A LINGUAGEM DO POVO

Prólogo

Este é um texto ficcional! Qualquer semelhança com pessoas públicas ou privadas, mortas ou vivas; com fatos reais ou imaginários, é a mais pura e coincidente verdade.

Não imaginei absolutamente nada. Quem me contou “esse lance” (não é assim que falam os jovens?) foi um amigo, atualmente decrépito e descompensado, chamado Zé Preto. – (Nota do Autor).

SOBRE O ESCRITOR DAS MULTIDÕES

Germano dos Anjos foi um dos excêntricos representantes do ciclo do romance nacional. Pela rigorosa seleção da crítica é considerado um dos principais representantes do romance regionalista do Nordeste.

Seu Germano também escreveu biografias, poesias, textos para o cinema, teatro, e até memórias. Além de escritor de causos reais urbanos, atuou sobremaneira como ficcionista. Quando queria, e se a causa compensasse, ele atuava como advogado civilista e criminalista.

Dizem que jamais perdeu uma causa. Pudera, ele tinha um tino para pendengas complexas, mas imperdíveis se bem requeridas e fundamentadas. Ah! O Dr. Germano é também considerado um dos grandes nomes do Modernismo na Literatura Brasileira. – (Nota do Autor).

UM POUCO DE HISTÓRIA

Germano dos Anjos foi um dos mais famosos e traduzidos escritores brasileiros de todos os tempos. Ainda é o autor mais adaptado do cinema, do teatro e da televisão nos dias de hoje.

Suas obras, consideradas sem enfeites literários, conquistaram não só os falantes da língua portuguesa como de outros idiomas: inglês, espanhol, francês, italiano, russo, holandês, alemão, árabe, grego, entre outras.

Todavia, Seu Germano, como gostava de ser chamado, fazia questão de escrever do jeito que o povo falava. Ele teimava em usar a linguagem coloquial ao invés da linguagem formal mesmo quando escrevia e mais ainda quando papeava com seus patrícios.

O ENTENDIMENTO DE SEU GERMANO

"Ora, se o povo fala "girimum", com “gi” eu não tenho que escrever jerimum como os dicionários determinam." – Assim entendia o festejado escritor casado com a também escritora Lindalva das Dores.

Aliás, à boca miúda, dizem que Dona Lindalva era quem escrevia difícil, correto em demasia, e até corrigia, com os enfezados editores, os rabiscos do marido recalcitrante e sempre mal-humorado.

Sobre o fruto da aboboreira ensinava paciente Dona Lindalva ao marido teimoso:

“Meu querido, você é um bom escritor, tem muita imaginação, mas precisa deixar de lado essa mania de escrever tal qual a linguagem do povo, a linguagem coloquial.”.

“Se um adolescente ou mesmo um adulto desavisado ler um seu livro ficará confuso em demasia. Observe que na palavra jerimum, você escrevendo do modo coloquial, cometerá dois erros crassos numa só palavra.” – (sic).

Essas dicotomias culturais não impediram de ambos, marido e mulher, se eternizarem no seletíssimo mundo dos escritores famosos e traduzidos para inúmeros outros idiomas.

SOBRE DONA LINDALVA DAS DORES

Das Dores começou a escrever quando já era fotógrafa de eventos sociais em igrejas. Memorialista (como ela mesma preferia denominar-se), tendo também sido revisora e datilógrafa (hoje seria digitadora. – (Nota do Autor)) dos trabalhos de Seu Germano com quem vivia maritalmente. Dona Lindalva era um doce de candura e feminilidade.

Perfeccionista, embora anarquista por devoção, mais por pressão do que pelo bem entender ser o correto, depois de vários anos de união extraoficial, ela oficializou o casamento com o já famoso escritor Germano dos Anjos.

Conta-se que certa ocasião Dona Lindalva estava em um transporte coletivo e ouviu duas mulheres conversando: a primeira dizia: “A perda do emprego do meu marido foi péssima para toda a nossa família.”.

