Decreto nº 4.887/2003 – Um empecilho ao reconhecimento do direito dos Quilombolas contido no 68 dos ADCT

Decreto nº 4.887/2003 – Um empecilho ao reconhecimento do direito dos Quilombolas contido no 68 dos ADCT

Todos sabem que as lacunas na lei dão espaço para que as ideologias falem (todos sabemos também que as ideologias estão nos espaços vazios que são preenchidos pelos discursos que nada mais fazem que defender interesses de classes e grupos).

Acontece que não raras vezes não se faz uma análise séria da lei, verificando se nela há alguma lacuna, e usando deste espaço normativo para defender o interesse daquele que é destinatário da lei. Hoje, mesmo se inexiste lacuna, os Lidadores do Direito (nem todos), a pedido de classes e grupos, tratam de interpretar a lei CRIANDO AS LACUNAS necessárias, para preencherem com as ideologias que carregam o grande fardo do interesse parcial (e não coletivo, social).

Infelizmente é o caso dos Quilombolas. A Constituição, através do artigo que sustenta o direito dos quilombolas nada fala sobre DESAPROPRIAÇÃO. O Decreto, sim. O artigo Constitucional fala em Declarar (dizer um direito que já existe), dando os títulos de propriedade aos quilombolas, QUE RESIDEM NA ÁREA. O Decreto, não. O Decreto constitui (não declara, como diz a Constituição) um direito dos quilombolas. Mesmo que os remanescentes não residam no local terão o direito de, RETIRANDO A PROPRIEDADE DOS RURÍCULAS, constituir a sua propriedade, mediante desapropriação das áreas. O artigo constitucional, repise-se, nunca falou em desapropriação. O art. 5º de nossa Constituição protege a pequena e média propriedade rural, imunizando-a, contra atos despóticos do Estado. Já não basta a grave situação destes párias da agroeconomia, terão eles de perder a única coisa que os resta: a propriedade em que, por vezes, moravam seus pais, avós, bisavós, e que foram adquiridas a custa de muito suor. Comprar outras terras para eles é entender as terras como simples pedaço de chão. Esquecem que o homem se liga às coisas não só pelo que vê e pensa (só pela questão material), mas por aquilo que sente (o que é imaterial). Se jogará no lixo a história e as lembranças daquelas pessoas que residem há décadas naquelas áreas. O homem parece ser, de fato, o lobo do homem. O Homem despreza o homem, a humanidade. Onde está o princípio da Humanidade, da proporcionalidade e razoabilidade? Quem legitimou um Decreto para constituir inconstitucionalidades? O que está acontecendo, ex vero, é uma interpretação que substitui o Direito por discursos de cunho pragmático e com funções escusas. Está-se fugindo do campo do Direito e adentrando no campo da política para realizar um direito que o art. 68 dos ADCT não diz. Só através do Ordenamento Constitucional é que se desvelará a função daquela norma, não através de ideologias que se escondem por detrás de interpretações intencionalmente vagas e direcionadas.

O Apelo que faço é pelos rurícolas, onde muitos deles não têm o discernimento do que está para ocorrer – uma “Revolução Quilombola”. E pelos quilombolas que, com a bandeira simpática levantada pelo INCRA, são “objeto” de uma ilusória fantasia. O artigo 68 dos ADCT não quis fazer uma reforma agrária paralela. Queria o referido artigo, em humilde manifestação (que mais parece hoje um mero opinativo), resguardar a CULTURA que os descendentes quilombolas ainda, e principalmente ainda em 1988, com relação a seus antepassados. Hoje, todos são cidadãos brasileiros, que possuem os mesmos direitos e deveres, mesmos costumes e modos de viver. Não se pode usar da cor das pessoas para criar discriminações ou privilégios. Deixo claro que o respeito aos quilombolas é de inquestionável obrigatoriedade. Não por serem quilombolas, mas por serem Seres Humanos!! O Humano deve ser respeitado por sua Humanidade, nunca por qualquer adjetivo que se acrescentar. São todos merecedores de respeito: pois carregam, todos, o maior mistério do Universo: a Vida.

Querem, contudo, criar novamente quilombos: voltar a época da escravatura. Isto é um disparate aos remanescentes quilombolas! Todavia, houve uma corrupção na finalidade da Lei: não se quer proteger uma cultura, mas simplesmente os interesses econômicos de uma classe que apela socorro, por não ter onde calçar seus pés e suas esperanças. São desprezados pela sociedade e se lhe são jogadas migalhas, como no presente caso, a agarram como se fosse tudo - mas verão que apenas seguram o vento: nada mais.