Metamodernismo e Superssímbolo

O METAMODERNISMO E O SUPERSSÍMBOLO

Jayro Luna (Jairo Nogueira Luna)

Uma das tônicas fundamentais do Metamodernismo – criado por mim e por Philadelpho Menezes em 1986 – é a relação entre a produção poética e as especificidades do contexto cultural, social e político, de tal modo que este contexto seja ao mesmo tempo espaço de diálogo do poeta e também fornecedor de feed-back para a produção poética. Neste sentido, as diferentes técnicas de produção poética, anteriormente caracterizadas como escolas literárias, forneçam o instrumental de técnico de composição que corresponda ao projeto do poeta na instauração do espaço dialético ligado a contextos específicos.

Desse modo, para exemplificação, supomos dois momentos contextuais bem distintos. Se o poeta, resolve escrever um poema em homenagem a uma pessoa, por qualquer motivo, sendo este motivo o inspirador, e por inspirador, entendamos nada mais do que o causador do desejo de escrever, de expressar poeticamente uma dada emoção. Se resolve assim, escrever este poema, o poeta pode planejar a forma poética em razão das especificidades do contexto em que se dará a homenagem (evento), as características culturais, artísticas, políticas, subjetivas do homenageado, etc... Em razão desses elementos ele pode optar por escrever, supomos, um soneto, e observa que a técnica de composição barroca é a que lhe cai melhor. Compõe, pois, um soneto barroco transposto para a contemporaneidade, e nessa transposição, recria elementos lingüístico se recontextualiza a própria concepção de soneto barroco, quiçá agora, neobarroco.

Por outro lado, num segundo exemplo, o poeta pode ter que escrever um poema de protesto, acerca de determinada questão sócio-política que o aflige, que mexe com suas opiniões políticas e sociais. Na análise que faz da situação em questão e objetivando atingir público determinado motivando-os com sua palavra, o poeta planeja uma poema engajado ao modo dum Maiakóvsky redivivo. O faz, reconfigurando expressões, construções sintático-paradigmáticas, figuras, de tal modo que o novo poema ao mesmo tempo que cria uma série com a poesia de Maiakóvsky, também inaugura um poema que contextualiza o fato histórico presente num hipertexto que sincroniza momentos históricos num plano estético.

Mas, em ambos os exemplos, existe algo que vai além, que é o fruto mesmo da capacidade criativa do poeta e que se materializa nos recursos lingüísticos de que dispõe e que envolve noções como o desvio da linguagem (estilística de Spitzer e de Auerbach – subjetiva e ideológica, ao mesmo tempo) e que configura um espaço limite da linguagem (designer da linguagem, para lembrar de Pignatari, pouco compreendido hoje).

Este elemento extra, subliminar é a imagem poética, que pode se materializar numa metáfora – se se pretende o plano geral, ou ainda, o plano médio e o plano aberto – e a metáfora poderá propor uma visão direta, plongé ou contra-plongé:

Metáfora de Plano Geral:

“A vida é uma comédia sem sentido” (Álvares de Azevedo)

(Nesta metáfora vemos/lemos os dois termos que originam o efeito metafórico: vida e comédia, percebemos claramente sua origem na comparação entre ambos e o sentido dramático que o poeta pretende dar).

Metáfora de Plano Aberto:

“O poema obscuro dorme na pedra” (Murilo Mendes)

(Neste exemplo temos presente um dos termos que originam a similitude de características que origina a metáfora: poema. O outro termo é o ser que dorme, que não é citado. Assim, vemos apenas um dos termos e se sugere o outro pela ação de dormir, uma de suas capacidades concretas).

Metáfora de Plano Médio:

“Na curva perigosa dos cinqüenta / derrapei nesta dor” (Carlos Drummond de Andrade)

(a metáfora se faz entre as características símiles de passagem do tempo e velocidade do automóvel, mas aqui o poeta omite as palavras automóvel e carro e suas séries paradigmáticas e expõe no poema apenas a referência as qualidades do carro – que pode andar aos 50 quilômetros por hora, mas a leitura contextual do poema, nos diz que se refere à idade do poeta. Neste sentido, é preciso aproximar o suficiente a “imagem” para que os objetos – automóvel e tempo – sejam visíveis apenas em suas qualidades).

Sobre os efeitos de ângulos da metáfora, conquanto imagem poética, de direto, plongé ou contraplongé; por hora não nos detemos aqui, mas indicamos a leitura de nossa teoria do Metamodernismo.

Mas este elemento extra também pode se materializar em termos de função poética via uma metonímia ou outra figura que se associa via uma sobreposição do eixo sintagmático sobre o paradigmático, para utilizar terminologias de Roman Jakobson.

