A TEORIA DO CONTO

No estudo “Alguns aspectos do conto” de Julio Cortázar, ele encontra três acepções para conto:

1) relato de um acontecimento – nesta definição, apesar de pressupor a narração de uma circunstância verídica, não há um parâmetro para saber se o relato vem de um acontecimento real ou não. A fidelidade ou verossimilhança do texto literário é questionável, uma vez que a utilização de recursos literários, por si próprios, já é precedente para uma invenção.

2) narração oral ou escrita de um acontecimento falso – esta definição se aproxima da necessidade de conferir ao conto o título de gênero literário, fato ainda complexo, dado que enquadrá-lo num gênero literário exigiria analisar suas características mais evidentes, análise esta ainda controversa, quando expostas as múltiplas faces da construção de um conto.

3) fábula que se conta às crianças para diverti-las – nesta definição, debatemo-nos diretamente com o conceito empírico de conto, pois sempre estivemos, desde a infância, expostos aos contos maravilhosos – ou como popularmente conhecemos como contos de fadas. Dentro dessa linha, encontramos também os contos das mil e uma noites e também as fábulas, histórias protagonizadas em especial por animais, de forte cunho moral. A grande característica do conto nesta definição é a oralidade, a sua transmissão de geração para geração.

Essas acepções de conto apresentam um ponto em comum que é a narrativa.

A narrativa, por sua vez, aproxima o conto de gêneros literários próximos como o romance e a novela e, apesar dessa proximidade, o conto se destaca por suas características estruturais próprias. Enumerar essas características é um trabalho que vem dando trabalho há tempos a inúmeros teóricos da literatura, uma vez que o conto, assim como os demais gêneros, se transforma e se ressignifca constantemente conforme as tendências artísticas do período.

Sem sombra de dúvida, uma de suas características mais marcantes é a sua extensão reduzida. Entretanto, existem outros aspectos que devem ser levados em conta para analisar a sua especificidade.

Não são poucos os contos em que percebemos o registro de um determinado episódio, muitas vezes não registrando a totalidade da vida da personagem, como é comum no romance, no qual há complicações no enredo, onde o tempo e o espaço podem apresentar inúmeras variações. O conto, muitas vezes, apresenta em sua estrutura reduzida as fases de um romance – como a apresentação do tema, a complicação, o clímax e o desfecho – no entanto, dada a liberdade artística e literária, também é possível percebermos a existência de contos em que estas fases – ou algumas destas fases – não estão presentes.

O conto e o contista, neste sentido, merecem a paráfrase de Alfredo Bosi, que uma vez disse,

“o contista é um pescador de momentos singulares cheios de significação. Inventar, de novo: descobrir o que os outros não souberam ver com tanta clareza, não souberam sentir com tanta força”

Pois é bem neste aspecto que se configuram muitos contos: o flagrante e a captação de um momento, a busca pela justificativa, a leitura de um momento, que a olhos externos ao contista podem ter passado despercebido.

É importante distinguir a diferença do conto, enquanto gênero literário, dos contos populares, fantásticos e folclóricos, cujo traço inicial é sempre marcado pela oralidade.

A despeito de a tentativa aqui ser a busca de definição de conto enquanto gênero literário, é realmente difícil buscar tal definição, uma vez que dado o dialogismo entre os gêneros presente nas produções literárias, o que observamos na grande partes das produções – com maior freqüência contemporâneas – é a diluição desses gêneros, transformando-os em novos e possíveis gêneros. O que podemos resgatar sempre são os pontos comuns e, a partir disso, tentar partir para uma definição.

De acordo com os registros históricos literários das mais antigas civilizações, sempre foi possível perceber o conto como uma manifestação cultural das mais remotas. Nem precisamos ir muito longe em nossa cultura para nos lembrarmos dos contos fantasiosos que povoaram a nossa infância, as lendas do folclore e as fábulas de cunho moral que sempre ouvimos, marcados pela oralidade e pela transmissão de geração em geração. Ainda que André Jolles tenha chamado essas manifestações de formas simples, por perder peculiaridade que na forma escrita existe, são elas que nos remetem inicialmente à ideia de conto. Como, também, não pensar também nas “Mil e Uma Noites”, tradicional da cultura árabe? De fato, se examinarmos minuciosamente os registros históricos, certamente iremos encontrar essas manifestações, nas quais o contar estórias fez parte das mais variadas culturas. E examinando ainda mais a história, perceberemos que, dadas tantas as transformações sofridas ao longo dos séculos, ficará difícil estabelecer um padrão para o conto.

Justamente por essa dificuldade, é que existem inúmeras correntes teóricas a este respeito. Algumas dessas correntes defendem a forma do conto, preconizando definições, regras e padrões para a sua escrita; outras correntes manifestam revolta contra a prescrição e a imposição de regras para a escrita do conto e existem, ainda, outras correntes que, por sua vez, pregam a total liberdade para a forma do conto. Buscar a definição desse gênero tão complexo e de múltiplos e antagônicos aspectos implica na desvitalização do conteúdo, uma vez que a força dessa busca teórica aniquila a própria vida do conto, grifo de Nádia Battella Gotlib.

