PLANEJAMENTO FAMILIAR SEXUALIDADE, ABORTO E INCLUSÃO SOCIAL

PLANEJAMENTO FAMILIAR SEXUALIDADE, ABORTO E INCLUSÃO SOCIAL

O papel da prevenção, da ação educativa e da normatização

1. Introdução - 2. Objetivo - 3. Metodologia - 4. Direito reprodutivo – definição e evolução - 5. Aborto – definição –proposta legislativas para solução do problema – inserção no contexto social brasileiro - 6. Impropriedade da busca de soluções através do normativismo jurídico – relação taxa de fecundidade x aumento da miséria x evasão escolar -

7. Sexualidade e contracepção – acesso ao planejamento familiar – Direito reprodutivo – possíveis soluções -

8. Conclusão - 9. Bibliografia

1. Introdução

No Estado brasileiro o positivismo é praticamente um apostolado, acredita-se que tudo pode ser resolvido através da edição de leis. Sempre que se nos apresenta um problema social busca-se solução através da elaboração e publicação de leis, que se espera, de per si, resolvam o problema.

É precisamente isso que tem ocorrido quando se trata de aborto e sexualidade. O programa de planejamento familiar brasileiro é um dos melhores do mundo, mas simplesmente não funciona para quem dele precisa que são as classes menos abastadas. A desinformação leva a gravidez indesejada, que leva a dois caminhos ou a maternidade precoce ou ao aborto. Ambos não oferecem vantagens nem para a mulher nem para a sociedade.

Se compararmos dados da década de 70 com atuais veremos que a taxa de fecundidade caiu em mais de 50% (cinqüenta) por cento, sendo esta uma prova inequívoca que a mulher dos dias atuais deseja ter menos filhos, pois, isso significa dar-lhes melhor qualidade de vida. Segundo dados da FGV (Fundação Getulio Vargas) o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é inversamente proporcional ao número de filhos por mulher. Equivale dizer que, as regiões que tem famílias maiores mais têm IDH menor que as regiões com famílias menores. Destarte, pode-se inferir que quanto maior a pobreza, maior a densidade demográfica, maior a taxa de fecundidade.

Cumpre destacar que não se deve confundir número de filhos por mulher com taxa de maternidade que se refere a um maior número de mães com menos filhos. Esta é extremamente benéfica. Dados da FGV demonstram que os municípios com maior taxa de maternidade tendem apresentar maiores indicadores de bem estar sociais globais como maiores Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), menores taxa de pobreza, assim como, maiores indicadores de aproveitamento educacionais.

O fato de boa parte das mulheres de uma localidade serem mães geram altos benefícios sociais como alta freqüência e aproveitamento escolares e baixa mortalidade infantil, o problema das regiões pobres é o número de filhos por mãe que acaba prejudicando a qualidade da criação dos filhos.

Há dados que demonstram de forma inequívoca que o planejamento familiar é extremamente benéfico à mulher e a sociedade e, mesmo assim não se consegue levar a termo um programa eficaz. As mulheres não têm acesso às garantias legais que já possuem oriundas da Lei 9.263/96 que em seu art. 1º assegura que “o planejamento familiar é DIREITO de todo cidadão”. Segundo dados do Ministério da Saúde a distribuição de métodos contraceptivos teve início no mês de fevereiro do corrente ano para 1.388 municípios com mais de 100 mil habitantes e/ou que contam com pelo menos cinco equipes de Saúde da Família, de todos os estados brasileiros. A distribuição está sendo feita nos quantitativos abaixo :

- pílula combinada: 10.986.589 cartelas;

- minipílula: 1.500.805 cartelas;

- pílula de emergência: 352.361 cartelas;

- injetável mensal: 439.040 ampolas.

Está em curso processo para efetivar compra dos quantitativos necessários para atender à nova

proposta nos demais municípios brasileiros:

- pílula combinada: 25 milhões de cartelas;

- minipílula: 1,21 milhão de cartelas;

- pílula de emergência: 200 mil cartelas;

- injetável mensal: 800 mil ampolas;

- diafragma: 12 mil unidades;

- DIU: 176 mil unidades;

- injetável trimestral: 250 mil ampolas

Embora disponibilizados, tais recursos não chegam a atingir os resultados esperados, ou seja, não chegam às mulheres que deles poderiam se beneficiar. Assim, embora implemente políticas que, em tese, levariam a um efetivo planejamento familiar pode-se facilmente observar que tais medidas não chegam as classe menos favorecidas.

Exemplo da ineficácia das ações governamentais pode ser observado em pesquisa da FGV no município do Rio de Janeiro demonstrando que a fecundidade de mulheres nas favelas cariocas é duas vezes maior do que nos bairros de renda mais alta, mas no caso dos adolescentes a taxa é cinco vezes maior. Assim, uma adolescente moradora da favela da “Rocinha” tem cinco vezes mais chances de engravidar do que uma adolescente de classe médio-alta residente em São Conrado. Sendo que “Rocinha” e São Conrado são limítrofes.

O direito reprodutivo é o direito básico de toda pessoa de decidir quantos filhos quer e quando quer ter cada filho – sem discriminação, coerção ou violência de qualquer espécie.

A gravidade do problema pode ser observada a partir dos seguintes dados: das crianças de 0 a 2,5 anos 4% pertencem a classe A e 7% à classe B. As classes A e B respondem por 23% da população, mas contribuem com 11% das crianças. Da classe média (que no Brasil já é pobre) para baixo nascem 89% das crianças. Só na classe E nascem 42%. Assim, condena-se quem é pobre a ser cada vez mais miserável e aumentar ainda mais o abismo entre classes sociais .

O assunto é delicado, a igreja muito forte e cabalmente contra os métodos contraceptivos e o aborto, os políticos não se interessam por enfrentar o problema de frente, custar-lhes-ia muitos votos. Assim, relegam ao judiciário a responsabilidade da solução de matérias controversas como aborto, pois envolvem pesados custos eleitorais e, simplesmente não há vontade política na consecução de outras, e.g., na verdadeira efetivação do planejamento familiar.