E a outra comadre, com ares de preocupação, fez um comentário à guisa de consolo: “Mas seu marido está saudável e essa perca do trabalho vai fortalecer a união de toda a sua família.”.

DONA LINDALVA CONVERSANDO COM SEU GERMANO

Chegando em casa Dona Das Dores quis conversar com o companheiro que dormitava numa espreguiçadeira fabricada com bambu e segura por ser trançada com fibras de sisal.

– Querido, perca um pouco do tempo do seu descanso e converse comigo sobre a perda repentina do emprego de um trabalhador. – Disse a escritora aflautando a voz naturalmente feminil.

– Que papo é esse de perda e perca? Quer me explicar o porquê dessa conversa nesse horário tão importante para mim? – Disse franzindo o cenho o escritor que não dispensava um cochilo à tarde.

– É que eu quero testar sua argúcia com o substantivo perda e o verbo perca. Ouvi ainda há pouco essa conversa e creio que só eu percebi o emprego errado do “perca”. Parabéns! Você já identificou o erro do emprego de um verbo como se fosse um substantivo.

– Querida, é por esse motivo que eu escrevo tal qual o povo fala. Você só identificou o erro por ter tido a oportunidade de estudar e de estar sempre atenta às conversas alheias.

É claro que nem todas as pessoas estão interessados nessas diferenças, isto é, no uso correto das palavras contidas num contexto. Veja bem: Creio que pouquíssimos ouvintes perceberam que na música “Só Você”, cantada por Fábio Júnior, há um erro crasso, entre outros na música supra, na segunda estrofe do verso que diz:

“Meu pensamento voa de encontro ao teu será que é sonho meu?” – (sic)

Ora, entrar é diferente de sair, subir é o contrário de descer. Portanto, posso afirmar que “De encontro” é diferente de “Ao encontro”! “Ao encontro de”: Tem significado de “estar de acordo com”, “em direção a”, “favorável a”, “para junto de”.

Já “De encontro a”: Tem significado de “contra”, “em oposição a”, “para chocar-se com”. Exemplos: O carro foi violentamente de encontro ao poste. Meu pensamento foi, vai ou irá ao encontro do seu (teu) pensamento.

Será que o cantor, compositor e ator brasileiro Fábio Jr. quando canta a música “Só Você” queria que o pensamento dele estivesse em oposição aos pensamentos da amada? Não creio! Nem a famosa, bem-vinda e tão em moda licença poética aceita essa interpretação esconsa, essa deformidade, aberração ou teratologia gramatical.

É por isso e por ser mais fácil que eu escrevo do jeito que o povo fala! Para mim “girimum” (sic) com “gi” é o correto e pronto! Ademais, se eu não escrever errado você e os editores ficarão sem ter o que fazer. – (gargalhada estrondosa e tão tonitruante o quanto um trovão.). – (Nota do Autor).

CONCLUSÃO

Não há dúvida: A linguagem coloquial, informal, natural ou popular é uma linguagem utilizada no cotidiano em que não exige a atenção total da gramática, de modo que haja mais fluidez na comunicação oral.

A linguagem coloquial é uma variação de linguagem popular utilizada em situações cotidianas mais informais. A coloquialidade encontra fluidez na oralidade (fala) e, assim, não requer adequação às normas da gramática tradicional (norma culta/padrão da língua portuguesa).

O escritor João Guimarães Rosa, conhecido como “o inventor de palavras”, em sua obra Grande Sertão: Veredas, além de criar novas palavras, utilizou o estilo coloquial de linguagem, uma estratégia eficiente para que o leitor possa construir a imagem de alguns de seus personagens do sertão nordestino.

Todavia, nos concursos sérios o que realmente reprova é escrever do jeito que se fala ou com o som que se ouve. Portanto, jia é com “j” e jerimum, jenipapo, jiboia, jiló, jeito e jeremias também. Todas são com “j” apesar do som ser ouvido com “g”.