viver & escrever — diálogo entre Osman Lins e Edla van Steen, L&PM Editores Ltda.

Em alguma biografia sua, li que você perdeu a mãe ainda recém-nascido e que, de certa forma, se tornou escritor para tentar construir, imaginaria­mente, o rosto materno. Se for verdade, isso se daria através dos personagens femininos? Qual deles mais se aproximou, pelo menos emotivamente, da imagem que sempre procurou?
Meu pai, descendente de senhores cujas terras, dizem, iam do Cabo de Santo Agostinho até bem perto do Rio Real, na fronteira das Alagoas, tinha uma pequena alfaiataria. Alfaiate é uma bonita profissão. Quase toda pro­fissão manual é muito bonita. Só que, em geral, dá menos dinheiro que a de senhor de engenho. Esse homem desposou uma mulher que não cheguei a conhecer e que veio ao mundo, parece, com o único encargo de ser a minha mãe. Cumprida essa tarefa, morreu, um ano depois de casada. Coisa estúpida. Sempre achei que isso me dava uma espécie de responsabilidade. Morreu aquela garota para que eu nascesse. Não podia fazer de minha vida uma trouxa, um papel servido, jogá-la por aí. Nunca vi um retrato seu — ela não gostava de fotografias, embora conste que fosse bonita. Parece que o fato me marcou. O tema aparece em O Fiel e a Pedra, em Nove, Novena (na história “Perdidos e Achados”) e o herói de Avalovara anda pelo mundo feito um doido, buscando o que não perdeu.
  Já tive a oportunidade de dizer que a morte de minha mãe configurava a minha vida como escritor, pois parece que o trabalho de escritor, metaforica­mente, seria construir um rosto que não existe, um rosto imaginário. Isso tal­vez tenha me conduzido a suprir de algum modo, através da imaginação, es­sa ausência. Não digo que tenha sido traumatizado propriamente, mas te­nho, sim, a impressão de que a coisa me marcou.

Como foi sua infância solitária no interior de Pernambuco? Quem, na adolescência, teria incentivado você para a literatura, se aos 15 anos já escre­via contos? Que livros lia na época?
Pois é. Assim começa Ataulfo um de seus sambas. E se ele, o mestre, introduz desse modo uma conversa, a solução pode ser imitada sem receio. Pois é, venho há anos metido nessa história de escrever, desde a adolescên­cia, quase posso dizer que desde a infância. Essa infância que passei pratica­mente sozinho. Fui criado por minha avó, por outros parentes. Isso me levou a um tipo de comportamento muito introvertido, muito ensimesmado, com uma certa tendência a dialogar comigo mesmo. Tive uma grande facilidade em lidar com as palavras. Por volta dos 15 anos já estava tentando escrever. Não que o meio fosse propício. Não era. A pequena cidade do Nordeste on­de nasci (primeiro cidade do Braga, mais tarde Santo Antão, depois Vitória e agora Vitória de Santo Antão) ostentava e continua a ostentar duas glórias: a de ser teatro, em 1645, da primeira vitória contra os holandeses — dando início à Restauração Pernambucana — e o lugar do Brasil que mais produz cachaça. Quando me transferi para o Recife, aos 16 anos, ainda não havia por lá uma biblioteca e até hoje não existe livraria, embora já funcione, como não?, a sua Faculdade de Filosofia. Apesar dessas carências, eu levava dois contos na maleta, junto com o primeiro pincel de barba e um ovo artifi­cial para cerzir as meias quando se rasgassem.
  Aprendi muito cedo a viver para dentro e a inventar fantasmas. Passava horas lendo fosse o que fosse: quase posso dizer que as palavras (e um cão que, por sinal, chamava-se Veludo) me serviram de irmãos. Os irmãos verda­deiros apareceram tarde.
  Raramente, é claro, li naquele tempo coisa que prestasse e lamento que alguns livros não houvessem chegado às minhas mãos na hora certa: A Ilha do Tesouro, Robinson Crusoé. Os que apareceram no momento exato foram os livros de “educação sexual”, como Gamiani, Ninon de Lenclos e outros, que me faziam sonhar constantemente com noites escandalosas e bacanais em conventos. Mas, ao mesmo tempo, aqueles homens e mulheres tinham em comum um traço interessante: nenhum remorso. A carne, para todos eles, era alguma coisa de festivo, de exaltante, um bem a ser fruído com to­das as forças do ser. (Seria por isto, pergunto, que tantos anos depois eu cria­ria o meu livro Avalovara, onde o amor, carnal e não-carnal, ocupa um lugar tão importante, naquele casal que se desnuda e se ama ardentemente sobre um tapete florido, empenhando na descrição desse ato e do corpo da mulher todos os recursos de que podia dispor como escritor?)
  A solidão e a estreiteza dos meus primeiros anos, atenuados pelas presen­ças de Laura, irmã de meu pai (que é, transfigurada, a Teresa de O Fiel e a Pedra), e da minha avó paterna, Joana Carolina, cuja vida agreste e, por as­sim dizer, simbólica, narrei em outro livro, foram ainda compensadas pela presença de um homem como não houve muitos no mundo: Antônio Figueiredo. Para quem não o conheceu, isto é apenas um nome. Para mim, é tudo o que pode sonhar o coração de um menino. Lá está ele, transformado, também em O Fiel e a Pedra, com o nome de Bernardo Vieira Cedro, vivendo aventuras muito semelhantes a algumas que enfrentou realmente. Vivia contando histórias. Foi ele o meu primeiro livro, meu iniciador na arte de narrar, assim como a velha Totônia foi a primeira influência literária do José Lins do Rêgo. Mas ele, Antônio Figueiredo, não seria capaz de estimular-me a escrever. Quem o fez foi um homem de quem durante anos fui aluno, ain­da em Vitória, austero, professor e calvo — acho eu — desde a hora em que nasceu, o ex-seminarista José Aragão, que transferiu para o ensino o sacerdó­cio e que nunca limitou as aulas à sua pregação literária. Ele sabe que, em grande parte, minha decisão de entrar de corpo inteiro nas letras, de escrever alguns livros — bons ou maus — bons, se possível —, deve-se ao seu encora­jamento.
  Sim, aos 16 anos publiquei dois contos num jornal de Recife. Depois desisti dessa história de estar publicando coisa em jornal e resolvi escrever um romance.

