"ODISSÉIA", DE HOMERO (continuação da tentativa de resumo: Cantos XI e XII)

“ODISSÉIA”, DE HOMERO

(RESUMO: Cantos XI e XII)

Autoria de: Prof. Dr. Sílvio Medeiros

CANTO XI

Odisseu e tripulação partiram, então, rumo ao Hades (1) [= inferno - em grego, NEKYIA], conforme indicara a deusa Circe. De lá se aproximando, sacrifícios foram realizados em honra dos mortos. Odisseu promete, então, que, para o adivinho Tirésias, um carneiro completamente negro seria sacrificado, tão logo regressassem a Ítaca. Consumado os sacrifícios, do fundo do Érebo as almas dos mortos começam a surgir. Odisseu carregava uma quantia de sangue que deveria ser oferecida, apenas, às almas com as quais desejasse dialogar.

A primeira alma que apareceu foi a de Elpenor, o insepulto cadáver rogando por uma sepultura. Logo em seguida, surgiu a sombra de Anticléia (mãe de Odisseu, que, ainda com vida, deixara em Ítaca - quando o herói seguira para a Tróia sagrada). Contudo, Odisseu não consentiu que a sombra da mãe dele se aproximasse antes de consultar o adivinho Tirésias.

Odisseu, por fim, encontrou a alma do tebano Tirésias. Tirésias (2) então falou sobre o retorno de Odisseu a Ítaca, destacando que evitasse sacrificar os touros e as vacas de Hélio, quando na ilha do referido deus estivessem o herói e toda tripulação, pois, só assim, toda a frota regressaria sem sofrimentos a Ítaca. Disse, ainda, que Odisseu morreria bastante idoso, em seu torrão natal, isto é, Ítaca.

Odisseu ouviu, atento, as coisas que o adivinho Tirésias profetizara, mas demonstrou preocupação em relação à mãe Anticléia, pois queria com ela dialogar. Tirésias orientou-o a oferecer à sombra de Anticléia o sangue do sacrifício que o herói trazia nas mãos. A mãe bebe o sangue negro. Então diz ao filho que morrera de tristeza por sua ausência. Também deu notícias de Penélope, de Telêmaco e falou do infinito sofrimento do velho Laertes, aguardando o retorno do filho.

Após o diálogo com a mãe, Odisseu viu uma longa série de almas: famosas mulheres e famosos guerreiros.

Neste momento, Odisseu interrompe a narrativa e chora, na corte dos Feácios. Entretanto, o rei Alcínoo solicita que Odisseu continue a narrar todas aquelas gestas divinas nos seguintes termos:

“_ (...) Quel charme en tes discours! quel esprit de noblesse! L’aède le meilleur n’eût pas mieux raconté (...) Mais, voyons, réponds- moi sans feinte, point par point: as-tu vu quelques-uns des compagnons divins qui, pour t’avoir suivi sous les murs d ‘Ilion, y truvèrent la mort?’”. (p.98)

“_(...) Tu, porém, sabes dar forma admirável aos teus pensamentos.

Como um cantor eloqüente disseste-nos a narrativa (...)

Vamos! Agora me fala e responde conforme a verdade,

se viste, acaso, qualquer dos excelsos amigos, que outrora

a Ílio viajaram contigo, onde acerbo destino encontraram? (p.200)

Odisseu, atendendo o pedido do rei Alcínoo, dá continuidade à sua narrativa. Narra o reencontro com a alma do rei Agamémnone: o infeliz relata a Odisseu de que maneira fôra morto, por traição - junto a Egisto, o amante - pela própria mulher, a perniciosa Clitemnestra, tão logo regressara da Guerra de Tróia.

Em seguida, o narrador Odisseu fala sobre encontro que teve com a sombra do corajoso Aquiles, o colérico herói da “Ilíada”. As palavras do famoso guerreiro foram as seguintes:

“_ Oh! ne me farde pas la mort, mon noble Ulysse!... J’aimerais mieux, valet de bouefs, vivre en service chez un pauvre fermier, qui n’aurait pas grand’chère, que régner sur ces morts, sur tout de peuple éteint!”

“_ Ora não venhas, solerte Odisseu, consolar-me da Morte,

pois preferira viver empregado em trabalhos do campo

sob um senhor sem recursos, ou mesmo de parcos haveres,

a dominar deste modo nos mortos aqui consumidos.” (p.203)

Aquiles solicita a Odisseu notícias de seu ilustre filho Neoptólemo. Odisseu canta as glórias do corajoso filho de Aquiles no decorrer da Guerra de Tróia. Após ouvir tal relato, a sombra de Aquiles se afasta de Odisseu.

Odisseu encontra, também, a alma de Ájax (ou: Ájaz). Contudo, o valente guerreiro não lhe perdoou, nem depois de morto (ambos, no decorrer da Guerra de Tróia, haviam se desentendido ao disputarem a posse de armas especiais).

