"ODISSÉIA", DE HOMERO (continuação da tentativa de resumo dos Cantos finais: XXI, XXII, XXIII, XXIV)

“ODISSÉIA”, DE HOMERO

(RESUMO DE LEITURA: Cantos XXI, XXII, XXIII e XXIV)

À gentil leitora DIANA GONÇALVES,

escritora e educadora,

com

um abraço

do

SÍLVIO MEDEIROS.

CANTO XXI

Telêmaco ordena a Euricléia que feche todas as portas do palácio. A deusa Palas Atena, a de olhos glaucos, inspira Penélope quanto ao plano de celebrar, entre os pretendentes, um concurso de arco e flecha – cujo arco pertencera ao divo Odisseu. O vitorioso do certame seria o futuro marido de Penélope. A fiel mulher de Odisseu anuncia, então, a todos, as regras da prova: retesar um arco e disparar um dardo junto a uma flecha em meio a um orifício formado por uma série completa de doze machados. O porqueiro Eumeu foi designado por Penélope a apresentar as armas aos invasores. O audacioso pretendente Antínoo interpela, em termos ásperos, o divino porqueiro.

Após este violento fato, o jovem valente Telêmaco propõe-se, também, a enfrentar a prova, na tentativa de resgatar a mãe das mãos dos algozes. Em seguida, o próprio filho passa, em nome do sacro poder, a louvar Penélope, dizendo que nunca houvera em todo o mundo mulher tão virtuosa: “_ Ah! misère! c’est Zeus , c’est le fils de Cronos qui me trouble l’esprit. Ma mère, cette femme à l’esprit de sagesse ...”; (“_ Pobre de mim! Por sem dúvida Zeus me privou do bom senso. Diz minha mãe mui prezada, conquanto bastante prudente (...) uma mulher como em terra da Acaia outra igual não se encontra, nem mesmo em Pilo sagrada, tampouco em Micenas, na Argólida, na terra firme anegrada, ou nesta ilha, visível ao longe...”) (p.354).

Depois de pronunciado o louvor, de tal força as palavras, Telêmaco habilita-se a manipular o arco e a flecha. Entretanto, mal consegue sustentar as armas em suas mãos: passa, então, a lamentar o próprio infortúnio da ausência de força física.

Primeiramente, o arrogante pretendente Antínoo propõe que a prova comece com Liodes. Contudo, Liodes foi incapaz de até mesmo vergar o arco.

Enquanto isso, o vaqueiro, o porqueiro Eumeu e o divo Odisseu encontram-se a dialogar. Odisseu, ainda pretendendo testar a fidelidade de ambos, pergunta se eles estariam dispostos a lutar pelo patrão, até que o último retornasse a Ítaca, guiado pelos deuses. Os dois prontamente disseram que sempre estariam ao lado dos desígnios de Zeus e dos deuses propícios, portanto, ao lado do amado patrão. Nesse momento, Odisseu comprova a sinceridade de ambos, revelando-lhes a verdadeira identidade: “... écartant ses haillons, il montra la grande cicatrice.” (“_ Vedê-me aqui! Vou mostrar-vos, agora, um sinal evidente, porque possais conhecer-me, de fato, e ter plena confiança: a cicatriz que ficou dos colmilhos de um grande javardo...” quando caçava, em criança, no monte Parnaso, junto aos filhos de Autólico. O boieiro e o porqueiro põem-se a chorar de emoção diante da revelação tão aguardada. Exultantes de felicidades, os dois homens beijavam-lhe os ombros e a testa; Odisseu beijava a cabeça e as mãos de ambos. Todavia, contido, o divino Odisseu pede, então, que cessem com as lágrimas e as tristezas, pois, naquele momento, o mais importante era transferir aos dois fiéis aliados os detalhes sobre o plano atinente à matança de todos os usurpadores do palácio itacense.

Assim, Odisseu dá ordens imediatas a Eumeu: fechar todas as portas do palácio e também ajuntar as mulheres, distanciando-as do aposento no qual deveria ocorrer a sangrenta matança.