Em que ocasião especifica você se decidiu a aceitar a vocação?
Vocação? Existem mesmo as vocações? Refleti bastante sobre isso em Guerra sem Testemunhas. Há um capitulo que se estende sobre o assunto. Houve um tempo em que achei belo um poeta dizer que escrevia pela razão por que uma árvore dava frutos. Só bem mais tarde descobri ser um embuste aquela afetação: o homem, por força, distingue-se das árvores e tem de saber a razão de seus frutos, cabendo-lhe escolher os que há de dar, além de inves­tigar a quem se destinam, nem sempre oferecendo-os maduros, e sim po­dres, e até envenenados. Empreendi, então, ao mesmo tempo, a crítica do objeto e da natureza do que supunha ser a vocação. Modifiquei, por comple­to, minha concepção do ato de escrever e não mais me senti assinalado, obri­gado a cumprir um destino imposto para sempre. A ordem de avançar, de evoluir, de erguer uma obra, permaneceu: fiz-me mais lúcido, mais cons­ciente; e, se antes era comandado, agora comandava. Escolhera, escolhi sem­pre, todos os dias, em muitos sentidos. Não trouxe, ao nascer, lápis nem pa­pel. Ninguém jamais nasce com uma espada, nem com um facão de mato, nem com um aspersório, nem com um clavecino. Nus, inscientes, trazemos todos as mãos vazias, aptas a um sem-número de amestramentos e a bem usar no futuro não importa que utensílios. Quando o homem admite ser o instrumento de uma vocação, sem ampliar o número dos que — com a mes­ma tendência de parecerem ligados a instantes e dúbias realezas — dizem-se guiados, na composição de seus livros, pelo sopro da inspiração. Quando, pelo contrário, recusamos ser o portador, o executante de uma vocação, quando — bem ou mal — escolhemos, definindo-nos perante nós mesmos, ampliamos o papel da consciência (essa consciência que a psicanálise cumula de álibis) na elaboração de nosso destino e nos inserimos de um modo mais positivo em nossa condição de homens, de artesãos do mundo. Tornamos um pouco mais próxima de nós aquela vida sonhada em que o homem, sem renegar o mistério de sua condição, vem restaurar-se com fé e confiança na fruição de suas liberdades e na aceitação de suas responsabilidades. Vamos falar na decisão de ser escritor. Como se deu? Difícil precisar. Naturalmente, não foi de uma hora para outra, mas o certo é que nunca hesitei entre aderir às letras e empenhar-me em qualquer outra carreira. Nenhuma das outras formas de justificar a nossa passagem na Terra me animava. Não me parecia, por exemplo, que prefeito ou gerente de uma firma tivesse muito sentido. Fui pesando as forças, sondando-me, até que — com essa dose de ilusão sem a qual nada empreendemos — me alistei na literatura, fiz os votos, assinei um pacto, jurei fidelidade, convertendo num projeto sem volta o que antes fora intermitente.
  Quanto tempo seria necessário para chegar a escrever alguma coisa que não fosse apenas exercício? Um dia, conversando com Vicente, meu barbeiro e exímio dançarino de tango, perguntei quanto tempo levara para aprender a amolar uma navalha.
  — Dez anos — respondeu-me.
  — Com sete ou oito anos de profissão, você ainda não havia aprendido?
  Respondeu que não e que se dava por feliz, pois o que custa a se apren­der é porque tem segredos e o segredo vale mais do que o sabido por todos. Eu estava disposto a aprender, se necessário durante a vida inteira, alguns segredos da arte de escrever. Ninguém nasce sabendo e eu ia tentar. Tinha a meu favor a juventude, a paciência e um relativo desprezo pelos bens que se compram.
  Quando, afinal, a decisão tomou forma, eu já trabalhava numa estroven­ga chamada Banco do Brasil. Decidindo-me, tratei de armar-me para evitar que a estrovenga me engolisse. É quase impossível não fazer carreira no Ban­co do Brasil. Mas eu consegui. Utilizei, para escapar, a declarada hostilidade da organização contra tudo que lembre gratuidade e vida: a poesia não tem o seu aval.
  A princípio, essa hostilidade espantou-me. Depois, ao contrário, desco­bri que o Banco do Brasil era apenas uma amostra do meu pais e que em nenhum outro lugar, nem mesmo na vida universitária onde atuei alguns anos, eu viria a encontrar um ambiente realmente propício ao escritor. Não que is­so dê na vista ou seja logo percebido. Não. Só aos poucos vai o escritor perce­bendo que aquele xerife de certos filmes do oeste, que vê os possíveis aliados desguiarem um a um e afinal chega à conclusão nada cômoda de que terá que enfrentar sozinho Bill Wicked e seu bando, se parece um pouco com ele. Por isso escrevi Guerra sem Testemunhas, para estudar o confronto do escritor com as nossas estruturas. Firmeza de espírito, cega fidelidade a si mesmo, espírito de luta são algumas das qualidades que ele tem que desen­volver e que nunca se imagina serem-lhe necessárias. Mas ainda há outras.