Odisseu prossegue a narrativa - na corte dos Feácios - sobre as almas de outros mortais que vira no Hades. Por fim, diz Odisseu, bandos de sombras começam a se aproximar, todas desejando beber do sangue que carregava consigo, pois todas almejavam permanecer na eternidade por meio do canto poético. O herói – apavorado! - abandona a morada de Hades, partindo, assim, do local, sem tardar.

CANTO XII

A frota de Odisseu retorna à ilha de Circe. A primeira providência foi consumar o sepultamento do cadáver insepulto de Elpenor. Logo em seguida, Circe prediz todos os perigos que o herói Odisseu teria, ainda, de enfrentar até o seu retorno a Ítaca. A deusa aconselha o herói como enfrentá-los, ponto por ponto: “_ Vous voilà donc au bout de ce premier voyage! écoute maintenant ce que je vais te dire, et q’un dieu quelque jour t’en fasse souvenir.” (“_ Logo já está realizado isso tudo; atenção ora presta ao que te passo a dizer; aliás há um deus recordar-to.”). Atento, o astucioso Odissseu escuta os detalhes de todas as suas futuras aventuras relatadas pela boca da deusa-feiticeira. Circe o instrui e o previne sobre todos os perigos que teria de enfrentar na região das Sereias - só Odisseu deverá escutar o canto ou as vozes das maviosas Sereias!; e ainda, que Odisseu ficasse mais próximo de Cilas, tomando distância de Caribde, quando o herói fosse enfrentar as duas monstruosas rochas.

Odisseu passa as instruções aos companheiros e, só então, o grupo retoma a viagem.

Odisseu e a tripulação chegam, finalmente, à ilha das Sereias. Odisseu coloca cera no ouvido de cada companheiro, solicitando a eles que o amarrasse com fortes laços no mastro da nau. Passavam, velozmente, pela ilha, mas, subitamente, o herói ouve vozes:

“_ Viens ici! viens à nous! Ulysse tant vanté! l’honneur de l’Achaie!... Arrête ton croiseur: viens écouter nos voix! Jamais un noir vaisseau n’a doublé notre cap, sans ouir les doux airs qui sortent de nos lèvres;

puis on s’en va content et plus riche en savoir, car nous savons les maux, tous les maux que les dieux, dans les champs de Troade, ont infligés aux gens et d’Argos et de Troie, et nous savons aussi tou ce que voit passer la terre nourricière.” (p.119)

“_ Vêm para perto, famoso Odisseu, dos Aquivos orgulho,

traz para cá teu navio, que possas o canto escutar-nos.

Em nenhum tempo ninguém por aqui navegou em nau negra,

sem nossa voz inefável ouvir, qual dos lábios nos soa.

Bem mais instruído prossegue, depois de haver deleitado.

Todas as coisas sabemos, que em Tróia de vastas campinas,

pela vontade dos deuses, Troianos e Argivos sofreram,

Como, também, quanto passa no dorso da terra fecunda.

‘Dessa maneira cantavam belíssima...’” (pp.214,5)

Contudo, mediante o novo ardil de Odisseu, a nau passa totalmente incólume pelas Sereias. Após tais fatos, os companheiros de Odisseu retiraram a cera que lhes tapava os ouvidos. Odisseu alertou-os, então, quanto aos próximos perigos a serem enfrentados, isto é, os monstros-rochosos Cilas e Caribde.

A frota navegou ao longo do estreito habitado pelos dois monstros. De um lado, Cilas, e de outro: Caribde. Temerosos da morte iminente, a tripulação encarava Caribde, quando, repentinamente, Cilas arrebatou ao mar vários companheiros de Odisseu. Todavia, apesar de todo o perigo, a frota conseguiu transpor, sã e salva, ambos os rochedos monstruosos. Agora, a frota encontrava-se na ilha do deus Hélio. Odisseu, seguindo as orientações de deusa Circe, aconselha, mais uma vez, seus companheiros:

“_ Camarades, deux mots! vous avez beau souflir; il faut que vous sachiez ce que Tirésias m’a prédit (dans l ‘Hades): il m’a recommandé, et très fort, d’éviter cette Île du Soleil, le charmeur des mortels; il m’a dit qu’en ces lieux, nous aurions à subir le comble des malheurs... Doublons cette île! écartez-en le noir vaisseau!” (p.123)

“_ Ora me ouvi, companheiros, pesar dos trabalhos sofridos.

Vou revelar-vos orác’los do sábio adivinho Tirésias

e Circe Eéia, quando ambos disseram como muita insistência

porque evitássemos a ilha do deus que dos homens é amigo

a mais terrível desgraça disseram que aqui nos aguarda (...)

_ Caros amigos! Na nave ainda temos comida e bebida;

cumpre pouparmos as vacas, não vá suceder-nos desgraça.

De divindade terrível são todas, e as nédias ovelhas,

de Hélio, que tudo discerne e que todas as coisas escuta...”(pp.217-8)

Entretanto, por insistência de Euríloco e com a concordância dos demais, Odisseu foi obrigado a aportar na ilha que ele tanto desejava evitar. Mas, antes, avisou a todos: no caso de encontrarem uma manada de vacas ou apenas uma ovelha, evitem matá-las!

