SOBRE O CONTO

Resenha do Capítulo Sobre o Conto
A Criação Literária ( Introdução à Problemática da Literatura)
Massaud Moisés

Sobre o Autor

Na época em que escreveu esse livro, Massaud Moisés era docente da Universidade de São Paulo. É autor de inúmeras obras de interesse para estudantes, escritores, críticos de literatura:
- Pequeno Dicionário de Literatura Brasileira, São Paulo, Cultirx,1966.
- A Literatura Portuguesa Através de Textos, São Paulo, Cultrix, 1968.
- A Literatura Brasileira Através de Textos, São Paulo, Cultrix, 1971.
- Dicionário de Termos Literários, São Paulo, Cultrix, 1974.


"O drama nasce quando se dá o choque de duas ou mais personagens, ou de uma personagem com suas ambições e desejos contraditórios. Se tudo estivesse em plena paz e ordem entre as personagens, não haveria conflito, portanto, nem história. E mesmo que se viesse a escrever um conto acerca do bem estar e da tranqüilidade de espírito, é certo que não teria interesse algum. A bem-aventurança medíocre produzida pela satisfação dos apetites primários não importa à Literatura, pois mesmo fora da Arte as pessoas "felizes" são monótonas e desatraentes. Só a dor, o sofrimento, a angústia, a inquietude criadora, etc., faz que as criaturas se imponham e suscitem interesse dos outros. A Literatura opera exatamente no plano em que o homem vive a vida como luta, tomada de consciência da morte e da precariedade do destino humano. Tal homem não se acomoda, não se torna feliz; muito pelo contrário. E quanto mais indaga, mais se inquieta, e por isso vive integralmente num permanente círculo vicioso. Aí entra a Literatura". (Moisés, p.124)


A Criação Literária
O Conto

1. A Palavra
A palavra conto possui em Português acepção de: 1) número, quantidade; 2) história, narração, historieta, fábula, caso: com esta acepção a palavra é empregada na Literatura; 3) rede de pesca em forma de saco; 4)extremidade inferior da lança, ferrão, ponta de pau ou bastão. Na quarta acepção a palavra conto deriva de contu-(Latim), remontando a Kóntos (grego). Para as duas primeiras acepções, tem-se considerado forma originária a palavra comptu-(Latim), com o sentido de "cálculo", "conto".
Para a acepção literária (...), aventa-se outra hipótese com menor aceitabilidade. A origem da palavra conto estaria em commentu- (Latim), com o sgnificado de "invenção", "ficção". (Moisés, p119).

2. Histórico
O conto tem origem muito antiga e desconhecida, mas pode ser considerado, "por suas características estruturais", a verdadeira matriz das demais formas literárias, principalmente a prosa de ficção e a historiografia.
Desde os séculos XIX e XX, até nossos dias ganha proporções inesperadas e atinge seu apogeu como forma literária erudita. Modernamente, atravessou várias fases, impelido às vezes na direção de crônica ou poema em prosa.

3. Conceito e estrutura
Matriz da novela e do romance, porém, "como a novela e o romance é irreversível; jamais deixa de ser conto a narrativa que como tal se engendra" e a ele não pode ser reduzido nenhum romance ou novela. (Moisés, pp. 121-2-3).

As Unidades Do Conto

Do ângulo dramático, é unívoco, univalente. Constitui uma unidade ou célula dramática: um só conflito, um só drama, uma só ação. Tudo leva a um mesmo objetivo, a um mesmo ponto. Ao conto aborrece as divagações, digressões, excessos (Moisés, p. 124). É um drama que apresenta um fim em si próprio, com começo, meio e fim, corresponde ao momento mais importante da vida da pesonagem, sem importar o antes ou o depois. Pode haver uma "síntese dramática", mas o passado e o futuro possuem pouco ou nenhum significado.
No conto há unidade de ação, espaço, tempo e tom. Em relação ao espaço, o lugar físico em que a ação decorre possui interesse dinâmico. Em relação ao tempo, o período é sempre curto, horas ou dias (ou não será um conto). Preocupa-se com o centro nevrálgico da questão, sendo objetivo e atual, vai direto ao ponto, sem deter-se em pormenores secundários. Essa objetividade é ressaltada justamente pela unidade de ação, lugar e tempo. Quanto ao tom, a intenção é provocar no espírito do leitor uma só impressão: pavor, piedade, ódio, simpatia ... ou seus contrários. O conto opera com ação e não com "caracteres". Ele apenas cria situações conflituosas em que todos nós, indistintamente podemos espelhar-nos. Nesse caso as personagens são consideradas como instrumentos da ação. (Moisés, p. 126).