Enquanto isso, os pretendentes Eurímaco e Antínoo, temerosos em não conseguir vencer o certame, começam a planejar o adiamento da participação de ambos na aludida prova. Desse modo, prometeram que, no dia seguinte, fariam um sacrifício dirigido a Apolo, visando alcançarem pleno sucesso no certame. Entretanto, o divino Odisseu insiste, junto aos dois pretendentes, que lhe entregue o arco e a flecha, pois pretendia manipular os instrumentos de guerra e participar, também, da prova. Causou repulsa a Antínoo o desejo do “mendigo”. No entanto, a astuciosa Penélope imediatamente coloca em dúvida a força do estrangeiro. O provocador Eurímaco pede, então, que Penélope ceda ao ancião aqueles instrumentos, a intencionar, com isso, mais tarde, humilhar novamente o ancião pelo provável fracasso no empreendimento.

Finalmente as armas são depositadas nas mãos do divino Odisseu: manejando o arco, Odisseu dispara a flecha, tornando-se o vitorioso do certame!!

Entrementes, a vingança está preste a se concretizar.

CANTO XXII

Logo, Odisseu se despiu das roupas imundas e, primeiramente, fere Antínoo. Em seguida, os coléricos pretendentes investem em conjunto contra Odisseu. O herói itacense, num instante da luta sangrenta, brada:

“_ Ah! chiens, vous pensiez donc que, du pays de Troie, jamais je ne devais rentrer en ce logis! vous pilliez ma maison! vous entriez de force au lit de mes servantes! et vous faisiez la cour, moi vivant, à ma femme!... sans redouter les dieux, maîtres des champs du ciel!... sans penser qu’un vengeur humain pouvait surgir!... Vous voilà maintenant dans les noeuds da la mort!. ” (p.130)

“ _ Cães, não pensáveis, decerto, que um dia voltar eu pudesse

lá da planície de Tróia, e por isso meus bens arruináveis,

às minhas servas fazíeis violências sem conta, aqui dentro,

e pretendíeis-me a esposa, apesar de que eu vivo estivesse,

sem terdes medo dos deuses eternos que moram no Olimpo

nem da vingança dos homens, que um dia pudesse alcançar-vos.

Sobre vós todos, agora, já impendem as malhas da Morte.” (p.366)

A força descomunal de Odisseu - dádiva dos deuses, sobretudo da deusa de olhos glaucos, Palas Atena - vai atirando ao chão um a um, todos os pretendentes!

Odisseu pede, então, ao amado filho Telêmaco que cuide da sala das armas; mas Melântio havia aberto a porta da sala das armas!! Odisseu então mata Melântio.

Em meio à cruel matança Odisseu roga à deusa Atena, que se encontrava no recinto, que o salvasse da morte. Palas Atena, logo em seguida, metamorfoseou-se de andorinha, pondo-se, apenas, a apreciar a batalha sangrenta.

Os pretendentes, imaginando que a deusa havia abandonado o filho predileto, Odisseu, investiram armados de dardos contra o divino herói. Porém, a deusa, a de olhos glaucos, desvia todos os dardos lançados contra Odisseu. A partir desse momento, a matança ganhou um ritmo bastante acelerado, com Odisseu, finalmente, dando cabo a todos os pretendentes.

Entretanto, resta um aedo no salão. Suplicante, o aedo (poeta-cantor) Fêmeo, que à força cantava em meios aos pretendentes, assim se dirige ao divo Odisseu Laercíada:

“ _ Je suis à tes genoux, Ulysse, épargne-moi!... ne sois pas sans pitié!... Le remords te prendrait un jour d’avoir tué l’aède, le chanteur des hommes et des dieux! Je n’ai pas eu de maître! en toutes poésies, c’est un dieu qui m’inspire! je saurai désormais te chanter comme un dieu! donc résiste à l’envie de me couper la gorge!...” (p.143)

“Os teus joelhos abraço, Odisseu; tem piedade e respeito!

Arrependido virás a ficar se matares a um vate,

cujas canções sempre foram dedicadas aos deuses e aos homens.

Fiz-me por mim, tão-somente, que um deus em minha alma ditou-me

muitas canções. Dá que possa cantar junto à tua pessoa

como ante um deus; não procures, portanto, privar-me da vida.” (p.375)

Diante de tais palavras, e por recomendação do prudente filho Telêmaco, Odisseu poupa o aedo da morte certa.

Após constatar que todos os pretendentes estavam mortos, o herói Odisseu chama a escrava Euricléia e ordena-lhe que limpe todo o salão ensangüentado; depois, quis conhecer o número de mulheres escravas traidoras. Todas são mortas, enforcadas, de uma só vez, por Telêmaco, numa emboscada.

