Pequenos diálogos filosóficos - Parte II (Sobre a linguagem)

Certo dia estava andando pelo jardim quando me veio uma louca vontade de olhar algumas formigas transeuntes que passavam em minha frente. Agachei-me e foquei o olhar apenas em uma delas. Ela carregava um pequeno pedaço de folha, andava meio que em ziguezague como se não soubesse direito para onde ir. De repente, a formiga parou, soltou a folha e ficou parada como se estivesse a olhar para mim.

- Psiu! – acho que ouvi algo, como se fosse à formiga a falar comigo.

Que coisa maluca! Falei para mim mesmo. Tive a sensação realmente de ter ouvido a formiga falar “psiu” para mim.

- Psiu!

Esquisito demais. Tive realmente a impressão de ter ouvido a formiga falar comigo novamente. Aquilo só poderia ser brincadeira de alguém querendo pagar uma peça em mim. Fiz de conta que entrava no jogo.

- Oi formiga, como vai?

- Formiga? Tudo bem. Vou bem, mas parece que você é meio surdo, estava aqui a chamar por você e o mané com a maior cara de leso. Só queria saber o que houve que fica a olhar para mim. Não tem o que fazer?

- Muito bem! Quem é? Quem é? Vamos apareça? – O piadista deveria estar escondido em algum lugar pelo jardim querendo me fazer de trocha – vamos amigo, apareça. Brincadeira sem graça!

- Ah! ah! Ah! ... – parecia que a formiga estava rindo de mim.

- Muito bem, qual é a graça? – Sentia-me ridículo falando com uma formiga, mas talvez fosse o único meio de descobrir o imbecil daquela infame brincadeira.

- Graça? Ah! Ah! Ah! Pare por favor, eu não aguento! Ah! ah! ah!...

- Há! há! há! Escute, acho melhor parar com a brincadeira seja lá quem for!

- Quem for?... ah!ah!ah!...pare...pare!

- Tudo bem. Vamos lá dona formiga espertinha qual é a graça?

- Quem disse que sou uma formiga?

- Quem disse? Todo mundo sabe que você é uma formiga.

- Todo mundo?

- Todo mundo sim.

- E em qual mundo você está? Como todo mundo sabe que sou uma formiga? Por acaso perguntou a alguém de minha espécie o nosso nome?

- Como eu vou falar com uma formiga? Todo mundo sabe que formigas não falam.

- É mesmo? E o que você esta fazendo falando comigo?

- Vamos para! Estou confuso agora. Eu não posso estar falando com uma formiga, isso é ridículo!

- Primeiramente, a coisa realmente ridícula é você continuar a me chamar de formiga. Eu só sou formiga para vocês da raça dos humanos que querem a todo custo colocar nomes e conceitos nas coisas que não conhecem. Parece que vocês tem medo do desconhecido, e assim, preferem explicar tudo a sua vã maneira, como se as coisas simplesmente não pudessem existir sem nome algum. Vocês colocaram nome em tudo, sem mesmo saber o que as coisas são ao certo.

- Por favor, explique melhor, não compreendo ao certo o que quer dizer.

- É exatamente isso! Vocês querem encontrar palavras certas, corretas, essa simbologia humana que quer explicar totalmente as coisas, e esquecem como um simples gesto, um simples olhar pode esclarecer tudo a sua volta, sem precisar uma única palavra dita, escrita, nem mesmo pensada. Por exemplo, o que é isso ali na frente? – a formiga me mostrou uma pequena pedra.

- Que bobagem! É uma pedra!

- Pedra? Ah! Ah! Ah! Pedra...

- É uma pedra, aquilo é uma pedra! – estava completamente bravo com aquela formiga idiota.

- Vocês são muito engraçados – a danada da formiga ria excessivamente – gostaria de saber como sabem por que aquilo se chama pedra e não qualquer outro nome?

- Você é louca!

- Não. Simplesmente meu agir é por instinto, coisas que vocês não conhecem ao certo ainda.

- Você é louca!

- Mesmo? Melhor da uma olhada a sua volta e ver como essa mania de vocês confundem vocês mesmos.

Quando olhei a minha volta tinha uma multidão de pessoas rindo e debochando de mim. Seria difícil explicar a todas aquelas pessoas que estava falando com uma formiga. Enfim, foi lentamente ficando em pé enquanto a multidão continuava a rir sem parar.

- O que foi? Nunca viram ninguém falar com uma formiga antes? Sabiam que as formigas falam? – percebi que cada palavra que falava aumentava demasiadamente o meu ridículo perante as pessoas. Uma zombaria geral.

Sai de fininho enquanto a multidão se divertia com a cena que viram. Triste foi ouvir os ecos das vozes dizendo: Louco! Louco!

Meu Deus! Será mesmo que eu enlouqueci? Formigas não falam!

TAS
Enviado por TAS em 04/03/2013
Reeditado em 13/08/2013
Código do texto: T4171564
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