2. Objetivo

Pode-se observar, através dos dados ut supra uma convergência de vontades de boa parte do governo, mulheres e sociedade no sentido de reduzir a taxa de natalidade através do planejamento familiar, pois isto, consequentemente, levaria a redução do número de abortos, contribuiria na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, alem de garantir melhor qualidade de vida às mulheres e a sua prole. É consenso que um número menor de filhos é benéfico para toda a sociedade. Também se podem observar algumas ações do governo no sentido de efetivar o planejamento familiar, embora não se vislumbre vontade política para a solução dos problemas.

Segundo a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), dez milhões de brasileiras, aproximadamente, vivem expostas à gravidez indesejada , seja por uso inadequado de métodos anticoncepcionais ou mesmo por falta de conhecimento e/ou acesso aos mesmos.

Questiona-se: porque não se obtém êxito com as políticas implementadas? O que falta para que as classes menos favorecidas tenham realmente acesso ao planejamento familiar? Como reduzir os dados alarmantes sobre o aborto ilegal que segundo a da Organização Pan-Americana de Saúde correspondem a 12% dos óbitos maternos? A normatização é o caminho para solucionar estas questões? A quem pode interessar que a situação caótica atual?

São principalmente estas questões que se buscará esclarecer no presente trabalho e, desta forma, prestar modesta, mas significativa contribuição à elucidação das demandas ora apresentada e outras que exsurgirem no decorrer da pesquisa.

3. Metodologia

Esta pesquisa não intenta ser somente uma exegese sobre o referido tema, buscará ser uma análise epistemológica da relação entre Estado, mulher e sociedade no tocante ao planejamento familiar.

Para tanto, buscaremos informações através da perscrutação da legislação vigente, de propostas para melhoria da atual situação e de dados estatísticos. Para captação de dados valer-nos-emos de fontes de respaldo nacional e internacional como Fundação Getulio Vargas (FGV), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), Ministério da Saúde, Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (UNESCO), dentre outras.

A presente pesquisa será feita tendo como marco inicial a análise da atual situação brasileira no tocante ao planejamento familiar e as duas principais conseqüências de sua ineficácia que são o aborto ilegal e o aumento do numero de filhos nas classes C, D, E, buscando perquerir quais as conseqüências que essa situação pode ocasionar a sociedade brasileira, procurando demonstrar também possíveis soluções à questão ora apresentada.

4. Direito reprodutivo – definição e evolução

O direito reprodutivo é parte dos Direitos Humanos reconhecidos por leis e acordos internacionais. É o direito básico que toda tem pessoa de decidir quantos filhos quer e a época apropriada de tê-los.

Mas para fazer valer esse direito é mister que as pessoas tenham acesso a informações que lhes possibilitem a efetivação do direito. Quando, atendendo aos requisitos legais (ser maior de 25 anos com 2 filhos vivos), a mulher tenta uma laqueadura ou o companheiro uma vasectomia pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e não consegue ou quando a mulher busca anticoncepcional no posto de saúde e não encontra a quem devem recorrer?

Em Documentário apresentado pelo Dr. Drauzio Varella no dia 04/12/2004 no programa Fantástico da Rede Globo de Televisão, demonstrou-se a enorme dificuldade de uma mulher conseguir realizar laqueadura pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Quando a mulher não consegue realizar o procedimento não tem a quem recorrer, não encontra orientação de como proceder. Segundo o Ministro da Saúde Saraiva Felipe “o Ministério da Saúde não tem gerência sobre os serviços de saúde. Nos hospitais maiores, os serviços de referência, estão sob o controle das secretarias estaduais, mas os ambulatórios e postos são geridos pelos municípios. De qualquer forma, é bom que o ministério seja informado porque o governo federal é o principal financiador do SUS”.

Assim, embora no século 21, ter filhos já não seja a principal função da mulher. O acesso aos métodos anticoncepcionais está cada vez mais distante das mulheres pobres, acabando por gerar uma realidade diversa da pretendida. É o que se pode constatar com a pesquisa realizada pelo IBGE no Censo 2000, segundo a qual o número de mulheres acima de dez anos que tiveram filhos no Brasil aumentou de 49,32% para 60,8% entre 1970 e 2000 e, dados mais recentes da Pnad (Pesquisa Nacional de Amostras a Domicílio) de 2003 mostram que o número de mães subiu para 62,18%.

Entre 1970 e 2000, a média de filhos caiu de 5,8 para 2,9 no país e, atualmente, encontra-se em 2,3. A pesquisa mostra ainda número de mulheres solteiras que são mães aumentou de 2,73% para 16,37% entre 1970 e 2000.

Queda manifesto, de forma inequívoca, que a mulher não deseja uma prole numerosa e sem planejamento. Quanto menos filhos mais atenção lhes pode, melhor qualidade de vida terão, sendo esse, sem dúvida, o anseio da mulher brasileira. Mas apesar disso, o número de mães solteiras teve forte aumento, também houve acréscimo no numero de mães em geral. Cumpre destacar que esses dados só são expressivos entre a mulheres das classes C, D e E, pois, entre mulheres das classes A e B esse acréscimo foi pouco significativo.

A parcela mais pobre da sociedade brasileira vive à margem do planejamento familiar, prova disso são os dados da FGV que demonstram que apesar de o número de filhos por mães ter diminuído em todo o país, a única faixa etária em que o índice cresceu é a dos adolescentes (entre 15 e 19 anos). Em 1980, havia oito filhos em cada grupo de cem adolescentes. Em 2000, o número subiu para nove. Nas favelas do Rio a proporção é ainda maior. Para cada grupo de cem adolescentes, há 26 filhos, enquanto nos bairros ricos da cidade há apenas 5. No total do município, há 15 crianças nascidas em cada grupo de cem adolescentes. Será essa uma realidade escolhida pelas próprias adolescentes ou fruto do total descaso da sociedade e dos governantes para com o problema.

Esse aumento leva-nos a um outro dado alarmante o aumento do numero de abortos realizados à margem da lei.

Destarte, pode-se inferir que a falta de planejamento familiar, está diretamente ligado ao aumento do número de abortos ilegais, sendo que esse aumento ocorre, de forma mais expressiva, nas camadas mais pobres da sociedade.