O seu primeiro romance, aquele escrito aos vinte e poucos anos, foi destruído, ou você ainda tem cópia? ... Alguém o teria desestimulado a publicar?
Até hoje não tive coragem de rasgar. Não vale a pena falar. Um dia eu rasgo. Mas ainda não tive coragem, para mim é um pouco como se fosse um retrato meu da época, uma fotografia. Quando publiquei Os Gestos até andei olhando para ver se tinha alguma coisa a ser aproveitada, mas realmente não tem. Não existe obra parcialmente morta. É morta de uma vez. Mas esse livro valeu como exercício. Eu estava com vinte e cinco anos. Não queria fa­zer outra tentativa de romance antes de completar trinta. Escrevi uns contos e, de repente, senti que a mão estava ficando mais firme. O embrião de um novo romance surgia, e uma espécie de raiva inexplicável, o desejo de lançar-me a uma história maior, não propriamente um romance, mas algo menos passageiro que um conto, um trabalho que me absorvesse durante alguns meses, trabalho de 30 ou 40 páginas, uma novela. Quando cuidei da vida, estava metido a escrever um romance que me ocupou durante um ano. Era O Visitante.

Numa entrevista você disse que considerava O Visitante seu livro de estreia. No entanto, o primeiro a ser publicado não foi Os Gestos? Explique is­so, por favor.
O Visitante foi publicado dois anos antes de Os Gestos. Com O Visitante, recebi o Prêmio Fábio Prado, comecei a ter presença na imprensa e a conhe­cer escritores, a fazer as primeiras amizades dentro do círculo literário, Os Gestos foi então terminado e recebeu os Prêmios Monteiro Lobato, Vânia Souto Carvalho e o da Prefeitura de São Paulo. A José Olympio o editou. Lembro-me de que meu pseudônimo, para o Prêmio Monteiro Lobato, foi André Bolkonski. Os concursos, naquele tempo, repercutiam de certo modo na imprensa, podiam lançar um autor, não eram apenas promoções comer­ciais de empresas, não ditavam as regras, não impunham temas.

O  Fiel e a Pedra começou como novela e depois virou um romance. Co­mo e quando você determina o gênero? Poderia definir o que é o conto, a novela e o romance? É razoável persistir o gênero literário na literatura contemporânea?
Devemos conceder maior amplitude à pergunta que leva a essa controvertida questão de gêneros, indagando, por exemplo, o que se entende por ficção. Que devemos entender por ficção? Acho ser a fixação, através da pa­lavra escrita, e com ênfase na aparência das coisas, pelo autor decompostas e reorganizadas, de uma visão pessoal do mundo, não raro absurda e quase sempre insólita, que no entanto se confunde, sob a pressão do gênio do es­critor, com o universo onde todos habitamos. A designação do gênero me parece acadêmica, não importa. E as existentes nem sempre satisfazem. De­signei os trabalhos de Nove, Novena, por exemplo, como narrativas.

