VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

Durante muitos anos a mulher foi o grande alvo da violência doméstica e familiar. Muitas foram agredidas,torturadas, difamadas, injuriadas, e até assassinadas, sem que lhes fosse garantida qualquer proteção. Algumas poucas que se aventuraram a denunciar os seus maridos e companheiros, terminaram sendo ridicularizadas por policiais, em nome de um velho provérbio popular de que “ em briga de marido e mulher ninguém deve meter a colher”, fruto de uma ditadura do masculino sobre o feminino, resultado da predominância de uma sociedade machista e preconceituosa que sempre considerou a mulher como um simples objeto do prazer sexual do homem e uma serviçal, encarregada dos trabalhos domésticos e da criação dos filhos, conforme se deduz de outro provérbio popular de cunho discriminatório que “lugar de mulher é na cozinha ”.

Não pensem todavia que este tipo de violência já foi banida da sociedade, pelo contrário, a violência doméstica continua a existir em pleno século XXI, só que de forma menos explícita, e o pior é que muitos filhos destas famílias, reproduzem as posturas que vivenciaram no interior de seus lares.

A sociedade há muito tempo sentia-se incomodada com as práticas violentas no seio familiar contra a mulher, resultando na criação da Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, em homenagem a biofarmacêutica Maria da Penha Maia que lutou durante 20 anos para ver seu agressor condenado.

Ela virou símbolo contra a violência doméstica. Em 1983, o marido de Maria da Penha Maia, o professor universitário Marco Antonio Herredia, tentou matá-la duas vezes. Na primeira vez, deu um tiro e ela ficou paraplégica. Na segunda, tentou eletrocutá-la. Na ocasião, ela tinha 38 anos e três filhas, entre 6 e 2 anos de idade.

Ao contrário do que muitos pensam, a violência doméstica não se limita apenas as agressôes de maridos e companheiros para com as suas esposas e companheiras. Atos de violência de um irmão contra uma irmã, de um pai contra a filha ou enteada, de um genro contra a sogra, de um amante contra a amante, de um primo contra uma prima, de um namorado contra a namorada, de um patrão contra a funcionária com a qual mantinha um relacionamento afetivo em segredo, desde que ela possa provar este relacionamento com testemunhas, e até mesmo sem vínculo familiar, desde que vivam no mesmo espaço da família, em contato permanente com as pessoas daquele local, inclusive as esporadicamente agregadas, podem ser enquadrados na Lei Maria da Penha.

Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão que lhe cause lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral, patrimonial ou morte.

Desde que praticada no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas, como já foi dito;

Quando praticada no âmbito da “família”, aqui compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais(parentesco consanguíneo), por afinidade ( Ex. parentes do companheiro(a), enteado(a)), ou por vontade expressa ( Ex. filho(a) adotivo);

Em qualquer relação íntima de afeto ( Ex. amante, namorada(o)), na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação e de orientação sexual (o que se deduz que a relação homoafetiva está incluída).

Atos de violência de um homem contra uma mulher sem que haja caracterizado o parentesco ou relacionamento afetivo, ou no caso de inexistência de vínculo familiar, que não vivam no mesmo espaço da família, em contato permanente com as pessoas daquele local, não são protegidos pela Lei Maria da Penha, sendo considerados crimes comuns, que dependendo da potencialidade, podem ser da competência do Juizado Criminal ou da Justiça comum.

Quais são os crimes enquadrados na Lei Maria da Penha ?

Segundo o art. 7o da referida Lei, são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal (Ex. Agressão, relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força);

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades (Ex. retenção das roupas, documentos e bens pessoais da ofendida, destruição dos móveis residenciais, venda de bens móveis ou imóveis para prejudicar a ofendida, etc);

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Convém esclarecer, já que este texto é dirigido para pessoas com pouco ou nenhum conhecimento jurídico, que entende-se por Calunia a atribuição de fato criminoso determinado, dirigido a outra pessoa de que saiba o ofensor não ser verdadeiro. Exemplo: quando o ofensor afirma “ Você é uma ladra que anda roubando meu dinheiro”, sabendo ele ser falsa a afirmação.