5. Aborto – definição – propostas legislativas para solução do problema – inserção no contexto social brasileiro

Assunto extremamente polêmico desde o seu âmago, pois, a própria definição do que venha a ser aborto já é tarefa difícil. Para uma corrente, encabeçada principalmente por médicos, aborto é todo produto da concepção eliminado com peso inferior a 500g ou idade da gestão inferior a 20 semanas. Para uma segunda corrente, encabeçada principalmente por religiosos, O aborto é a morte de uma criança no ventre de sua mãe produzida durante qualquer momento da etapa de vida que vai desde a fecundação (união do óvulo com o espermatozóide) até o momento prévio ao nascimento.

A argumentação da primeira corrente é a seguinte:

Se o aborto é a morte deliberada de "alguém", vale dizer: de uma "pessoa", quando, no embrião, se identifica uma pessoa? Para isto devemos procurar uma definição do termo "pessoa". Maurizio Mori, debatendo este ponto, assinala que todos concordariam se afirmássemos que uma pessoa é, primeiramente, um "indivíduo" que se distingue dos demais seres naturais por uma possibilidade inédita, a "racionalidade". Pessoa é, então, o indivíduo racional. "Indivíduo" é uma palavra cuja origem latina denota "aquele que é indivisível" onde se pode identificar uma relação de subordinação das partes ao todo. Tendo presente esta definição, se tomarmos um embrião com oito células e o dividirmos, teremos gêmeos monozigóticos que percorrerão um desenvolvimento autônomo e diferenciado. Se, entretanto, logo em seguida, voltarmos a unir estes dois grupos de células teremos, de novo, um único embrião. Queda manifesto que não estamos, nesta hipótese, diante de um "indivíduo", mas de um agrupamento de células ainda largamente indiferenciadas cujo desenvolvimento não está pré-determinado. (Até o 14º dia após a fecundação, por exemplo, o aglomerado de células pré-embrionárias ainda não diferenciou aquelas que irão formar o feto e aquelas que irão formar a placenta).

Quanto à característica potencial de racionalidade, sabe-se que ela é simplesmente inconcebível sem a presença do córtex cerebral, processo que só se anuncia ao término do terceiro mês de gestação. Antes disto, então, definitivamente, não temos uma "pessoa".

Para os defensores desta corrente, reconhecer a presença de “vida humana” no embrião é um problema essencialmente filosófico, religioso. O filósofo católico Jacques Maritain, considerava um verdadeiro absurdo atribuir a existência de “alma” ao embrião.

Para a segunda corrente o vida ocorre no momento da fecundação, destarte, qualquer ato que atente contra essa nova formação é, consequentemente, um ato contra a vida, pouco importando o tempo decorrido, por isso, consideram como aborto inclusive a utilização, p.ex., da pílula do dia seguinte. Saliente-se que existe atualmente em tramite no Congresso Nacional Projeto de Lei nº 5379/2005 de autoria do Deputado Carlos Nader visando efetivar a proibição da chamada “pílula do dia seguinte”.

Foi sem dúvida o Cristianismo que trouxe a concepção, válida até hoje, de que o feto, mesmo no ventre materno, embora não se possa reputar como pessoa no sentido jurídico, representa um ser a quem a sociedade deve proteger e garantir seu direito fundamental à vida. Neste sentido, Jorge Miranda faz certo que: "É com o Cristianismo que todos os seres humanos, só por o serem sem acepção de condições, são considerados pessoas dotadas de um eminente valor. Criados à imagem e semelhança de Deus, todos os homens são chamados à salvação através de Jesus que, por eles, verteu o Seu Sangue. Criados à imagem e semelhança de Deus, todos os homens têm uma liberdade irrenunciável que nenhuma sujeição política ou social pode destruir".

Uma linha mais radical de cristãos defende a punibilidade do aborto, inclusive, nos casos que a vida mãe esteja em risco ou quando há um caso de anencefalia, para eles é impossível dizer que a vida da mãe vale mais que a do filho, que também é sujeito de direitos (jurídicos e divinos). Exemplo desta linha mais radical é o Projeto de Lei nº 7235/2002 de autoria do Deputado Severino Cavalcanti que propõe a revogação do artigo 128 do Código Penal, passando a considerar crime o aborto praticado no caso de oferecer risco a vida da gestante e quando a gravidez for oriunda de estupro.

Mas, a efetivação ou proibição definitiva do aborto não representará grandes mudanças no quadro atual, aborto atualmente é proibido, e mesmo assim estima-se que são praticados mais de um milhão de abortos ilegais por ano.

Pode-se observar com esse panorama a forte crença de que problemas sociais se resolvem com a edição de leis, embora, se vislumbre que a solução do problema de planejamento familiar e aborto não estejam atingindo, apesar dos vários esforços, um resultado satisfatório.

A sociedade brasileira é fortemente influenciada pela igreja, que não aceita a utilização de métodos contraceptivos, segundo as igrejas (tanto católica, quanto a maioria das evangélicas) só se poderiam aceitar métodos contraceptivos naturais como é o caso da “tabelinha”. Uma explicação sobre o porquê da ineficiência deste método é perfeitamente escusável. Não se obtém bons resultados nem mesmo entre as classes mais abastadas, nas faixas mais pobres da sociedade é que não funciona mesmo. Experiente-se dizer a um homem sem instrução, rude, endurecido pelas vicissitudes do dia-a-dia que ele não pode fazer sexo com a mulher em determinado dia porque ela esta em seu período fértil, inócua seria tal solicitação. Podemos então deduzir que a igreja termina por coibir todo método contraceptivo, pois o único que ela permite é completamente ineficaz para os que mais precisam dele, que são as pessoas pobres.

Assim, a igreja acaba por tolher da mulher do direito da realização de um planejamento familiar efetivo. Os jovens fazem votos de castidade e não o cumprem terminando por vezes em gravidez indesejada, as mães de família que poderiam ter um prole menor acabam com um numero muito maior de filhos e o pior, mesmo aqueles que não freqüentam nenhuma igreja, portanto, não estariam adstritos a tais restrições, acabam também prejudicados. Pois, como estamos falando da classe mais pobre e a mais numerosa, que prefeito gostaria de enfrentar os padres e pastores da cidade para levar a termo, de maneira eficaz, a distribuição de métodos contraceptivos? A sua grande maioria não o faz, pois isso representaria um alto custo eleitoral.

