BREVE ESTUDO DA ACENTUAÇÃO SECUNDÁRIA NA VERSIFICAÇÃO

Vitor Silva

"Trocaica te amei, com ternura dáctila

e gesto espondeu.

Teus iambos aos meus com força entrelacei.

Em dia alcmânico, o instinto ropálico

rompeu, leonino,

a porta pentâmetra.

Gemido trilongo entre breves murmúrios.

E que mais, e que mais, no crepúsculo ecoico,

senão a quebrada lembrança

de latina, de grega, inumerável delícia?"

(“A Paixão Medida”, Carlos Drummond de Andrade)

***

Este breve estudo tem por objetivo comparar diferentes visões acerca do problema da acentuação secundária na versificação em Língua Portuguesa. As diferentes interpretações dos teóricos da composição poética evidenciam que o assunto ainda se encontra em desenvolvimento. Temos que os autores aqui relatados emitiram opiniões confluentes e divergentes sobre o tema, sem com isso, esgotá-lo.

Para a melhor fixação dos elementos que formam o ritmo acentual, é necessário saber que, conforme Cegalla (2007), geralmente a partir de duas sílabas, uma delas terá a acentuação mais pronunciada, de intensidade maior, chamada sílaba tônica. Nela encontramos o acento de intensidade. As palavras polissílabas, além de contarem com uma sílaba tônica, podem possuir outras sílabas de menor intensidade, mas que não chegam a ser átonas: as sílabas subtônicas. As sílabas que não são nem tônicas e nem subtônicas são as sílabas átonas, e se encontram antes ou depois de uma sílaba tônica.

Contudo, devemos estar em alerta com essa aparente facilidade teórica. Leda Bisol (2001) assevera que o acento é um estudo de matiz problemático, tendo entre seu corpo de problemas as questões da variação duracional das sílabas, de como é trabalhada a entoação, a qualidade da vogal, e como se manifestam os elementos adjacentes àquele que recebeu o acento; sem menosprezarmos o contexto da fala em sua ênfase de ocasião ou determinada por motivos de sintaxe. Tal foco foge da proposta deste trabalho, por isso nos fixaremos somente nas explanações dos teóricos do verso.

Presentemente, segundo Campos (1978) as línguas de origem românica adaptaram sua versificação à métrica quantitativa greco-latina (baseada na duração de sílabas longas e breves). Nessa adaptação, as sílabas ou pelo menos as vogais têm duração igual – as sílabas átonas fazem a função de breves (ársis) e as tônicas a função de longas (tésis). Para Goldstein (1987) o Português utiliza a contagem métrica baseada no sistema silábico-acentual. Funciona por meio de contagem das sílabas dos versos, verificando-se onde podem incidir as sílabas tônicas e átonas. Em todo caso, as referências aos pés gregos permanecem por causa do modo da alternância que especifica a “quantidade” rítmica dos acentos.

É pelo modo como a distância entre as sílabas está coordenada que encontramos as semelhanças entre os pés gregos e a nossa contagem. Mas a diferença está na proporção em que não utilizamos em nossa contagem o conceito de unidade de tempo, que para os gregos formava o conceito do “metron” (pé) dentro do verso. A similaridade maior que o verso em Português poderia chegar à métrica grega seria o cálculo preciso das sílabas tônicas e átonas em todos os versos ou uma isorritmia que admitisse somente acentos principais e sempre nas mesmas posições.

Parece-nos que aqui no Brasil, os primeiros tratadistas a se importarem com a acentuação secundária foram Bilac e Passos (1944). Para estes autores o acento que predomina em determinada palavra é de acordo com a insistência, e lhe configura uma assinalação. O som mais ou menos aberto de uma vogal não determina o acento principal, é na demora na pronunciação que se radica a caracterização. Contudo, concluem que podem existir palavras portadoras de dois acentos principais, como quando os advérbios em “ente”, satanicamente, incongruentemente, etc., são utilizados. Todavia, explanam negativamente sobre tal problema: “Não há dois acentos, porque os ouvidos, embora sejam dois, percebem o mesmo som (a menos que sejam surdos, ou surdos um).” (BILAC & PASSOS, 1944, p. 44).

Fugindo desta visão, Ali (2006) defende que no caso do espaço de três sílabas, depois da primeira ou segunda – isoladamente, teremos uma pausa que deixará as outras sílabas inalteradas. Assim, quando lidas em conjunto, uma delas, quase sempre a intermediária, apresentar-se-á semiforte, ou seja, valerá no verso como sílaba forte [acento secundário]. Proença (1955) indica o estudo do gramático Said Ali, como a primeiro em Português a incluir um ou mais acentos secundários.

Para Ali (2006), mesmo parecendo niveladas em suas intensidades, há diferentes gradações nas sílabas fracas,

“Toda palavra não proclítica nem enclítica tem uma sílaba de acentuação forte, em relação à qual são fracas as restantes. Posto que pareçam, à primeira vista, niveladas quanto à escassez de intensidade, é certo que há várias gradações nas sílabas fracas. Apura-as o exame fonético; e o ouvido leigo, prestando atenção, distingue em geral uma tendência alternante de fraca e semiforte: quàlidáde, mònumènto, propòrcional. Na própria palavra esdrúxula varia a intensidade das duas últimas: tépidò, magníficò.” (ALI, 2006)

A recusa de Bilac e Passos em aceitar outro acento que concorresse com acento principal, e a abordagem paradigmática dos pés di e trissilábicos de Ali, como o máximo de composição rítmica de uma célula métrica, foi investigada por Proença. Este autor cria que a acentuação secundária poderia ser encontrada facilmente na formação das palavras, incluindo nesta afirmação a extensão de mobilidade do acento secundário ensejando até mesmo três modalidades de leitura, como neste verso de Augusto dos Anjos, que sempre primou pelo uso intensivo de polissílabos, provavelmente para aumentar ainda mais as tensões sonoras do verso:

A sÚ-ces-si-vi-dá-de dos se-gún-dos

A su-cÉs-si-vi-dá-de dos se-gún-dos

A sÚ-ces-sÍ-vi-dá-de dos se-gún-dos

Adaptado de Proença (1955, p. 21).