Ou na forma disfarçada, dissimulada, demonstrando a todo tempo a intenção de causar o dano a ofendida, através indeterminações, tais como “ouvi dizer que você roubou sua amiga fulana”, “comentam por ai que você está vendendo drogas”, “falam por ai que você contaminou fulano com doença venérea”, etc. isto é o que em direito chamamos de “animus caluniandi ou ânimo de caluniar, vontade de caluniar). È importante saber que a ofensa atribuída pelo ofensor está enquadrada como crime. Ex. ...você roubou sua amiga. (roubar é crime).

Constitui Injúria, as ofensas pessoais dirigidas a pessoa da vítima, tais como filha da p..., vadia, mulher safada, rapariga, e outras consideradas de baixo calão, que ofendem a dignidade e o decoro da vítima, atingindo-lhe os atributos morais, físicos e intelectuais, além da honra subjetiva, isto é, a pretensão de respeito à dignidade humana, representada pelo sentimento ou concepção que a ofendida tem a seu respeito;

Já a Difamação, são fatos ofensivos e desonrosos dirigidos contra a pessoa da ofendida em tom escandaloso, chamando a atenção dos vizinhos e pessoas que passavam no local, demonstrando-se o “Animus diffamandi ou seja, a vontade de difamar” , ofender, denegrir e atingir a honra da ofendida, propagando as ofensas junto a outras pessoas. A Difamação é na verdade, uma injúria propagada em um universo maior de pessoas, demonstrando a intenção do ofensor, de causar um dano maior.

Como devem proceder as vítimas de violência doméstica?

Nas cidades onde existir o Juizado de Violência Contra a Mulher ( se não existir o Juizado, o processo vai tramitar em uma das varas criminais do Município), deve a vítima procurar o próprio Juizado, o Promotor de Justiça ou o Defensor Público, ou a própria Delegacia da Mulher (se não existir no município, pode ser qualquer Delegacia do bairro), informar o tipo de violência que está sofrendo e pedir Medidas Protetivas de Urgência contra o ofensor que consistem em:

1. Suspensão/Restrição do porte de armas do agressor.

2. Afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência.

3. Não aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, no limite mínimo, de 100 metros.

4. Proibição de contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas.

5. Proibição do agressor de freqüentar os seguintes locais: endereço residencial/local de trabalho e creche/local de estudo dos filhos, a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida.

6. Restrição ou suspensão de visitas aos filhos menores.

7. Prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

8. Encaminhamento da ofendida e dependentes a programa oficial de proteção e atendimento.

9. Recondução da ofendida e dependente ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor.

10. Afastamento da ofendida do lar, domicílio ou local de convivência, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos.

11. Separação de corpos.

12. Restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida.

13. Proibição temporária para celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de bens de propriedade comum.

14. Estabelecimento de caução provisória mediante depósito judicial por perdas e danos materiais decorrentes da violência doméstica sofrida.

15. Garantia de proteção policial.

16. Encaminhamento à entidade hospitalar e ao Instituto Médico Legal.

17. Transporte da ofendida e de seus dependentes para local seguro, havendo risco de vida.

18. Acompanhamento da ofendida na retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar.

19. Suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor.

Tomando estas providencias, a vítima ficará protegida contra ofensor, que se não obedecer o que lhe foi determinado pelo Juiz, será decretada de imediato a prisão preventiva. É importante conseguir testemunhas que tenham conhecimento dos fatos, podendo ser até os familiares da vítima, para que confirmem os atos de violência alegados.

Em caso de urgência, quando o marido, companheiro, ou qualquer outro enquadrado no perfil já explicado acima, estiver destruindo os móveis e objetos da ofendida, ou agredindo-a, deve a mulher ligar para a polícia militar(190), dizer que se trata de violência familiar e pedir proteção urgente. Nesta situação o ofensor será preso e conduzido para Delegacia, onde o Delegado providenciará a lavratura do flagrante, enviando o ofensor para o Presídio, comunicando o fato ao Juiz para providencias posteriores.

A ofendida não deve tolerar qualquer tipo de violência contra a sua pessoa, da mesma maneira que não deve ter medo de pedir providencias para assegurar a sua integridade. Lembrem-se que só através das atitudes, podem as pessoas expressar de forma sincera os seus sentimentos, e a violência familiar é uma atitude repugnante e desumana contra a mulher, que deve ser hostilizada por todos, porquanto imperdoável e repulsiva.