A mulher não faz uso dos métodos contraceptivos não porque a igreja proíbe, pois, a igreja também proíbe o sexo e ela dele não se abstém, e isso pode ser observado no gráfico acima, somente 1,88% das mulheres não fazem uso de método anticoncepcional por questões religiosas. Mas a igreja termina por impedir que os contraceptivos cheguem às mãos da mulher. Destarte, os métodos contraceptivos chegam as postos de saúde e, por lá ficam. Para que eles chegassem às mãos da mulher ter-se-ia que perquirir quais mulheres têm vida sexual ativa e instruí-las, conscientizá-las e até mesmo convencê-las a fazer uso dos métodos anticoncepcionais. Para isso as mulheres teriam que admitir que têm vida sexual ativa, se ela for membro de uma igreja, não assumirá tal postura, pois, o fato de ser sexualmente ativa poderia ocasionar inclusive a extrusão da comunidade religiosa da qual faça parte.

Temos aqui uma posição hipócrita da igreja, pois, embora saiba que a castidade não faz parte realidade de sua juventude, continua a exigi-la de seus membros. Este fato não é grave somente quando se refere ao planejamento familiar, mas também com relação as DST (doenças sexualmente transmissíveis), especialmente a AIDS. A postura da igreja ao incitar a não utilização de preservativos é uma conduta, para dizer pouco, criminosa.

6. Impropriedade da busca de soluções através do normativismo jurídico – relação taxa de fecundidade x aumento da miséria x evasão escolar

Hodiernamente, tramitam no Congresso Nacional projetos de Lei de todos os tipos alguns, se aprovados, seriam altamente prejudiciais às mulheres, existem atualmente aproximadamente 100 proposições sobre aborto em tramitação na Câmara.

Pode-se perceber claramente o embate de posições antagônicas sobre aborto, observando-se os Projetos de Lei em andamento na Câmara. Temos todos os tipos de projetos, desde aqueles que passam a considerar aborto crime hediondo (Projeto de Lei nº. 5058/2005 de autoria do Deputado Osmânio Pereira - PTB /MG no momento presente em tramitação na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados), àqueles que o descriminalizam totalmente (Projeto de Lei nº. 4304/2004 de autoria do Deputado Eduardo Valverde, tramitando apensado ao Projeto de Lei nº. 1135/1991), passando pelos moderados que consideram o aborto permitido em casos que ofereça risco à saúde da mulher e quando inexista a possibilidade de vida extra-uterina (Projeto de Lei nº. 4403/2004 de autoria da Deputada Jandira Feghali e Outros em tramite atualmente na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania).

Não vamos adentrar no custo que toda essa movimentação ocasiona para a nação. Mas, cumpre salientar que não há um único Projeto de Lei em tramitação no Congresso que conjeture sobre a obrigatoriedade da informação sobre sexualidade, planejamento familiar, métodos preventivos e contraceptivos. Informação é a chave para a solução do problema. Assim, percebe-se que, embora haja esforços no sentido de se buscar uma solução para o problema eles não estão direcionados para o foco da questão, que é a informação.

Importante observar em todos os Projetos de Lei no qual se proíbe o aborto há inobservância das necessidades das mulheres, o que se visa não é a defesa da saúde feminina, mas, pontos de vista dos parlamentares.

Nestas proposições não se consideraram dados estatísticos que demonstram que no Brasil uma das principais causas de mortalidade da mulher é o aborto realizado à margem da lei. Procuram estes parlamentares transformarem um conceito ético, o de ser contra o aborto, num conceito jurídico que a todos obriga.

Um dossiê obtido na Rede Feminista de Saúde sobre as complicações decorrentes do aborto inseguro informa-nos que o Brasil gasta, a cada ano, cerca de US$10.000.000,00 (dez milhões de dólares) no atendimento das complicações causadas por aborto, o qual ocupa o quarto lugar nas causas de mortalidade materna no país .

Os dados resultam do acompanhamento de casos de mulheres que praticaram aborto (ou sofreram abortos espontâneos) e que passaram por curetagens em hospitais públicos, entre 1999 e 2002. Nesse período foram registradas no Brasil 6.301 mortes maternas, 538 delas relacionadas a abortos. Quatorze por cento destas mortes (56/538) ocorreram entre meninas de até 15 anos.

As maiores taxas de curetagens estão no Nordeste (5,5 a cada mil mulheres), no Norte (4,48) e no Sudeste (4,13). A menor taxa está no Sul (2,65). O dossiê não engloba os atendimentos realizados na rede privada. Estima-se que, em caso de abortamento, apenas uma em cada cinco mulheres procure o hospital, o que pode significar, no Brasil, a ocorrência anual de aproximadamente um milhão de abortos clandestinos.

Segundo dados da Organização Pan-Americana de Saúde as mortes por aborto correspondem a 12% dos óbitos maternos.

Estes dados são aproximados, pois a grande maioria das pessoas que pratica aborto não recorre à rede pública de saúde, há também as clínicas clandestinas que praticam abortos e ficam fora das estatísticas.

O que se tem é uma realidade cruenta, que independe de convencimentos religiosos ou filosóficos deste ou daquele parlamentar ou religioso, qual seja, milhares de mulheres praticam anualmente abortos clandestinos, expõem-se a métodos abortivos de alta periculosidade, feitos em ambientes insalubres, além dos chás, beberagens e medicações como citotec. Todos oferecem grave risco a saúde e a vida da mulher. E este é o ponto chave. Não são os convencimentos pessoais de cada indivíduo que devem nortear as política sobre o aborto, mas os interesses das mulheres e da sociedade.

Não se pretende com o presente trabalho um discurso pro-aborto, o que se busca é mostrar que o alvo, o centro das atenções deve ser a mulher. Devem-se buscar políticas que beneficiem realmente o público feminino, sem preconceitos, sem disfarces, sem fanatismos, sem envolvimentos religiosos.