Proença aponta que o acento secundário neste verso pode ser encontrado na 2ª sílaba do primeiro verso ou na 3ª sílaba do segundo verso ou na 2ª e 4ª sílabas do terceiro verso. Por se tratar de apenas um vocábulo, a acentuação suplementar, neste caso, é inevitável. Mas a incidência do acento pode variar de posição (PROENÇA, 1955). As possibilidades sonoras que um verso como este oferece, é algo grandioso. Mesmo que a entoação necessariamente escolha uma das três modalidades.

De maneira interessante, o estudioso emprega seu pensamento para a correção das cacoepias, em que pela utilização do acento secundário pode-se evitar a má pronúncia de algumas palavras. A pronúncia com cacoepias de palavras como rítmico (rítimo), logarítmico (logarítimico) e absolutamente (abíssolutamente) passam a impressão de que existe uma sucessão de três átonas. Quando, na verdade, se trata apenas de incorreção do modo de decompor devidamente tais vocábulos: rit-mi-cô, lo-ga-rí-t-mi-cô, á-bi-so-lu-ta-mên-te. Cita ainda que a palavra perdoáram-no-lo possui duas fases distintas, uma em que a letra (á) faz o papel de tônica principal, e em seu segundo segmento, no-lo, em que (lô) se torna acento secundário. (PROENÇA, 1955).

Embora respeitemos a opinião de Proença, existem poetas que conscientemente incorporam a pronúncia das aparentes cacoepias em seus versos. Advogam o pensamento de que a manifestação sonora em consoantes que deveriam ser mudas, na verdade, expressam sons perceptíveis. A palavra obscuro, por exemplo, por muitos estudiosos do verso, seria lida como “oscuro”, suprimindo-se a letra b que possui um fonema semelhante a “bis”. Outros poetas incorporam o fonema “bis”, então a palavra obscuro passa a ser um polissílabo. Mesmo por muita educação na dicção de uma palavra como opto, sem dizermos opito, um resíduo fonético da contenção da letra “p” pode ser identificado. Fato também conhecido como anaptixe, isto é, vogal de apoio de efeito fônico.

Chociay (1974) é outro estudioso que se debruçou sobre o problema, abordando a questão da intensidade das sílabas tônicas como ainda não explicada de maneira inequívoca. Para ele, o que as gramáticas de hoje dizem, é que somente existe uma sílaba tônica para cada vocábulo. Vocábulos com seis, sete, oito sílabas ainda não possuem clareza teórica a respeito do quão intensivo são os acentos que os compõe, tampouco as construções em que há indecisão quanto aos acentos. E continua nestes termos: “Se, na dinâmica do verso uma sílaba fraca pode ser reforçada e atingir o mesmo grau das demais fortes do verso, isto ainda é um problema não definitivamente resolvido”. (CHOCIAY, 1974, p. 76).

Conclusão

Quando de seu aparecimento no “Tratado de Versificação” (original de 1905) de Bilac e Passos, os acentos secundários foram tratados ao mérito da falta de ouvido melódico para o ritmo das palavras. Foi provavelmente com o trabalho de Said Ali que o acento secundário entrou como delimitador do número de sílabas átonas em Português, três, seguidas posteriormente de uma tônica, formando, no jargão de Proença, a célula métrica.

Tendo nosso sistema métrico silábico-acentual se adaptado das poéticas grega e latina, dificilmente numa composição podemos escapar, mesmo involuntariamente, da utilização de acentos que não os principais. Por causa disso mesmo o verso em Português pode manipular ritmos de maneira a criar tensões sonoras no verso ou indecisão sobre as subtônicas, como praticou Augusto dos Anjos. Por último, a altura alcançada pelo problema da intensidade das sílabas tônicas, e o reforço das átonas para atingirem as tônicas, que Chociay abordou no ano de 1974, salvo enganos, ainda são questões de grande complexidade e discussões.

Referências

ALI, M. Said. Versificação Portuguesa. 1. ed. 1. reimpr. São Paulo: Edusp, 2006.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Nova reunião: 23 livros de poesia – volume 2. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.

BILAC, O & PASSOS, G. Tratado de Versificação. 8. ed. Rio de Janeiro: F. Alves, 1944.

BISOL, Leda. Org. Introdução a estudos de fonologia do português. 3. Ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.

CEGALLA, D. Pachoal. Novíssima Gramática da Língua Portuguesa. 46. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2007.

CHOCIAY, R. Teoria do Verso. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1974.

GOLDSTEIN, Norma. Versos, Sons e Ritmos. 4. ed. São Paulo: Ática, 1987. (Princípios).

PROENÇA, M. Cavalcanti. Ritmo e Poesia. 1. ed. [S.I.]: Organizações Simões, 1955.

QUANTIDADE. In: CAMPOS, Geir. Pequeno Dicionário de Arte Poética. 3. ed. rev. e aum. São Paulo: Cultrix, 1978.

16.07.10