Parece que a sua obra está dividida em duas fases: a primeira, até O Fiel e a Pedra, e a segunda, iniciando com Nove, Novena, onde a estrutura, a arquitetura do romance, passaria a ser sua preocupação primordial. Você concorda?
O  sentido não é esse. Há uma coisa engraçada. A trajetória verdadeira de um indivíduo, de um artista, de um escritor, quando é exercida superficialmente, se esclarece à primeira vista. O autor dá uma direção declarada ao que ele faz, e essa direção é oferecida facilmente aos contempladores. Quan­do essa atividade é exercida de maneira mais profunda, ela pode provocar uma compreensão exatamente inversa.
  O    Fiel e a Pedra representa o ponto para o qual converge tudo o que fiz antes e o ponto de onde parte o que vim a fazer depois. É uma plataforma de chegada e de saída, mas num terreno bem mais amplo que apenas o estrutu­ral. Trata-se da travessia, como escritor e como homem de um limite ficcio­nal e político.
  Meus livros anteriores a Nove, Novena realmente estão mais distantes dos outros no tratamento e na visão geral das coisas. Acontece, porém, que Nove, Novena, em absoluto, não os nega. Ao contrário, através daqueles livros, daquela plataforma, caminhei para Nove, Novena e para as obras que o sucederam, acompanhando minha própria trajetória no mundo, minhas buscas, minhas conquistas. Podemos ver, por exemplo, que em O Visitante o mundo exterior quase não existia, enquanto que em Nove, Novena quase só existe o mundo exterior. É uma contradição? Não. Caminhei da interiorização de O Visitante, através de O Fiel e a Pedra, para a exteriorização, a plasticidade de Nove, Novena. E é natural que assim fosse. Só com a maturi­dade adquire o ficcionista a coragem para olhar de face o mundo exterior, as coisas materiais, o concreto. Escrito, quando eu chegava aos quarenta anos, Nove, Novena exprime de um modo claro o momento dessa conquista, a tra­vessia daquele limiar. Em O Fiel e a Pedra temos um problema de afirmação pessoal (um homem de classe média enfrentando um senhor de terras). Em Nove, Novena, no texto repassado de violência, por exemplo, do “Retábulo de Santa Joana Carolina”, a luta da figura central já não é contra um deter­minado indivíduo, é contra o mundo. É contra a terra onde ele vive. A nar­rativa do enterro de Joana Carolina, que parece característica de preocupa­ções estéticas, é construída num ritmo batido, altamente violento, pois é a narrativa de um protesto de como o pobre vive e morre no Nordeste. A bio­grafia de minha avó paterna. Se não fosse construída seria apenas a história de uma mulher em Pernambuco. Mas esta narrativa é construída em doze quadros ou mistérios, cada um deles relacionado com os símbolos do Zodía­co. Então já não é mais a história de uma mulher vivendo em Pernambuco, é a história de uma mulher que viveu em Pernambuco projetada contra as constelações, projetada contra o mundo, com o que ela ao mesmo tempo se tornou muito maior e também muito menor.
  Suponho que, olhada em conjunto, a minha obra revela coerência, como se cada livro nascesse do outro. Mas, ao mesmo tempo em que cada um nasce do outro, estabelece uma rebelião. Eu poderia até, freudianamente, dizer que os meus livros refletem um pouco a geração física, a paternalidade e a re­volta dos filhos contra o pai, em que o filho continua o pai, no sentido de afirmar contra ele sua individualidade. Esta é uma metáfora que reflete com certa aproximação esse fenômeno. Cada obra continuaria a outra e ao mesmo tempo se rebelaria contra a obra anterior. Isso, do ponto de vista da constru­ção. Desde muito jovem, desde meus primeiros trabalhos, tenho procurado estar atento ao que se faz e evitar a repetição de fórmulas experimentadas e aprovadas. Sejam fórmulas minhas ou alheias.
  Lidos com atenção (nem é preciso muita), vê-se perfeitamente que meus livros não mostram como primordial a preocupação arquitetônica. Preocupo-me com a eternidade, com o metafísico — e penso na responsabilidade para com o meu povo. A preocupação estrutural primordial é bem caracterizada, por exemplo, pelo nouveau roman. Eu não tenho nada a ver com ele. O nouveau roman é feito por intelectuais, é uma literatura extremamente civi­lizada. Eu posso ser um tanto civilizado, mas sou mais ou menos primitivo, um selvagem civilizado, vamos dizer assim. Não pertenço a clube nenhum. Nunca me preocupei em ser ou não de vanguarda, acho isso uma tolice mui­to grande. Sempre me preocupei foi em encontrar meus próprios caminhos. Minha narrativa está integrada na inquietação de nosso século no que se refe­re à criação artística. Mas não pretende ser a ilustração de qualquer teoria. Nem mesmo, a rigor, das minhas. Ela expressa a minha aventura individual em face do mundo, da escrita e do ato de narrar. O meu negócio é esse: eu só penso na ficção. Faço outras coisas na vida mas só penso mesmo na ficção. Comecei a pensar na ficção em termos tradicionais. Pensando claro na ficção e no mundo, minha ficção e minha visão do mundo foram caminhando para o reconhecimento do desgaste das formas tradicionais, até a conquista de uma visão pessoal, a ponto de tentar criações pessoais. A arquitetura, a estru­tura de Avalovara, por exemplo, eram uma necessidade narrativa, O cosmos é ordenado. A narrativa, para mim, é uma cosmogonia. Eu penso assim: existe o mundo, existem as palavras, existe a nossa experiência do mundo e a nossa experiência das palavras. E tudo isto está ordenado, é um cosmos. Mas no momento em que o escritor se põe diante de uma página em branco para escrever o seu livro, a sua narrativa, as palavras explodem, então ele está no­vamente diante do caos do mundo e do caos das palavras, que ele vai reorde­nar. Vai haver uma nova passagem do caos ao cosmos. Tentei essa reordena­ção no Avalovara. Ele concentra toda a minha experiência como escritor e co­mo homem. Amadureceu no meu espírito durante cinco ou seis anos. Levei três para escrevê-lo, sendo que nas últimas semanas trabalhei em média dez horas por dia. Custou-me o sangue e os ossos. Mas foram três anos exaltan­tes.
  Visitando museus e examinando reproduções (não conheço o Oriente, a gente observa que a arte ocidental, em relação à oriental, é extremamente pobre de imaginação. Principalmente a tão decantada arte do Renascimento, pouco misteriosa, muito correta, com as suas perspectivas impecáveis. Is­so não me estimula em nada. Atingem-me bem mais a imperícia românica, a radiosidade do gótico e o nosso desmesurado barroco. Situando-me, volun­tariamente e por uma tendência cada vez mais forte, na linha do imaginário e do ornamental, procuro exercer sobre o real, através do romance, uma ação criadora no seu sentido mais amplo. A realidade que manipulamos ordina­riamente surge então mais rica, mais estimulante. Tanto em Avalovara como em A Rainha dos Cárceres da Grécia jogo, por exemplo, dentro do contexto ficcional, sem nenhum disfarce, problemas políticos essenciais, gerados e so­fridos em nosso dia a dia.
  Os retábulos do século XIII ou os vitrais dessa época mostram imagens e acontecimentos sem se preocuparem com perspectivas e têm uma extraordi­nária força de comunicação, dentro dos limites de seu espaço. A contempla­ção dessas obras me fez refletir muito e influiu bastante no tipo de tratamen­to que tenho dado ao foco narrativo de meus trabalhos, principalmente de Nove, Novena para cá. A Divina Comédia (voltando à estrutura) foi escrita dentro de um rígido esquema (antes de iniciá-la Dante sabia quantos versos teria) e esse esquema a tornou uma obra de arte verdadeira, viva e significati­va para todo o ser humano, mesmo para os que não a leram.
  Não pelo esquema, claro. Mas não seria possível se conceber A Divina Comédia escrita de outro modo, o conteúdo transmitido de outra forma, se­ria uma obra completamente diferente. A preocupação de Dante, de Rabe­lais, de Stern, não era a de apenas edificar uma estrutura. Isso qualquer alu­no de engenharia pode fazer. Há certo equívoco que o crítico americano Northrop Frye menciona em sua Anatomia da Crítica: é o equívoco entre mu­dança e metamorfose: a mudança, típica da falsa vanguarda, é fácil e sem nenhum valor, confundindo-se frequentemente com a simples extravagân­cia.