As Metonímias podem ser de primeiro americano, primeiro plano, primeiríssimo plano e close. Exemplos:

Metonímia de Primeiro Americano: “Quero dormir co’a loura peito a peito” (Álvares de Azevedo)

(Nesta metonímia o termo “loura” substitui mulher, musa, amada. Esta substituição se dá por um efeito em que a qualidade é designativa do todo da mulher: mulher loura e não apenas se referindo à cor de seus cabelos).

Outro exemplo: “É a alma da floresta – a Alma Verde – que passa!” (Péthion de Vilar).

(Nesta metonímia o que se destaca é algum aspecto ou característica referente à cor, forma ou volume do objeto metonificado).

Metonímia de Primeiro Plano: “ergui mais do que o bronze ou que a pirâmide / ao tempo resistente um monumento”(Haroldo de Campos)

(Neste exemplo, duas metonímias de primeiro plano. O bronze substitui o produto pelo material: estátua, espada, taça, enfim, objetos que podem ser de bronze. A segunda metonímia se refere à pirâmide, que aqui é uma forma de construção que logo se explicita no verso seguinte: monumento. Em ambas temos a percepção do objeto metonificado mas por meio não de uma qualidade apenas, mas pelo processo que o origina. No geral, metonímias do tipo material pelo produto, autor pela obra, são do tipo de primeiro plano).

Metonímia de Primeiríssimo Plano: “Lá vem o lança-chamas” (Oswald de Andrade)

(Nesta metonímia o termo lança-chamas substitui soldado, ou equivalente, mas lança-chamas não é designativo do todo do soldado, mas sua arma e, portanto, sua principal característica nesta ação, origem de sua força efetiva. A “olhar poético” aproximou-se o suficiente para destacar uma parte da imagem toda, mas que nos permite identificar o todo com relativa facilidade. No geral, metonímias do tipo parte pelo todo podem ser de primeiríssimo plano ou close, o que as diferencia é a extensão, intensidade e o destaque dado à parte).

Metonímia em Close: “Olhos sublimes, sombras chinesas” (Alphonsus Guimaraens).

(Nesta metonímia, como em todo o poema de onde foi retirado – Olhos – os olhos se destacam na referência às pessoas que observam o infortúnio do poeta. Aqui é como a câmera cinematográfica, fecha num detalhe específico e se constrói a metonímia a partir deste detalhe, portanto, a imagem é mais fechada que no primeiro plano e no primeiríssimo plano).

Pois bem, sejam as figuras metafóricas ou metonímicas, elas inseridas no poema, criam o espaço do efeito simbólico. Entendamos aqui efeito simbólico como o resultado de um processo sígnico em que o significado é ressignificado como resultado do quanto se desvia da norma e nesse desvio o que passa a ser representado, não é apenas o referente que deu origem ao desvio, mas sim, a medida da distância que separa o signo ressignificado do signo de origem. Assim, numa metonímia de primeiríssimo plano ou de close, temos tal aproximação com o objeto metonificado que exige do leitor uma capacidade de distanciamento para que possa apreender o todo, distanciamento este inverso à medida da aproximação feita pelo poeta ao termo metonificado em relação ao metônimo. No caso da metáfora, a metáfora de plano médio, possui neste sentido também maior distância ao termo metaforizado do que o de plano geral ou aberto. Assim, na metáfora vemos o todo do objeto metaforizado, mais distante ao mais próximo – visível ou oculto e sugerido; enquanto na metonímia vemos partes ou características do objeto metonificado. Assim, a linguagem poética se aproxima da linguagem cinematográfica.

O Superssímbolo é o processo simbólico na qual percebemos uma rede de símbolos concatenados. Ele é o resultado da relação entre a relação sígnica existente no poema que se materializa nas figuras com o uso simbólico desta relação na exterioridade do poema, ou para dizer de outro modo, com o imaginário cultural.

Assim, por exemplo, pegando um exemplo de uma letra de canção popular, “Metáfora” de Gilberto Gil. As relações que se constroem na letra da canção com o símbolo – no sentido semiótico peirceano – lata (lata, meta, conter, não conter, dentro e fora, etc.) constroem relações com o uso simbólico de lata no imaginário, por exemplo: “lata d´água na cabeça” (para criar referência com outra canção), lata/cabeça, lata simplesmente, etc. O conjunto dessas suprarrelações é o superssímbolo.

A poesia, tanto mais será metamoderna, quanto mais souber tirar proveito no processo de planejamento de escrita, dos alcances e dimensões dos superssímbolos.

Jayro Luna

19/11/1999