Teoria Platônica das Paixões

Me apaixono pelo meu ideal imaginário. Como Platão idealizou.

Me interesso afetivamente pela personalidade oposta e que possa me complementar, mas, como referência de pretensão sentimental, ou pretensão idealista, apaixono-me pela humanização do nosso intocável. Confuso, ok.

Temos, ainda que inconsciente, características que procuramos nos outros, definidas e alinhadas ao nosso grado. Sabendo que uma relação amorosa parte do princípio da união entre mais de uma pessoa, atribuímos tais adjetivos a uma realidade. Construímos e remoldamos a eterna busca pelo parceiro ideal, através de bagagens e memórias vividas. Construímos, então, a humanização do nosso amor.

Atentando à paixão e ao amor, num mesmo complexo de profundidade e permanência afetiva, ou seja, hoje ou pelo menos nesse texto, desconsideramos o conceito de Platão sobre paixão, como rápida, efêmera, e empregaremos o mesmo peso signico do amor. Amamos o que se subterfugi, o que nos escapa, o que, a priori, não nos é alcançável. Pois, se deixa de haver um espaço intransponível, se há a possiblidade de atingir-me afetivamente e tocar-me na realidade, deixa de ser platônico, deixa de ser ideal, deixa de seguir o roteiro fatigo da minha criação imaginatária, e submete-se ao descontrole realístico e à agilidade do inesperado. Pois, segundo Platão, dois mundos distintos nos cercam: O plano de Conteúdo e o Plano de Expressão, sendo eles o Mundo Ideal e o Mundo Real, respectivamente. O amor platônico se estabelece e se finca no Plano de Conteúdo, onde há remodelação dos ideais, atribuições adjetivas e exclusão, ou desvalorização, dos pontos negativos ou qualidades que não agradam ao apaixonado. No mundo das ideias, ou de conteúdo, o amor se faz na essência, e jamais deixa de sê-lo, já que, se o amor abandona o plano Ideal e inicia uma construção real, no Plano de expressão, torna-se apenas uma incompleta e má interpretação do amor ideal.

Os amores, paixões, embelezam-se e, mesmo que sofríveis na realidade, fixam-se num imaginário platônico. Não precisa ser, necessariamente, uma pessoa intocável, como um ator ou cantor, a paixão subverte-se à lógica, atenta ao real para selecionar o campo de possibilidades afetuosas que tendem a serem reais. Mapeado uma atmosfera possível, buscamos fora dela a identificação, o complemento de nossa personalidade, o ideal-humano (o ser apaixonante) que agrade-nos estética e intelectualmente. Esse ideal-humano deve nos satisfazer visualmente, pois a realidade construída nada mais é o que baseada em agradabilidade (entenda-se que “visualmente agradável” refere-se à criação ideal de beleza, não ao belo unanime). A personalidade, por mais superficial que seja a relação estabelecida com o ideal-humano, deve agradar e complementar o apaixonado, dando brechas para que se desenvolvam outras características que, platonicamente, estabeleço para minha paixão.

A paixão platônica na era da internet satisfaz os egos mais carentes. A possiblidade de personificação ideal a partir de fragmentos característicos que o ser-apaixonante expressa, dão ênfase na crença de paixão ideal. Na internet, temos a possiblidade de enaltecer qualidades essenciais – saber dançar, gostar de ler, ser romântico, ir à teatro, sair para jantar -, ao mesmo tempo que apaziguamos nossos defeitos, escondendo-os ou ignorando-os. Partindo dessa construção de um ser mais ideal, ou da auto-visão melhorada de cada um, platonizamos ainda mais o objeto de paixão. Tornando-o ideal acima do seu próprio auto-ideal, logo que ressalto suas qualidades e não reconheço seus defeitos, ainda que consciente deles.

Mantemo-nos idealizadores dessa paixão, e, mesmo num convívio relativamente próximo, jamais quebramos o limite que assegura a paixão platônica de manter-se no platonismo. Assim nada é capaz de ferir minha paixão. E, ainda que haja sofrimento, há um consentimento no sofrer, já que suportamo-nos à dor para continuar idealizando e acreditando na paixão.