Destarte, devemos mirar o alvo desta busca ideando realmente uma solução para uma situação já instaurada, não é demais lembrar novamente que, quer nos apraza ou não, quer aprovemos ou não, estamos diante de um fato concreto, que é a realização de milhares de abortos clandestinos por ano, esse fato não se subordina a nossas convicções a favor ou contra o aborto deve-se, pois, perquerir uma solução que seja viável para esta situação concreta e já consolidada.

Tivemos grandes avanços nos últimos tempos como a norma técnica editada pelo Ministério da Saúde informando aos médicos e profissionais da rede pública que não é crime atender mulheres internadas por complicações decorrentes de aborto ou tentativa de aborto ilegal. A nota técnica ainda garante ao médico o direito de manter o sigilo e não comunicar às autoridades policiais que a paciente fez um aborto ilegal. O objetivo é evitar que médicos deixem de prestar atendimento a esse tipo de paciente, por receio de serem cúmplices.

A Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento diz também que os médicos não podem informar à polícia, à autoridade judicial nem ao Ministério Público que a paciente fez aborto. “O sigilo na prática profissional da assistência à saúde é um dever legal e ético, salvo para proteção da usuária e com o seu consentimento”. O não cumprimento da norma legal pode ensejar procedimento criminal, civil e ético-profissional contra quem revelou a informação, respondendo por todos os danos causados à mulher.

Há também uma norma aprovada pelo Ministério da Saúde (MS) que desobriga as mulheres vítimas de estupro a apresentarem Boletim de Ocorrência nos hospitais da rede pública quando decidirem interromper a gravidez. Se para alguns a iniciativa representa um avanço na polêmica discussão sobre o aborto, para outros, é quase uma legalização da prática, tão combatida por vários setores da sociedade e principalmente por entidades religiosas, no entanto, o que se pretende é conferir maior proteção às mulheres, visto que, apesar de estarem isentas de oferecer queixa na polícia, as mulheres nesta situação têm que se submeter a exames. Não se busca com essa prática incentivar o aborto, mas garantir a vida de milhares de mulheres que chegam ao SUS grávidas e vítimas de estupro.

Embora o aborto seja permitido em caso de estupro, o Código Penal não obriga as vítimas a denunciar a agressão numa delegacia, pois, muitas vezes devido ao constrangimento que a denúncia causaria a vítima, prefere esta abster-se de seus direitos, mas, os agentes de saúde costumam exigir o boletim de ocorrência para respaldar o procedimento médico. Com a norma, o Ministério apenas ratifica o que está na lei e desburocratiza o atendimento. A interrupção da gravidez deve ser uma decisão da mulher. A proibição cria um mercado negro e aumenta o abismo social porque quem pode pagar recorre a clínicas seguras e as mulheres de classes menos abastadas ficam sujeitas ao atendimento em clínicas clandestinas nas quais, ficam expostas a todo tipo de risco originando, não poucas vezes, graves seqüelas.

Ante o exposto, podemos inferir que o legislador vem auferindo progressos, mas para que se possa almejar êxito é mister que políticas públicas nas áreas de saúde sexual e saúde reprodutiva constituam tarefas cada vez mais necessárias e urgentes buscando uma plena qualidade de vida para a mulher. Imprescindível, também, é o envolvimento de toda a sociedade, a conscientização de que o problema não é somente dessa parcela menos favorecida.

Ao analisarem-se os dados sobre aumento de gravidez na adolescência o primeiro juízo que vem à mente é “essas meninas não têm juízo” ou “são elas mesmas que buscam para si esse caminho”, estas são visões preconceituosas da situação, o fato da jovem desejar ter uma vida sexual ativa, não significa dizer que ela deseje ser mãe. E essa sexualidade vem desabrochando cada vez mais precocemente, dados do IBGE demonstram que de 1991 a 2000 o numero de jovens entre 10 a 14 anos que foram mães pela primeira vez cresceu 93,7%. Essa explosão da gravidez adolescente no país está relacionada principalmente à pobreza e baixa escolaridade.

Forma-se então um circulo vicioso, onde, a mãe tem muitos filhos porque tem baixa renda e baixa escolaridade, estes filhos que também terão baixa renda e baixa escolaridade gerarão outros filhos, e não poderão criá-los ou educá-los apropriadamente, e gerarão mais filhos, todos, sempre, sem esperanças. Tornando cada vez mais intransponível o precipício que se interpõem entre as classes sociais.

Assim, é fundamental a divulgação e conscientização da importância da utilização dos métodos contraceptivos convencionais e de emergência, disponibilizando-os para jovens e adolescentes buscando desta forma facilitar a prevenção e o planejamento familiar evitando assim, gestações não planejadas e a busca de métodos abortivos inseguros.

Mesmo aqueles que são radicalmente contra o aborto coadunam-se com os mais liberais em um ponto, qual seja, aquele que nos diz a prática de aborto pela maioria das mulheres resulta em sofrimento e dor, não estamos desconsiderando uma pequena parcela de irresponsáveis, mas em sua grande maioria são mulheres pressionadas por uma sociedade opressora. Muitas vezes vitimas de violência, dentro ou fora da família, ou de total despreparo, e isto pode ser traduzido facilmente através de números, pois, uma pesquisa realizada pela UNESCO/2004 (Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura) nos mostra que a ocorrência de gravidez na adolescência variou inversamente com a escolaridade e a renda. A primeira gravidez foi levada a termo por 72,2% das mulheres e 34,5% dos homens, estes com maior percentual de relato de aborto provocado (41,3% contra 15,3% das moças). Com o nascimento de um filho antes dos 20 anos, parte das moças parou os estudos temporária (25,0%) ou definitivamente (17,3%), mas 42,1% já se encontravam fora da escola.

Em pesquisa realizada pela UNICEF/2002, constatou-se que 16,6% de adolescentes com vida sexual ativa já tinham engravidado ou engravidado a companheira. A gravidez é mais incidente entre adolescentes de 15 a 17 anos (78,7%); e é mais freqüente na classe D (20,1%). A gravidez foi um dos motivos apontado pelas meninas para o abandono escolar.

