilizada naquela época seria melhor que a língua “bárbara” daqueles povos indígenas.

Vários outros momentos deste capítulo poderiam ser apontados no objetivo de demonstrar a existência no texto de uma valorização acentuada e falsa da língua e do povo português em detrimento dos povos, línguas e dialetos de origem indígena e/ou africana.

Houve, entretanto, pelo menos um momento em que o autor enalteceu a junção das culturas e a mistura das línguas dos povos português, indígena e africano, apesar de poucas linhas depois tornar a cometer uma série de outros deslizes e genocídios culturais contra os indígenas e africanos. Isto se deu, como se segue, no final do 4º. parágrafo:

O idioma aqui se enriqueceu de milhares de vozes novas, em boa parte oriundas da língua tupi... Por outro lado, muitas palavras tiveram ampliado seu campo semântico, com adquirirem nesta banda do Atlântico significados novos, brasileiros, sem perderem, no entanto, os sentidos que já tinham até então... A língua do Brasil, pois, é substancialmente a mesma de Portugal, mas enriquecida e ajeitada no uso, ao temperamento e à sensibilidade brasileira. (Melo, 1981, p. 91)