CANTO XXIII

Euricléia corre aos aposentos de Penélope e dá a notícia que Odisseu está no palácio! e acabara de matar todos os pretendentes!!

Penélope supõe, aturdida, que os deuses haviam enlouquecido a fiel criada Euricléia. Entretanto, Euricléia insistia, em narrar a Penélope, todos os detalhes daquilo que somente ouvira e outros (pois as escravas encontravam-se encerradas numa sala próxima ao local da matança, por ordem de Odisseu) contaram, com respeito à matança dos pretendentes. A ardilosa Penélope até finge naquilo tudo acreditar, mas, por fim, resolve, então, deixar os seus aposentos, no intuito de confirmar, junto ao filho, os fatos revelados e relatados por Euricléia. Entretanto, Penélope foi duramente interpelada pelo indignado Telêmaco, pois a mãe continuava a duvidar da presença de Odisseu no palácio.

“_ Ton coeur est trop cruel, mère! ô méchante mère! de mon père, pourquoi t’écarter de la sorte? ... auprès de lui, pourquoi ne vas-tu pas t’asseoir, lui parler, t’énquerir?... fut-il jamais un coeur de femme aussi fermé?... s’éloigner d’un époux quand, après vingt années de long maux et d’épreuves , il revient au pays!... Ah! ton coeur est toujours plus dur que le rocher!” (p.154)

“_ Sem coração! Não és mãe! Sentimento cruel tens no peito.

Por que motivo te afastas, assim, de meu pai e ao seu lado

não vens sentar-te, fazendo perguntas e ouvindo-lhe a fala?

Nenhuma esposa ficaria insensível desta arte, sentada,

longe do caro marido, que, após vinte anos de ausência

e de trabalhos, voltasse, afinal, para a terra nativa.

Tens coração no imo peito, em verdade, mais duro que a pedra.” (p.384)

Com efeito, a prudente Penélope, em segredo, nutre um plano: somente Odisseu seria capaz de reconhecer certos sinais relativos à intimidade conjugal do casal. E Odisseu descreve os detalhes sobre a construção do leito conjugal:

“... La façon de ce lit, c’était mon grand secret! C’est moi seul, qui l’avais fabriqué sans un aide. Au milieu de l’enceinte, un rejet d’olivier éployait son feuillage; il était vigoureux et son gros fût avait l’épaisseur d’un pilier: je construisis, autour, [ en blocs appareillés,] les murs de notre chambre [ ; je la couvris d’un toit] et, quand je l’eus munie d’une porte aux panneaux de bois plein, sans fissure ...” (p.158)

“ ... ; _ um sinal tinha outrora,

particular, esse leito bem-feito, que eu próprio construíra.

Uma oliveira de espessa folhagem no pátio crescera;

como coluna era o tronco maciço depois de florido.

à volta dele elevei minha câmara, até vê-la pronta,

toda de filas de pedras e um teto bem-feito por cima.

Sólidas portas lhe pus, trabalhadas com muito carinho.

Só depois disso cortei a folhagem da grande oliveira

e o tronco todo lavrei, desde baixo, alisando-o com bronze,

para em um pé transformá-lo, da cama, furando-o com trado... (p.387)

A descrição narrada por Odisseu era verdadeira, e Penélope constata, finalmente, estar, frente a frente, junto ao marido, desaparecido há vinte anos! Lacrimosa, Penélope abraça o tão querido marido. Odisseu diz, então, para Penélope, a predição do adivinho – residente no Hades - Tirésias:

“_ O femme, ne crois pas être au bout des épreuves! il me reste à mener jusqu’au bout,quelque jour, un travail compliqué, malaisé, sans mesure: c’est le devin Tirésias qui me l’a dit, le jour que, débarqué à la maison d’Hades, je consultai son ombre la voie du retour pour mes gens et pour moi... Mais gagnons notre lit, ô femme! il est grand temps de dormir, de goûter le plus doux des sommeils!” (pp.160-161)

“_ Ainda, mulher, não chegamos à meta das nossas desditas,

sim me reserva o futuro acabar uma empresa indizível,

longa e difícil, que a mim, só, compete levar a bom termo.

A alma do vate Tirésias desta arte me fez vaticínios

quando no de Hades palácio a pisar eu me vi obrigado,

para que dele instruções obtivesse a respeito da volta.