Pesquisa realizada pela FGV (Fundação Getulio Vargas) mostra que a educação dos pais desempenha um papel importante na determinação do grau de escolaridade dos filhos. A probabi¬lidade de um filho continuar sem escolaridade é de 33,85% quando seu pai também não completou um ano de estudo. Já para filhos de pais com ensino superior, este percentual cai para menos de 1%, tendo a maior probabili¬dade (60,02%) de repetirem o desempenho da geração anterior (tabela 2). Cabe lembrar que desigualdade edu¬cacional explica, por sua vez, entre 35% e 45% da nossa desigualdade de renda .

Com o grande número de mães adolescentes fora da escola, em sua maioria mães solteiras, e com baixa escolaridade, que destino esperar para a maior parte dessas crianças? Pode-se observa na tabela abaixo que a exclusão dessas crianças a uma existência digna com acesso às garantias básicas asseguradas constitucionalmente é uma realidade iminente.

Ainda, segundo a UNICEF, dez milhões de brasileiras, aproximadamente, vivem expostas à gravidez indesejada, seja por uso inadequado de métodos anticoncepcionais ou mesmo por falta de conhecimento e/ou acesso aos mesmos. Esses dados são corroborados pela FGV , segundo a qual 67,4% das mulheres não se utilizam de métodos contraceptivos.

A faixa etária que apresentou maior incidência de internação por aborto incompleto foi a de 20 a 24 anos (71.439 internações ). Não é possível saber, com certeza, se foram legais ou provocados.

Analisando estes dados pode-se inferir que a maior causa de gravidez indesejada é a desinformação e a não aplicação da legislação já existente. O jovem brasileiro é pouco esclarecido sobre os métodos para prevenir uma gravidez indesejada, consequentemente torna-se um adulto desinformado. Pode-se observar, também, que o problema não é adstrito somente ao fato de se ter ou não um filho, ele gera muitas outras conseqüências como evasão escolar, distribuição de renda cada vez mais desigual, aumento de criminalidade (pois pessoas sem perspectivas estão mais sujeitas a ingressarem no mundo do crime), dentre inúmeras outras. Observa-se, também, que as classes menos favorecidas são as maiores vítimas, pois, aqueles que possuem melhores condições não estão expostos a tantos riscos.

Desta forma, é imprescindível uma educação que vise formar a consciência do jovem em relação a sexualidade e aos métodos contraceptivos adequados que previnem não somente gravidez indesejada como também as DST, AIDS, hepatite B e C dentre outras doenças sexualmente transmissíveis.

Informação é mais que um dever do Estado é um direito do cidadão, que sem direção passa a ente autômato, sem direito a escolha, sendo levado a ermo. A mulher sem informação não pode ser qualificada de cidadã, pois, lhe foi tolhido o pleno gozo de seus direitos ao lhe ser negado o acesso a dados que poderiam influir na sua decisão sobre assuntos relacionados a sexualidade. Como poderá a mulher decidir qual o melhor rumo para si se desconhece quais os caminhos a seguir?

A existência da ordem jurídica, enquanto conjunto de normas determinantes do comportamento individual pressupõe uma fonte de poder capaz de estabelecer e fazer cumprir os preceitos jurídicos, preceitos estes que devem ser o reflexo dos anseios e das necessidades da sociedade. A necessidade desse centro de poder dá origem a formação do Estado, e Este surge, então, como ente responsável pela possibilidade da vida em sociedade. A fonte da norma de conduta é o próprio Estado. Sendo Ele essa fonte é sua obrigação disponibilizar aos cidadãos as informações de que precisa, consistindo esta numa decorrência natural da organização das instituições políticas do Estado.

Ora, se o Estado chama para si à responsabilidade de conduzir as condutas das mulheres no tocante as permissividades relacionadas à gestação (interrupção, métodos contraceptivos e preventivos) e sexualidade, mas não as mostra quais os caminhos a seguir, como espera Aquele que estas sigam o caminho correto? E, quando traça esses caminhos através de implementação de políticas ou edição de leis, estes realmente não se efetivam. Não basta a existência do preceito, é preciso vontade política para que ele se efetive no seio da sociedade.

O sistema de planejamento familiar brasileiro é um dos mais avançados do mundo, mas não funciona para quem mais precisa a população de baixa renda.

Quando se observam dados como os supracitados, vê-se o quão alarmente é a situação. Se o governo não chamar para si a responsabilidade e a sociedade não se envolver ativamente, buscando a solução para essa questão, teremos um abismo social entre as classes, que será cada vez mais intransponível, prova disso é o dado que demonstra que somente 11% das crianças estão nas classes A e B.

Se continuarmos a trilhar esse caminho no lugar de uma distribuição de renda mais igualitária teremos uma distribuição cada vez mais centrada nas mãos de poucos. Isso gera revolta, que gera violência, que leva a insegurança, tornando inexeqüível a vida em sociedade.

7. Sexualidade e contracepção – acesso ao planejamento familiar – Direito reprodutivo – possíveis soluções

Os dados censitários permitem acompanhar a evolução da taxa de fecundidade ao longo das últimas seis décadas. Esta taxa ficou mais ou menos estabilizada entre 6,3 e 5,8 filhos por mulher caindo fortemente nas décadas de 70 (de 5,8 filhos por mulher em 1970 para 4,4 em 1980) e 80 (para 2,9 filhos por mulher em 1991) e relativamente menos na década de 90 (2,3 filhos por mulher em 2000) .

Para atingir essa expressiva redução a mulher valeu-se de vários métodos contraceptivos, mas dois foram os principais: a pílula anticoncepcional e a esterilização feminina. A tabela que é o método aceito pela igreja foi utilizado por 4,18% dos casais, que em quase sua totalidade pertencem às classes A e B. A esterilização masculina foi utilizada somente em 0,9% dos casos. Esse é outro ponto que precisa ser muito trabalhado, pois, a esterilização masculina é rápida, simples e barata aos cofres públicos e, mesmo assim, tem participação inexpressiva entre os métodos anticoncepcionais, isso ocorre devido ao grande mito de que o homem ficará impotente se fizer vasectomia.