Uma vez, perguntaram a Faulkner o que deveria fazer um leitor que não conseguia entender o que ele escrevia. Faulkner respondeu: “Sugiro que leia quatro vezes”. Para muitos, Avalovara, mesmo com o auxílio do folheto de leitura que acompanha o livro, é de difícil compreensão. Você afirma que é direto, nítido. Tem alguma sugestão de como deve ser lido o Avalovara?
Eu diria que a estrutura de Avalovara é como uma jaula dentro da qual se movem animais selvagens. Inquietude, angústia, desespero, tudo o que faz parte da nossa condição. Gostaria que o leitor soubesse disso. Avalovara, co­mo cada livro meu em cada época da minha vida, corresponde ao melhor que a minha capacidade criadora e imaginativa poderia oferecer aos meus se­melhantes. Eu me sentiria degradado e não me parece que honraria a litera­tura e os meus leitores se agisse de outro modo.
  Não há nada obscuro em Avalovara. É como se eu tentasse transmitir com a maior exatidão possível um sonho, ou vários sonhos. Para isso foi pre­ciso sempre achar a palavra certa, formar as frases exatas que correspondes­sem perfeitamente às ideias que tinha. Avalovara pode ser entendido de di­versas maneiras, apreendido em diversos níveis e ganhar significados total­mente diferentes dependendo do leitor. Isso tem acontecido. É próprio da obra de arte. E cada leitor pode ler Avalovara como quiser. Nada é mais livre do que a leitura, felizmente. Avalovara propicia essa liberdade. Pode ser lido na ordem em que está realizado, ou história por história, sem interrupções. Muito de seu sentido se perderá, talvez. A estrutura não é gratuita. Mas esse leitor pode depois, em outra oportunidade, reler o livro como está feito e en­tão entrar no significado dessa construção.

