Jornada sedes sapientiae, 2014:

Jornada 2014:

A poética em Freud _ o sonho e o poema enquanto contextos

Eliane Accioly Fonseca

Para Ferreira Gullar, seus poemas nascem do estranhamento:

"Digo que meus poemas nascem do espanto, de algo que põe diante de mim um mundo sem explicação". Ferreira Gullar

Apresento hoje a vocês um recorte do texto da Jornada do ano passado. Vamos falar do contexto do sonho e do contexto do poema.

O capítulo VI de “A interpretação dos sonhos”, trata dos mecanismos da construção dos sonhos _ a condensação, o deslocamento, as condições para a figurabilidade, e as formações secundárias.

Antes do livro dos sonhos, em “Os primeiros estudos da histeria”, Freud já mencionava a consciência sonhadora das tecelãs: uma forma de consciência distinta de nossa consciência dita discursiva. No consultório vivemos com nosso paciente, uma forma de consciência distinta da discursiva, ou seja, distinta do que chamamos lugar comum da linguagem.

Em A interpretação dos sonhos, no capítulo sexto, Freud compara o conteúdo manifesto do sonho ao ideograma. Em o Ideograma, lógica, Haroldo de Campos comparou o ideograma ao poema. E hoje vou apresentar a vocês a proximidade entre o sonho, o poema (e o ideograma). O conteúdo manifesto do sonho é um contexto. O poema, assim como o ideograma, é um contexto. No poema e no sonho não há ligação com a linguagem referencial, ou o suposto saber. O contexto do sonho e/ou do poema nos apresenta um mundo sem explicação. Não podemos explicar, mas podemos às vezes, usar o artifício de descrever o mundo do poema ou do sonho. Podemos contar o que tal contexto provoca em nós. Mas não podemos explicar nem um poema, nem um sonho.

Um contexto se caracteriza pela presença de seus elementos. Cada um dos elementos significa os outros elementos. E cada elemento é significado por todos os outros elementos. Não se trata do todo e das partes. Se retirarmos um elemento, descaracterizamos o contexto. O que também ocorre se acrescentamos outro elemento. O ideograma é constituído pela combinação dos caracteres. Podemos compreender o sonho e o poema como um contexto formado por signos-caracteres combinados entre si, pela lei da sugestão.

Condensação, deslocamento, condições para a figurabilidade e formações secundárias podem ser apreendidas pelos sentidos e pela sensação, podem ser vistas, e visualizadas. Tais contextos são imagéticos, no sentido de apresentar imagens. Acrescento aos mecanismos de Freud, o mecanismo da sugestão, uma das leis do ideograma: cada caractere ou signo presente no contexto do sonho, do poema ou do ideograma, sugestiona e é sugestionado pelo demais. Tais signos apresentam imagens uns aos outros, sua maneira de conversar.

Retirar ou acrescentar um signo-caractere, descaracterizaria o contexto.

O poema é um produto do procedimento do poeta com as palavras. Não com a língua, mas com as palavras. O poeta usa de procedimento estético, criando o estranhamento. Apresento duas sentenças:

Pablo Crocodilo entra NA madrugada de uma padaria.

Helena entra de madrugada em uma padaria.

Diferente de uma segunda sentença: entrar DE madrugada em uma padaria, vejam!!!!!!!!!!!!!!!

Mas para ficar mais visual, apresento alguns contextos:

Sonho que Freud apresenta em diagrama:

o (s)

pede-se você feche olho

um

Cummings

Recriação de Haroldo de Campos

i (abe) mó

v

e (lha) l

você (n

a) está (ú

nica)

dorm (rosa) indo