Alguns consideram as taxas de esterilização feminina alarmantes, argumentam que por ser um método irreversível, deveria se a última alternativa. Mas essa decisão deve competir a mulher, é ela quem deve decidir se deseja ou não a esterilização.

Argumenta-se também que a miséria não está associada ao aumento da população, mas após análise dos dados sobreditos, resta-nos somente vislumbrar a realidade dos fatos. As cidades com melhor IDH são aquelas em que as mães têm menos filhos. O índice de gravidez em uma favela é 5 vezes maior que em um bairro de classe médio-alta. Adolescente que engravida muito cedo deixa a escola ou está fora dela em mais de 50% dos casos. Se a adolescente não estuda não adquire qualificação mínima para entrar no mercado de trabalho e acabará ou em um subemprego ou na prostituição. E seus filhos, o que poderão almejar? A mãe, com grande número de filhos, não tem como dar-lhes a devida atenção, visto que, terá que enfrentar o mercado de trabalho sem qualificação não obtendo, sequer, remuneração suficiente para uma subsistência digna, pois, é um milagre uma família administrar todas as despesas do mês com um salário mínimo.

Qual o sinal claro que se está chegando à periferia? Casas sem acabamento e ruas cheias de crianças, relegadas a própria sorte. As mães que trabalham fora, não têm com quem deixar os filhos, que crescem nas mãos dos traficantes. Quando a mãe ganha trezentos reais por mês, quando falta quase tudo dentro de casa, é difícil resistir à oferta de trezentos reais para levar uma pequena quantidade de droga e entregá-la em um automóvel. A criança ganha em 20 minutos o que a mãe leva um mês inteiro para ganhar. Não se pretende no presente trabalho a defesa de tal atitude, busca-se apenas demonstrar que o indivíduo é a soma de todas as suas experiências. Aquilo que o homem é se conhece somente por toda a sua história. Com a história de vida que têm essas crianças, o que se pode esperar delas.

As classes sociais distanciam-se cada vez mais, os ricos cada vez menos numerosos e mais ricos, os pobres cada vez mais numerosos e miseráveis.

É verdade que esse assunto necessita do engajamento de toda a sociedade, mas esperar que o Vaticano mude o seu ponto de vista, que os religiosos se empenhem buscando atitudes e condutas que visem um efetivo controle de natalidade é praticamente uma utopia. Não é possível desenvolver qualquer trabalho sério baseado nessa expectativa.

Baseado nas informações supracitadas pôde-se observar que existem várias ações governamentais no sentido de efetivar um planejamento familiar eficaz. Mas, falta um regente, o Governo Federal, que deveria chamar para si a responsabilidade de coordenar as ações no tocante ao planejamento familiar. Atualmente que temos é um descaso total das autoridades, pois o Município diz que o dever é do Estado que diz que o dever é da União. Quando não dá pra empurrar pro judiciário resolver, como nos casos de aborto, relega-se o assunto a segundo plano, simplesmente não se trata dele, é como se o problema não existisse.

É mister que haja uma coordenação para que se possa vislumbrar uma mudança na atual situação, chamar para si a responsabilidade não significa fazer tudo sozinho, mas coordenar, cobrar resultados, gerir a coisa pública.

Não somente a mulheres das classes mais ricas devem ser favorecidas com o acesso ao planejamento familiar, as classes mais pobres também têm esse direito que se encontra insculpido no art. 226, § 7º da Constituição Federal / 1988.

A Constituição de 1988 garantiu o direito ao planejamento familiar, assegurando este direito de forma igualitária, mas esse direito não tem sido eqüitativo. Cumpre salientar que igualdade e equidade são dois conceitos diferentes. Enquanto aquele ampara, de certo modo, premissas de justiça distributiva, este defende tratamento igual para os iguais, e desigual para os desiguais, reconhecendo que os indivíduos são diferentes entre si merecendo, portanto, tratamento diferenciado. É o que poderíamos chamar de discriminação positiva, pois, visa garantir mais direitos a quem tem mais necessidades. É precisamente isso que tem faltado às políticas de educação sexual, equidade, para que possamos levar educação sexual àqueles que mais precisam delas que são os estratos C, D e E da população brasileira.

A simples positivação do direito não garante o seu cumprimento, planejamento familiar é garantido constitucionalmente no § 7º do art. 226 que é regulado pela Lei nº 9263/1996 e mais uma infinidade de portarias do Ministério da Saúde que tratam também do aborto, mas isso, de per si, não garante o direito da mulher.

Os métodos contraceptivos (pílula, preservativo, dil, anticoncepcionais, etc.) deveriam ser disponibilizados na rede pública de saúde e ter sua utilização incentivada pelo Estado.

A educação sexual deveria ter início no seio familiar, mas a educação familiar é permeada por emoções e costumes específicos do grupo familiar. Depende de valores, morais, éticos e religiosos que, consideram em sua grande maioria, o tema sexualidade um verdadeiro “tabu” que é transmitido de geração em geração. Na maioria das vezes isto é um ato inconsciente, sendo apenas uma repetição do que nos foi ensinado com certo ou errado, é o que se chama alteridade social.

Atentos a essa dificuldade em 1996 foram incluídos nos parâmetros do Ministério da Educação temas abrangentes dentre os quais a sexualidade, que foi inicialmente definido como tema transversal que deveria se abordado e incluído no processo educacional. Entretanto, não há ainda uma formação acadêmica especial para os docentes que lhes permitam abordar tais temas no ambiente escolar. Com exceção de projetos isolados desenvolvidos por determinadas Secretarias ou Municípios, não há qualquer programa que vise orientar o lente. Esse despreparo do educador só faz aumentar o “tabu” em torno do tema sexualidade.

A postura da sociedade frente a mulher, quando o assunto é sexualidade, dificulta ainda mais a educação. Apesar de todos os avanços sociais alcançados pela mulher, o fato de assumir, publicamente, que tem uma vida sexual ativa, na grande maioria das vezes, faz dela alvo de críticas, censuras e recriminações.