Sob a perspectiva da acepção de conto enquanto relato de um acontecimento podemos depreender a ideia de que, sendo assim, o conto teria o compromisso com a realidade, o que não acontece, pois o que de fato existe é somente a ficção. É natural que dentro da arte literária, a verossimilhança – a verdade interna ao texto literário – seja coerente com a vida real, contudo é importante saber distinguir que o conto não tem necessariamente o compromisso com o registro da realidade como ela verdadeiramente é.

A linha teórica de Edgar Allan Poe, defendida por muitos teóricos, como Julio Cortázar, um dos seus discípulos mais fervorosos, enxerga no conto um gênero literário novo, advindo do contexto sócio histórico do século XIX por conta da necessidade “literária” de se produzir publicações em larga escala e em curto espaço de tempo. Esse mesmo cenário do século XIX, refletindo na aceleração progressiva no estilo de vida do ser humano, atribui ao conto, segundo a crítica marxista de Lukács, um papel social de arte solitária na comunicação, sinal do isolamento do indivíduo na sociedade competitiva, até mesmo por conta das condições mínimas de privacidade, impostas pelo estilo de vida capitalista.

Esses fatores, para Poe, são o que determinam a necessidade de o conto ser escrito para ser lido numa assentada só, uma vez que, havendo interrupção da leitura, o leitor corria o risco de perder a unidade de efeito.

A unidade de efeito e a brevidade, portanto, de acordo com a teoria do conto de Poe, coadunam com a produção de um bom conto. Neste sentido, unidade de efeito nada mais é do que o princípio entre a extensão do conto e a reação/efeito que ele provoca no leitor. O aspecto brevidade causa muito conflito quando deparado à necessidade de definição do gênero conto, dado que definir um gênero por sua extensão seria muito simplista. Para Poe, na mesma medida em que no romance não deveria falta nada, no conto não deveria faltar nada. E nessa prerrogativa, o conto permite a condensação dos fatos/fatores/descrições/contextos, que num romance seriam imprescindíveis. Apesar de empiricamente a questão de a brevidade ser a característica mais notória, Poe a justifica por meio da importância do impacto e da preservação deste efeito no leitor. Neste sentido, contrariando outras tendências teóricas do conto, Poe não se importa se na produção do conto haver uma forma mais desenvolvida de ação, ou seja, se em seu enredo há o desenvolvimento de dois ou mais episódios.

Julio Cortázar em seu livro “Alguns aspectos do conto” estabelece pares dicotômicos para explicar as diferenças entre o conto e o romance. O romance está para o cinema assim como o conto está para a fotografia. Na mesma medida em que os filmes registram uma sucessão de fatos até o clímax e que, de um modo semelhante, ocorre com os romances, na fotografia e no conto, por sua vez, há a seleção do significativo, havendo a necessidade de escolher e limitar uma imagem/acontecimento de modo significativo, sendo capazes de impactar o espectador/leitor de modo que esse impacto vá além do argumento visual/literário presente na fotografia/conto.

E, assim como através dos séculos e das conseqüentes mudanças de contextos sociais e políticos, muitos estudiosos prevêem a progressiva mudanças nos gêneros literários, experimentando uma transgeneridade textual. Essa transição de um gênero literário para outro, de um modo ou de outro, já vem ocorrendo como manifestações pós modernas. Na procura por sua identidade literária, cada autor manifesta em seus textos traços de diferentes maneiras. Essa mistura de gêneros é conseqüência do mover social, do pensamento social, assim como é perceptível as evoluções nos usos da língua e as marcas ideológicas das épocas em vigência. Essa mistura de gêneros é bastante evidente não apenas em prosas que tomam um cunho poético e/ou vice versa, mas também é visível por meio da polifonia e intertextualidade: hoje é difícil encontrarmos um texto que não tenha se derivado de nenhum outro. Isso posto, podemos definir o conto como um gênero literário decorrente do estilo de vida do homem moderno. E, ao mesmo tempo em que essa condição o justifica, também lhe atribui uma data de nascimento e uma data de óbito, uma vez que está sujeito às mudanças de tendências impostas pelas constantes mudanças no estilo de vida do ser humano.

Nesse sentido, ao concluirmos sobre as teorias que procuram uma definição e também instruir na construção de um bom conto, percebemos que a normatização dessa arte literária muitas vezes pode esfacelá-la: apesar de ter encontrado em Machado de Assis a forma do conto (indefinível, insondável e irredutível a receitas, a despeito de) Mario de Andrade uma vez disse que conto pode ser tudo aquilo que o seu autor batizou como conto. Questionar sobre a teoria do conto para ele sempre geraria um inábil problema de estética literária.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

GOTLIB, Nádia Battella. “Teoria do Conto” – 11ª edição – São Paulo: Ática, 2006

95p. – (Princípios, 2)

m a r c o s v i n í c i u s
Enviado por m a r c o s v i n í c i u s em 11/09/2012
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