Contudo, Euríloco instila o veneno no pensamento dos companheiros de Odisseu. Euríloco convence os demais que Odisseu é o único responsável por todos os sofrimentos que enfrentam, e desafia a todos os companheiros a sacrificar os animais da ilha, oferecendo-os em sacrifício ao Olimpo, para que, em breve, pudessem regressar aos seus lares. A matança foi consumada. Além disso, os guerreiros banquetearam-se com as carnes dos animais sacrificados.

Quando Odisseu descobriu que todos haviam desrespeitado suas palavras, repreendeu-os. Porém, o deus Hélio, furioso, convocou os fortes ventos e lançou-os contra as naus. Odisseu e a tripulação foram imediatamente obrigados a deixar a ilha, em debandada, tal a fúria do deus Hélio. Porém, a violência da tempestade era tanta, que tudo destruiu! matando, desse modo, toda a tripulação, exceto Odissseu. O ardiloso herói novamente teve de enfrentar Cilas e Caribde, entretanto conseguiu sair mais uma vez ileso do perigo de morte. Durante nove dias as ondas arrastaram Odisseu, até que o seu exausto corpo foi lançado nas praias da ilha de Ogígia, da deusa Calipso.

Nesse momento, Odisseu dá por encerrada, na corte do Feácios, a sua própria narrativa.

NOTAS

(informações mais detalhadas sobre as notas que seguem abaixo, por gentileza, consultar texto – sobre o mesmo tema – disponibilizado neste site em 26/12/2005)

1. Consoante meus registros das aulas ministradas (segundo semestre de 1995/IEL- UNICAMP) pela Profa. Dra. Jeanne Marie Gagnebin, o Hades, para os antigos gregos, é um país onde não existem sentimentos. Para os gregos homéricos, a morte não é vida nenhuma: Odisseu encontra a sombra de Aquiles (o herói da “Ilíada” homérica) no Hades. Aquiles lamenta ao herói da “Odisséia” que preferiria estar vivo, até mesmo na qualidade de um camponês, do que se encontrar retido eternamente no Hades. Assim, a morte - para os gregos homéricos - era algo assustador; eles possuíam um medo terrível da morte, visto que, para eles, a morte não era vida nenhuma; não há nada depois da morte, ou melhor, trata-se de uma “vida” que não vale a pena ser vivida, isto é, os mortos são sombras sem nenhum valor a perambular eternamente pelo Hades. Por fim, para o pensamento greco-arcaico, não há nada de belo depois da morte. Com efeito, a partir de tais dados, podemos constatar que tanto a “Ilíada” quanto a “Odisséia” homéricas celebram, ambas, a vida como algo maravilhoso!; ao contrário, eles desprezavam a morte, pois não possuíam qualquer interesse pela morte.

HADES = para os gregos é aquilo que é invisível; é aquilo que não podemos ver; algo do qual nada sabemos. Trata-se do reino do “Silêncio”, do qual nada podemos dizer ou nada saber.

“Silêncio” = na verdade: barulho ensurdecedor, confusão. Ao contrário da voz do aedo, que é uma voz articulada, ou melhor, uma voz poética.

2. Neste ponto, Jeanne Marie Gagnebin, relembrando estudos de Gérard Genette, enfatiza que, no Canto XI da “Odisséia”, a viagem empreendida por Odisseu aos infernos foi, na verdade, uma decepção, visto que Odisseu retorna do Hades com poucas informações sobre o seu retorno [NOSTOS] a Ítaca.

Sublinhando outro importante estudo sobre a “Odisséia”, em especial sobre o Canto XI, Jeanne Marie Gagnebin recomenda, ao nosso grupo de alunos, a leitura do artigo “Ducraux Homère et lê temps retrouvé”, de Françoise Frantisi (in “Critique”, maio 1976, n.348), no qual, a referida estudiosa busca uma melhor compreensão do valor do Canto XI na “Odisséia”. Consoante leitura interpretativa-reflexiva de Jeanne Marie Gagnebin do referido artigo, no Canto XI não se trata de saber do mundo dos mortos, mas de saber da função do canto poético (este é o desejo de Odisseu; o canto poético enquanto signo do amor pela vida, visto que todas as sombras ou mortos do Hades gostariam de estar vivos. Nesse sentido, o Canto XI realça o amor pela vida, a sobrevivência no e pelo canto poético.

De outra parte, no Hades há uma multidão anônima. Odisseu encontra dificuldade para dela se afastar (outro temor dos gregos homéricos ou dos gregos heróicos: da multidão sem nome! pois poucos serão lembrados em versos, visto que a lembrança dependerá ou perdurará, dependendo da escolha ou das escolhas do herói Odisseu).

BIBLIOGRAFIA

HOMÈRE. “L’Odyssée”. Texte établi et traduit par Victor Bérard. Tomes I ( huiteme tirage ) , II ( neuvieme tirage) et III (huiteme tirage). Paris: Les Belles Lettres, 1972 - 1974 - 1987.

HOMERO. “Odisséia”. 2ed. Tradução Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.

PROF. DR. SÍLVIO MEDEIROS

janeiro de 2006