Personagens

As unidades requeridas de ação, tempo, lugar e tom só podem estabelecer-se com poucas personagens. Só não existe o conto com uma única personagem. Se uma só aparecer, outra figura deve estar atuando para a formulação do conflito. Por fim, as personagens tendem a ser estáticas, imóveis no tempo, no espaço e na personalidade. Figura-se uma tela em que se fixa plasticamente o apogeu de uma situação humana. (Moisés, p.127).

Estrutura

Por ser "objetivo", "plástico", "horizontal", costuma ser narrado na terceira pessoa. Usa as palavras suficientes e necessárias, convergindo para o alvo; a imaginação prende-se plasticamente à realidade concreta em verossimilhança com a vida.

Linguagem

À linguagem do conto cabe ressaltar a ação, antes da intenção. Por seu estofo eminentemente dramático, deve ser, tanto quanto possível, dialogado. Sem diálogo não há discórdia, desavença ou malentendido; sem isso não há conflito, nem ação. As palavras como signos de sentimentos, idéias, pensamentos, emoções, podem construir ou destruir. Sem diálogo torna-se impossível qualquer forma completa de comunicação (Moisés, p.128).
O diálogo é a base expressiva do conto. Há quatro tipos de diálogo:

1) direto (discurso direto)- as personagens falam diretamente.

2) indireto (discurso indireto)- o contista resume a fla em forma narrativa, sem destacar o diálogo.

3) indireto livre (discurso indireto livre)- fusão entre a terceira e a primeira pessoa narrativa, entre autor e personagem, "numa espécie de interlocutor híbrido" de modo que a "fala de determinada personagem ou fragmentos dela, inserem-se discretamente no discurso indireto através do qual o autor relata os fatos".

4) diálogo (ou monólogo interior)- acontece dentro, no mundo psíquico da personagem; fala consigo mesma por as palavras conterem "vários níveis de consciência antes que sejam formuladas pela fala deliberada". (Moisés, p 129)
No conto, predomina o primeiro tipo de diálogo.

Narração, Descrição e Dissertação

Narração e descrição são pouco utilizadas, mas a descrição pode ter mais importância, dependendo do tipo de história. As personagens dos contos são diferenciadas pelo contorno dramático ou psicológico e não pela fisionomia ou vestimenta. Não há interesse em oferecer desenho acabado das figuras. O drama mora nas pessoas, não nas coisas ou roupagens; estas, quando muito, refletem-no. (Moisés, p. 131).
O uso da dissertação é mais raro ainda, embora alguna contistas de talento o utilizem (como Machado de Assis em Dom Casmurro).

Trama

Sempre linear, objetiva, segue a cronologia do relógio em continuidade semelhante à da vida real. Quando começa, já está perto do epílogo. É dominado pela "precipitação". Apesar disso, contém um mistério, um nó dramático a ser desfeito, sem truques, de forma que o drama explode imprevistamente.
A grande força do conto - e calvário dos contistas - consiste no jogo narrativo para prender o leitor até o desenlace, que é de regra geral um enigma. (Moisés, p. 132)
O final é uma surpresa, deixa uma semente de meditação ou de pasmo diante da nova situação e a narrativa suspende-se e escapa das mãos. A vida continua, mas o conto se fecha completo, inseqüente. Há casos em que o enigma vem diluído ao longo do conto.

Foco Narrativo

Classificação de Cleanth Brooks e Robert Penn Warren:

1) personagem principal conta sua história;
2) uma personagem secundária conta a história da personagem central;
3) o escritor, analítico ou onisciente conta a história;
4) o escritor conta a história como observador.

Os focos primeiro e quarto implicam a análise interna dos acontecimentos, ao passo que os outros relacionam-se à observação externa; no primeiro e no segundo, o narrador funciona como personagem e nos outros casos se coloca fora dos acontecimentos, como observador, ou tem livre acesso a todos eles com igual facilidade.
Cada foco tem vantagens e desvantagens, então o importante é escolher adequadamente o foco que leve a realizar o intento, que é contar uma história que nos convença. O bom contista não forja a estrutura, nem o ponto de vista (ou foco). Tudo já existe pronto, como um esqueleto, no ato mesmo de contar a história.

1º foco-) primeira pessoa do singular; é um tanto limitador pois pode parecer juiz em causa própria; oferece a vantagem de dar a ilusão de presentividade; expediente primário e espontâneo.

2º foco-) mais distância entre o leitor e o conteúdo da narrativa; quem conta foi ou é testemunha; pode ainda constituir disfarce do autor, mais do que as outras personagens; apresenta mais desvantagens que vantagens e é pouco usado.