Destarte, embora a educação sexual seja matéria obrigatória no currículo escolar da rede pública, resta efetivá-la; não somente no âmbito escolar, mas, no âmago de toda a sociedade, pois, somente no dia em que a sociedade respeitar os direitos sexuais conquistados pelas mulheres e houver conscientização destas de seus deveres e responsabilidades em relação à própria sexualidade, teremos condições de construir uma sociedade mais justa, humana e igualitária.

8. Conclusão

A presente pesquisa procurou demonstrar, a partir de dados estatísticos, a realidade brasileira atual, no tocante ao planejamento familiar. Consignou-se que a positivação da norma sem conscientização social não é nada, melhor seria conscientizar sem normatizar, ter-se-iam resultados mais satisfatórios.

Constatou-se que 67,4% das mulheres não utilizam métodos anticoncepcionais, que aumento da taxa de fecundidade está relacionado ao aumento da taxa de miséria; que o risco de uma adolescente de classe baixa ficar grávida é cinco vezes maior que o da classe alta; que ocorrem mais de um milhão de abortos ilegais anualmente no Brasil, que cerca de duzentas e cinqüenta mil mulheres são internadas anualmente no SUS por complicações de abortos clandestinos; que abortos desse tipo configuram a 4ª causa de mortalidade materna; que o aborto clandestino acarreta a 2ª ocorrência de obstetrícia no SUS, sendo as mulheres mais afetadas pela falta de planejamento familiar são negras, jovens e pobres; que os que mais sofrem com essa situação são as crianças, sendo elas as maiores vítimas desse descaso das autoridades.

Não devemos nos olvidar que quem mais sobre com essa situação são as classes menos favorecidas, especialmente as crianças. Pode-se ratificar facilmente essa informação ao se observar, na tabela supra, que a maior parcela de miseráveis é composta por crianças e adolescentes.

A falta de planejamento familiar incentiva o aborto clandestino, que da maneira como é realizado ceifa a vida e a saúde mental de milhares de mulheres pobres do Brasil que, sem o aborto legal e independentemente das nossas convicções morais e/ou religiosas, continuarão a recorrer às beberagens como chás de mamona e cupim, aos cristais de permanganato que causam lesões crônicas na mucosa vaginal, às agulhas de tricô enfiadas no útero, quando não a medicações como o Citotec, cujos riscos à mulher são hoje conhecidos. A legalização é também o caminho que, acompanhado por um verdadeiro esforço público em favor da educação sexual, poderá, a exemplo do que se verificou em outras nações, assegurar as condições para uma diminuição nos índices de abortos atualmente praticados.

Estudos demonstram que 90% dos indivíduos provenientes de famílias pobres não terminaram o 2º grau e 74% não completaram a 4ª série. 45% dos pobres possuem menos de 16 anos de idade. Enquanto as taxas de matrícula são altas no Brasil, o nível educacional atingido progride lentamente devido a freqüência escolar irregular e as altas taxas de repetência (13%) e abandono escolar (8.9 %).

A cada ano adicional de estudo a renda do trabalho aumenta, em média, 16%. Retorno

auferido para toda a vida ativa. A taxa de ocupação também cresce com a escolaridade de 2% para analfabetos para 87% para indivíduos que completaram a universidade. É difícil imaginar um negocio mais lucrativo para toda a nação que investir em educação.

Mas, sem planejamento familiar é simplesmente impossível levar a termo um programa de educação que contemple, com equidade, todas as crianças.

A mulher precisa ser bem informada, para que assuma de vez o controle sobre suas ações e, chame para si a responsabilidade na prevenção de doenças e na precaução à gravidez indesejada, tendo assim, condições de realizar um efetivo planejamento familiar.

Essa conscientização deve vir livre de dogmas religiosos ou posições radicais. Legalizar o aborto sem conscientizar as mulheres dos riscos que dele advém, não será uma solução benéfica às próprias mulheres. É imprescindível conscientização e desmistificação da posição da feminina em relação à sexualidade. É preciso que o jovem tenha acesso às informações sobre riscos, prevenção, planejamento o quanto antes, segundo dados do Sistema Único de Saúde em 1999 houve 2.820 internamentos de adolescentes entre 10 e 14 anos por aborto incompleto, isso, demonstra-nos que a vida sexual da adolescente (se é que podemos chamar uma assim uma criança de 10 anos) vem se iniciando cada vez mais precocemente.

Mas não basta disponibilizar os métodos contraceptivos, é preciso conscientizar da importância do seu uso. Não há atualmente nenhum projeto no sentido de orientar a mulher em relação a sua sexualidade, suscitando nela a responsabilidade sobre seus atos, como o dever de exigir que o homem use preservativo nas relações sexuais, sem com isso sentir-se uma vulgívaga. Também não há preocupação com a visão que a sociedade tem com relação a sexualidade da mulher, apesar de estarmos no século XXI e da principal função da mulher já não ser mais a reprodução, a sociedade ainda considera mulher “direita” aquela que é casta, que se abstém de vida sexual antes do casamento. Ante este cenário, como pode alguém imaginar que uma adolescente terá coragem de dirigir-se ao posto de saúde e solicitar preservativo ou anticoncepcional, o sexo nessa idade é uma coisa proibida, se para o homem é constrangedor, para mulher então tal situação é um verdadeiro “tabu”. A adolescente não é capaz de pensar no beneficio que o anticoncepcional trará a ela, só consegue vislumbrar a atendente do posto de saúde falando frases do tipo: “tão nova, e já na vida”, “sua mãe sabe que você faz isso”, “você não é muito nova para esse tipo de coisa”. Por isso, esperar que a adolescente busque proteção é uma quimera. É preciso que o Estado leve a contracepção ao adolescente, que deve ir junto com a informação.

Mas para que se possa trazer informação aos adolescentes primeiramente deve-se instruir os atendentes dos postos de saúde, os professores das escolas, os médicos, as famílias. Deve-se perquirir uma maneira da mulher ter acesso aos métodos contraceptivos, sem que ela tenha que se expor a execração pública.

Se quisermos uma grande nação precisamos começar a construí-la pela base, que são as crianças, portanto, sem planejamento familiar, NUNCA faremos do Brasil uma grande nação.

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Marcia Pelissari
Enviado por Marcia Pelissari em 24/03/2006
Código do texto: T127958