Autran taquigrafa seus livros e depois passa a limpo. Você, como é que escreve, diretamente a máquina? Planeja o livro mentalmente antes ou descobre a forma narrativa durante o ato de escrever...
Escrevo datilografando, geralmente na velha máquina onde escrevi todos os meus livros. Tenho máquina elétrica mas uso-a mais para copiar o que já fiz e para escrever artigos de jornal. A máquina elétrica produz um leve zumbido. Esse zumbido parece que me apressa, tenho a sensação de que a máquina, impaciente, fica à espera de minha frase, de meu pensamento. Isso inibe. A velha máquina, em seu silêncio, ajuda. Sabe que escrever não é fácil e que há um tempo certo para a criação de cada frase. Algumas vezes to­mo nota à mão. Planejo os livros antes, detalhadamente, como no caso de Avalovara (fiz três gráficos), ou de forma mais simples, como para os outros livros. Sempre há um plano básico ou diversos planos básicos com a margem natural para o imponderável. A Rainha dos Cárceres da Grécia teve um es­quema quase oposto ao de Avalovara. O esquema de Avalovara, de certo modo, não era afetado pelo tempo. A Rainha dos Cárceres da Grécia, ro­mance escrito em forma de diário, foi sendo datado exatamente de acordo com os dias em que estava sendo escrito, tratando-se de uma obra estrita­mente relacionada com os acontecimentos de cada dia. Avalovara remetia à ordem cósmica. A Rainha dos Cárceres, sem recusar as preocupações com o universo e o eterno, é mais voltada para o cotidiano, o temporal, o efêmero. Um contraste e uma continuidade. Próprios de minha inquietação. Para mim, o ato de escrever é um ato de descobertas. Daí a necessidade do esque­ma inicial e da margem para o imponderável. Antes de começar a escrever é como se o mundo fosse negro. Escrevendo vou desvendando os caminhos que pretendo alcançar.

Como você definiria um bom livro?
O que contrapõe, ao que tão depressa nos foge, uma espécie de eternida­de.

A história é importante no romance? Você pensa no leitor, quando escreve?
Avalovara é um romance feito de romances, de histórias. Toda a arte despojada de nossa época, a arte que recusa o ornamento, que volta as costas pa­ra o universo, para o concreto, a meu ver é uma arte a caminho da morte. Agora, é preciso que se entenda o que se chama de história. O romance do século XIX transposto para hoje? Não tem sentido. Isso continua sendo fei­to, mas não tem sentido, é um anacronismo. O romance atual, contemporâ­neo, tem uma característica muito nítida: ele não quer mais iludir o leitor, segue uma linha que se aproxima da linha brechtiana, ele propõe ao leitor não um simulacro de vida, mas um texto, um texto narrativo, que se propõe como texto e propõe os personagens como personagens e não como figuras de carne e osso. O romance stendhaliano, balzaquiano, nos propunha perso­nagens estruturados com tal exatidão que nos davam a impressão de figuras vivas. No caso do romancista contemporâneo, ele não procura iludir o leitor nesse sentido, o que é uma jogada muito arriscada e ao mesmo tempo a meu ver muito leal. Ele diz: olha, eu estou propondo a você uma criação roma­nesca, personagens feitos com palavras. No entanto, através dessa jogada do mágico que mostra o outro lado da cartola ele consegue, tenta conseguir en­volver e atrair o leitor para a sua causa, o seu lado. Parece-me um trabalho mais fascinante e leal.
  Se penso no leitor quando escrevo? Escrevo para mim e para o leitor. Para um leitor que imagino, a quem respeito, e que se modifica segundo minha própria evolução. É ele, também, um personagem de minha invenção, tal­vez o mais importante de todos, pois orienta em grande parte minha obra, realizada com vistas ao seu possível olhar. O leitor ideal será então aquele que, dentro do possível, se aproxime desse modelo. Alguém que tenha inte­resse nas coisas do mundo; que conheça as fórmulas consagradas mas não as considere imutáveis. Que tenha discernimento suficiente para entender que os escritos amenos, em geral, exprimem uma atitude de adulação, e não de respeito; esse leitor deverá saber, ainda, que o livro, para seu autor, é algo valioso, essencial, e não um divertimento, um passatempo com que algumas horas de ócio foram preenchidas. Escrevo para meus contemporâneos. É possível que esteja certa a concepção de que um escritor não escreve para os seus contemporâneos, mas eu não conheço pessoalmente a posteridade. O homem que eu conheço e sobre o qual posso escrever é o que vive a mesma aventura que eu. Tudo que for possível fazer, com dignidade, para que mi­nha obra chegue a esse leitor, eu faço.
  Escrevo também para os que haverão de detestar meus escritos por uma ou por outra razão, também para estes devo confessar que escrevo. Para que saibam que não são o mundo e que nem tudo é feito à imagem e semelhança deles, ou à imagem e semelhança do que estabelecem.
  Escrevo ainda para os que nunca haverão de ler-me, mas poderão, mes­mo assim, ser alcançados pelos meus trabalhos, pois o alcance de um livro nem sempre se esgota no ato da leitura, podendo muito bem expandir-se através da conversa e de outros meios. Não sofremos, às vezes, a influência de um autor que ainda não lemos? Isso é possível. Acontece.