3º foco-) o escritor torna-se o demiurgo; acompanha as personagens a todos os lugares, entra-lhes na intimidade, devassa seu mundo psicológico, esquadrinha-lhes os abismos inconscientes e subconscientes, conhece-lhes as mínimas palpitações; nesse caso a fabulação perde em impacto por ser indireta, oblíqua, mas ganha em riqueza de situações e pormenores; presta-se a narrativas lentas do gênero psicológico ou introspectivo; perde também em verossimilhança, característica fundamental do conto. (Moisés, p. 135).

4º foco-) semelha os defeitos do segundo foco, mas amplia a faixa de observação; suspende ou diminui a penetração psicológica (considerando a referência do terceiro foco) em favor da ação, do conflito, de modo a tornar a narrativa mais linear, menos complexa.

O contista é, via de regra, obrigado a escolher um dos focos. No conto moderno, experimentam-se vários agrupamentos do enfoque narrativo,para compensar as desvantagens e conferir vida à fabulação, no sentido de permitir que ela "fale por si, que se escreva sozinha", ou reflita o cosmorama social de todos os pontos de vista; para fazer desaparecer o "autor" a fim de que que nele (conto) se expressem todas as interferências.(Moisés,p. 135)

Concluindo o tópico, pode-se dizer que "o ficcionista é sempre onisciente, ainda quando pareça conceder aos personagens a primazia da narrativa ou do diálogo (...) porque a obra nasce dele, sobretudo entendendo onisciência não como consciência, mas como conhecimento integral ( isto é, pela memória, pela imaginação, pela reflexão) dos materiais de ficção (isto é, o Homem, a Natureza, o Tempo, a História)." (Moisés, p.136).

Tipos de Conto

Carl H. Grabo apresenta uma divisão simples, de boa utilização:
1º) histórias de ação;
2º) histórias de personagem;
3º) histórias de cenário ou atmosfera ("setting or background")
4º) histórias de idéia;
5º) história de efeitos emocionais

O conto de ação é o tipo mais comum, com predominância de aventura; é linear e menos importante que os outros; é quantativamnete mais freqüente.

O conto de personagem é o menos comum; é um conto de caráter, dentro das limitações e objetivos a ele inerentes, às vezes bem sucedido.

O conto de cenário ou atmosfera é raro; a tônica dramática transfere-se para o cenário ou ambiente, de modo que este quase se transforma no herói do conto.

O quinto tipo de conto, o relacionado à emoção, geralmente está mesclado ao de idéia; o enredo ocupa uma posição secundária; a emoção preexiste e subsiste ao exame racional.

O conto de idéia é mais freqüentemente importante que o anterior; trata-se de um conto em que a idéia emerge identificada com a ação e as personagens; todo conto supõe a existência de uma idéia, mas classificam-se como histórias de idéias aquelas em que a idéia a transmitir ocupa o lugar preponderante, a tal ponto que a atenção do leitor nela se concentra. (Moisés, pp. 138,139,140,141).


Começo e Epílogo no Conto

O cuidado do contista está mais em como iniciar a narrativa, pois das primeiras linhas depende o futuro do conto, do que em terminar. Se o leitor se deixa prender desde o começo, certamente irá até o fim; do contrário esmorece e passa adiante. Acontecendo muito próximos o começo e o fim, o contista não pode perder tempo em delongas, então o epílogo se incrusta na introdução e atraído pelo mistério intuído o leitor vai em busca do final dramático que desconhece, que mal pode imaginar, mas que lhe põe a sensibilidade em sobressalto.
Como a fabulação começa próxima do fim há grande importâcia em como mostrar o passado anterior ao fato para justificar as páginas seguintes.O contista não pode deter-se no início em prejuízo do restante. Não há que perder tempo em principiar, já que se está orientado para um fim que de súbito se anuncia, num movimento acelerado que oferece ao leitor uma impressão instantânea de drama, de luz ou de som.
O epílogo pode ser enigmático, imprevisível, surpreendente e destituído de enigma surpresa ou imprevisto (conto moderno), mas mesmo nesse caso se respeitam as características fundamentais do conto.

Como fiapos de arte e de vida a imagem da existência fornecida pelo conto é fragmentária e por vezes excessivamente densa. O que o leitor procura no conto é o desenfado e o deslumbramento perante o talento que alcança pôr em reduzidas páginas, tanta humanidade em drama. (Moisés, p.142-3).

Cabe ressaltar que no prefácio, o autor expõe que a obra em questão não é propriamente uma obra de Teoria Literária; o escopo da obra era oferecer ao leitor uma iniciação, uma introdução ao exame de alguns problemas fundamentais de teoria e filosofia da literatura.

MOISÉS, Massaud. A Criação Literária. São Paulo: Melhoramentos, 1973, pp.119 a 143.