Mas para o leito subamos, mulher, finalmente, que juntos

no doce sono possamos fruir agradável repouso.” (p.388)

Ambos se aconchegam no leito nupcial e aos prazeres do amor se entregam. Uma vez saciados os desejos, Odisseu narra, então, a Penélope, todas as aventuras e desventuras vividas durante o seu longo exílio de Ítaca. A última história foi sobre os cordiais Feácios... e, por fim, a ambos o sono agradável e relaxante lhes sobreveio.

A Aurora, de dedos de rosa, sai do Oceano, para que aos homens a luz conduzisse. Odisseu desperta e demonstra o desejo de rever o pai, o velho herói itacense Laertes.

CANTO XXIV

O deus mensageiro do Olimpo, Hermes, conclamava pelas almas dos pretendentes, “convidando-as”, desse modo, a entrar no Hades. O deus mensageiro guiava uma grande chusma de almas uivantes, todas em direção ao interior do Reino dos Mortos. Lá se encontravam as almas dos guerreiros Argivos a dialogar e a se perguntarem de quem afinal se tratava tão grande número de almas que entrava pelo Hades a um só tempo.

Então, a alma do pretendente Anfímedonte narra, a todos, os acontecimentos que dera origem à história do reencontro entre o herói Odisseu e sua fiel Penélope. Anfímedonte resume, às sombras ouvintes, o “Nostos” (o “Retorno” do herói a Ítaca) do divino Odisseu. Um início de revolta se alastra entre as sombras dos heróis gregos já mortos, porém, logo aplacada pela interferência e sensatez de Palas Atena.

Enquanto tais desdobramentos tinham lugar nas profundezas do Hades, Odisseu sai em busca do pai, Laertes, que, desgostoso pela ausência do filho, se encontrava em profundo estado de melancolia, em auto-exílio numa fazenda distante de Ítaca.

Chegando ao local, Odisseu se apresenta a Laertes; porém, o pai não reconhece o amado filho. Então, em primeiro lugar, Odisseu diz ao pai chamar-se Epérito; narra, então, uma breve história, dizendo ao infeliz Laertes que Odisseu estivera em suas terras num período de quatro anos. Laertes põe-se a chorar convulsivamente. O filho, penalizado com a angústia do pai, apresenta-se, finalmente, como Odisseu. Laertes ainda duvida da veracidade daquelas palavras, pedindo provas ao herói. Odisseu então passa a apresentar uma série de sinais: dentre eles, pede para Laertes examinar a cicatriz que trazia numa das pernas. Em seguida, rememora como se dera a disposição das árvores frutíferas durante a formação do pomar de Laertes. Diante de tais sinais, Laertes convence-se, finalmente, tratar-se realmente do seu filho Odisseu. Ambos se abraçam e choram. Em seguida, vão saborear uma refeição a fim de festejar o tão aguardado reencontro.

Enquanto isso, a “Fama” - a rápida mensageira - espalha as recentes notícias por toda Ítaca.

Eupites, pai de Antínoo, corre até a Ágora, conclamando todos os cidadãos itacenses a erguerem-se contra o herói Odisseu, responsável por todas as desgraças advindas à pátria.

Contudo, do alto do Olimpo, Palas Atena implora a Zeus que cesse a guerra:

“ _ Fils de Cronos, mon père, suprême Majesté! réponds à ma demande! n’as -tu pas en ton coeur quelque dessein caché? vas-tu faire durer cette guerre funeste et sa mêlée terrible? ... ou veux-tu rétablir l’accord des deux partis?

“_ Crônida, pai de nós todos, senhor poderoso e supremo!

Dize-me, que ora te peço: o que tens no imo peito guardado!

O prélio horrível desejas e a fera batalha, que sejam

efetuados, ou queres que a paz entre os grupos se firmem?” (p.407)

Assim, do Olimpo, por Zeus, Palas Atena, a deusa de olhos glaucos, é autorizada a atirar sua lança mortal contra Eupites: o infeliz tomba vencido. E o pacto de paz permanente a donzela de Zeus poderoso, a de olhos glaucos, Palas Atena, firmou entre os grupos inimigos.

FIM

BIBLIOGRAFIA

HOMÈRE. “L’Odyssée”. Texte établi et traduit par Victor Bérard. Tomes I ( huiteme tirage ) , II ( neuvieme tirage) et III (huiteme tirage). Paris: Les Belles Lettres, 1972 - 1974 - 1987.

HOMERO. “Odisséia”. Tradução Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.

PROF. DR. SÍLVIO MEDEIROS

verão de 2006