Escritor de artigos, ensaios, contos, romances e peças teatrais. Não é satis­fatória a posição de ser só ficcionista?
É como ficcionista que procuro o gênero mais adequado à comunicação de cada ideia, de cada criação literária.

Você acredita que o escritor deve participar da realidade política e social de seu pais? E essa participação não criaria uma espécie de conflito para o escritor de ficção?
Na Idade Média a arte estava estreitamente ligada à religião porque a vi­da era essencialmente religiosa. Hoje vivemos uma época essencialmente política. Sempre digo que até o gesto de se colocar um selo num envelope é um gesto político. Logo, a arte, seja qual for, não pode se distanciar desse universo. Tem que estar impregnada dele e de suas preocupações. Para escre­ver, o escritor reflete sobre a realidade do mundo onde vive. Refletindo é compelido a lutar de algum modo. Creio que o conflito se estabelece quan­do esse modo deixa de ser uma escolha para se tornar uma ordem.
Há um trecho de Avalovara que define bem o que penso a respeito:
“... A indiferença do escritor é adequada à sua pre­sumível elevação de espírito? Para defender a unidade, o nível e a pureza de um projeto criador, mesmo que seja um projeto regulado pela ambição de ampliar a área do visível, tem-se o privilégio da indiferença? Preciso ainda saber se na verdade existe a indiferença: se não é — e só isto — um disfarce da cumplicidade. Busco as respostas dentro da noite e é como se estivesse nos intestinos de um cão. A sufocação e a sujeira, por mais que procure defender-me, fazem parte de mim — de nós. Pode o espírito a tudo sobrepor-se? Posso manter-me limpo, não-infeccionado, dentro das tripas do cão? Ouço: ‘A indiferença reflete um acordo, tácito e dúbio, com os excre­mentos’. Não, não serei indiferente”.

Que necessidade você sentiu para inserir o símbolo gráfico, os sinais identificadores dos personagens, em Nove, Novena e Avalovara? E por que em A Rainha dos Cárceres da Grécia você prescindiu deles?
Usei sinais gráficos para caracterizar alguns personagens em Nove, Novena e para caracterizar um personagem, apenas, em Avalovara. Mesmo em Nove, Novena o processo não foi empregado em todas as narrativas. Foi usado onde facilitava a identificação de personagens, sem a quebra do ritmo necessário à narrativa. Não precisando ser lido, como um nome, mas apenas visto, como um hífen, por exemplo, o sinal não interfere na frase e identifica bem a movimentação dos personagens. Usei esse recurso onde achei necessá­rio. E acontece que os sinais gráficos, num texto, não são invenção minha. O hífen esclarece o leitor no diálogo. E as palavras, nos hieróglifos egípcios, eram separadas por um sinal determinado. Também para separar as pala­vras, como se vê em velhos manuscritos latinos, nem sempre foram usados recursos apenas literários, mas gráficos. Em Avalovara nenhum nome exis­tente me pareceu adequado à personagem múltipla, que ama Abel, repre­sentando para ele a síntese de todas as outras mulheres. Pensei, primeiro, em empregar o círculo para defini-la. Depois utilizei um tipo de círculo espe­cial, um círculo com um ponto no centro e duas pequenas hastes superiores, que se abrem para o infinito. É um símbolo da vida. Em A Rainha dos Cár­ceres da Grécia nenhum símbolo gráfico teria lugar. Pelo menos não me foi necessário utilizar nenhum.

Lisbela e o Prisioneiro, A Idade dos Homens, Guerra do Cansa-Cavalo, Santa, Automóvel e Soldado complementariam o “mundo” de Osman Lins, sua postura como homem, ou devem ser encaradas como uma atitude à parte?
Tentei colocar também em peças de teatro o meu pensamento, a minha visão do mundo, e elas foram refletindo minhas buscas e conquistas, com criador. Não há incoerência ou divisão alguma.
  Quanto aos artigos para jornal, obedecem à linha de comportamento que me tracei enquanto escritor. Quero, acho necessário opinar, sempre que possível, predominantemente na área cultural, deixando bem claro o meu pensamento e definindo a minha posição. Esta, por sinal, coerente, creio eu, com tudo o que tenho sido e escrito.

Vários de seus livros foram e estão sendo traduzidos no exterior. Em especial, Avalovara, publicado em vários países. Como tem reagido à crítica estrangeira?
Pesa-me dizê-lo — minha obra tem sido bem mais estudada e compreen­dida no exterior. Nove, Novena, na França, com o nome de Retable de Sainte Joana Carolina, foi apontado pela La Quinzaine Littéraire, no ano em que foi editado, como um dos quatro mais importantes lançamentos do ano. Os dois outros eram livros de autores franceses. O quarto era Le Seuil, de Soije­nitsin, nessa época no topo da onda. O Retable teve artigos de página inteira em diversos jornais. E artigos expressivos não só no Le Figaro, no Le Monde, em Le Nouvel Observareur, mas em jornais da Espanha, de Portugal, da Bél­gica. Hoje, editado na Alemanha com o nome de Perdidos e Achados (Ver­lorenes und Gefundenes), já está com boa repercussão crítica. Avalovara, já lançado na França, na Espanha, na Alemanha — está sendo traduzido por Gregory Rabassa, nos Estados Unidos, para a Knopf. Os artigos sobre esse ro­mance geralmente são gratificantes. E recebo estudos longos, teses de uni­versitários dos Estados Unidos, da Europa. Há pouco veio um excelente tra­balho da Itália, de Erilde Melilio Reali, do Instituto Universitário Orientale, de Nápoles. E o romance, embora já vertido para o italiano, ainda nem foi lançado nesse país. A Rainha dos Cárceres da Grécia sairá em breve pela Gal­limard e também na Espanha, pela Alfaguara. A tradução está muito bem feita.

Depois de tantos anos ligado apaixonadamente à literatura e a outras atividades intelectuais, você diria que vale a pena?
Ser escritor é sempre uma danação. Uma danação que, bem entendido, eu não trocaria por nada. Em países de nível cultural mais alto, evidente­mente, a danação é atenuada, pois o escritor encontra um número maior de aliados, de conhecidos e desconhecidos que estão ao seu lado, de braços dados com ele. No entanto, há em tudo isso um aspecto importante, embora paradoxal. É que as sociedades precisam mais do escritor, da produção de obras literárias, exatamente na medida em que recusam tudo isso. Uma sociedade onde o escritor é mais bem acolhido, onde se lê mais, onde a vida cultural é mais intensa, não tem tanta necessidade do escritor. Ela já é cultu­ralmente bem nutrida. Não tem tanta necessidade de que certos indivíduos supram (de certo modo com o sacrifício das próprias vidas) as suas carências.
  Encaro as dificuldades do escritor com obstinação, com punhos e dentes cerrados. Arremeto para frente e, de um modo ou de outro, queiram ou não queiram, deixarei a minha marca.
  Falei há pouco da danação de ser escritor. Mas também disse que não tro­caria isso por nada. Continuo — juro — a não querer ser na vida senão um escritor. Realizo, coisa rara, um trabalho livre. Não só isto. Realizo um tra­balho que me impele em direção aos seres humanos e que de modo algum os trai ou ofende. Ao contrário: exalta-os e honra-os. A gente estende laços em direção àqueles que são nossos irmãos no mundo. É a literatura, ainda, um modo de transfigurar e de fazer com que durem mais um pouco, só mais um pouco, na memória do mundo, certos rostos que amamos. Isto para não falar nos seres que não há, que não havia, que Deus, por distração ou para nos dar uma chance, deixou de criar e que passam a existir por força das palavras. Atuamos numa sociedade que, em conjunto, é hostil ou indiferente ao nosso trabalho. Mas, como descrever a alegria de, nos momentos mais inesperados, descobrirmos um leitor atento? E a coisa é tão forte que vence as barreiras da tradução. Tenho encontrado, mesmo em leitores estrangeiros, reações que não estão longe da ternura. Já pensou no significado disso? Um ser humano, passando por cima de todas as barreiras, inclusive as barreiras de ordem lin­guística. Quem mais, senão o artista, conhece essa alegria?
E tudo o que entendo na vida, minhas relações, minhas amizades mais profundas e enriquecedoras, tudo veio através da literatura. Por tudo isso, gente, por esses altos e baixos, pelo que nos tira e pelo que nos dá, a literatu­ra, com o passar dos anos, torna-se para nós mais importante que a vida.

 
Osman Lins e Edla van Steen
Enviado por Germino da Terra em 25/09/2012
Código do texto: T3900056
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.