BIODIVERSIDADE NO DIREITO INTERNACIONAL E SUA REGULAMENTAÇÃO NO BRASIL

BIODIVERSIDADE NO DIREITO INTERNACIONAL E SUA REGULAMENTAÇÃO NO BRASIL

Elaborado por Klaus Schnitzler

Como é de conhecimento de todos, o mundo é dividido em Estados ditos soberanos.

Ocorre que, referida soberania encontra-se atualmente relativizada (devido à cooperação internacional), sendo evidente a existência de uma “sociedade mundial”. Um Estado não vive isoladamente, este interage com os outros, estando contido em uma ordem internacional, havendo subordinação a esta, ainda que de modo abstrato.

Se considerarmos o Direito Ambiental, essa sociedade internacional tem, ainda, mais relevância, pois, sendo um direito coletivo, interessa (ou ao menos deveria interessar) a todos, já que o meio ambiente é considerado patrimônio comum da humanidade. É facilmente perceptível que um determinado dano ambiental não fica restrito aos limites físicos de um Estado isolado, sendo que suas conseqüências podem se espalhar para outros países.

As principais realizações para o desenvolvimento de uma política internacional ambiental foram as conferências promovidas pela ONU sobre o ambiente humano (Estocolmo, 1972), ambiente e desenvolvimento (Rio de Janeiro, 1992) e a Rio+10 (Johanesburgo, 2002).

Tais conferências e a impossibilidade de uma nação tutelar, isoladamente, o meio ambiente, fez-se necessária a existência de normas internacionais relativas ao direito ambiental. Normas que sejam únicas para todos os países e que sejam por todos respeitadas. A preocupação com o meio ambiente deve ser global e de nada adianta (ou pouco adiantaria) que apenas uma parcela desses Estados tivessem consciência ambiental e a outra não dispusesse a devida atenção.

De todas as normas internacionais, as mais significativas são os tratados, considerados como “a fonte por excelência do direito internacional ambiental” , sendo mais relevantes que outras fontes do direito ambiental internacional (como o costume internacional, princípios gerais do direito, decisões judiciárias e doutrina), tendo em vista que estabelecem mais nitidamente os direitos e obrigações das partes contratantes.

“Tratado”, considerado um termo genérico, inclui as convenções, os pactos, os acordos, os protocolos, a troca de instrumentos. Simplificaremos, utilizando um só nome (tratado), englobando todos os atos internacionais, facilitando o estudo.

Na convenção de Viena, em 1969 (Lei dos Tratados), tratado foi definido, no art. 2º como sendo o “acordo internacional concluído entre Estados em forma escrita e regulado pelo direito internacional, consubstanciado em um único instrumento ou em dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja a sua designação específica”.

Ainda, ARNALDO SUSSEKIND define tratado, dizendo que “entende-se por tratado multilateral o tratado que, com base nas suas estipulações ou nas de um instrumento conexo, haja sido aberto à participação de qualquer Estado, sem restrição, ou de um considerável número de partes e que tem por objetivo declarado estabelecer normas gerais de direito internacional ou tratar, de modo geral, de questões de interesse comum.”

Os tratados internacionais são aplicados somente aos Estados que os adotaram, podendo ser denominados de Estados-partes, sendo que não criam obrigações em relação a terceiros que com os tratados não consentiram. Geram efeitos em todo o território do Estado que o firmou, incidindo sobre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Aliás, conforme art. 26 da Convenção de Viena, estando em vigor um tratado, ele é obrigatório em relação aos Estados-partes, devendo ser cumprido de boa-fé. Após ter havido o consentimento com um tratado, aceitando-o, o Estado deve comprometer-se a respeitá-lo. Sendo que, por essa razão, existe a figura da reserva, na qual um Estado pode excluir ou modificar o efeito jurídico de determinadas previsões do ato internacional, quando de sua aplicação, conforme as ressalvas existentes no art. 19 da Convenção de Viena.

A respeito dos tratados internacionais, podemos dividi-los em dois tipos: os genéricos e os específicos.

Atualmente, há uma forte tendência na criação de tratados genéricos, notadamente pela rápida evolução do direito ambiental e das incertezas existentes em relação à codificação de alguns temas. Desse modo, os principais objetivos (nos tratados genéricos) acabam sendo relegados para os protocolos suplementares.

No outro lado, os tratados específicos, por serem mais objetivos, referem-se a determinado assunto, de maneira mais clara. São tratados que versam sobre fauna (ou sobre a flora), sobre a poluição, etc. Como exemplos, tipicamente desse tratado, podemos citar a Convenção Internacional do Atum e Afins do Atlântico e a Convenção para a Conservação das Focas Antárticas. Tais tratados acabam por ser muito mais úteis, por serem mais claros e objetivos e por terem aplicabilidade mais direcionada.

Por assim dizer, um tratado internacional de direito ambiental é criado a partir da constatação de um problema (ou dano) ambiental que ocorre local, regional ou globalmente, como exemplos: a prejudicial pesca de baleias, derramamento de óleo em alto-mar, danos nucleares, modificação do clima, etc...

E, esse é um dos principais aspectos de um tratado internacional: a ênfase regional ou global que é atribuída. Há, por assim dizer, a identificação de interesses ou problemas comuns de alguns Estados que, em conjunto, devem solucioná-lo.

Os tratados relativos ao meio ambiente possuem formação igual a de outros tratados internacionais.

O seu processo de formação não possui uma regra internacionalmente pré-fixada, sendo que cada Estado possui liberdade de adotar a forma que entenda mais conveniente, tornando o procedimento bastante mutável de um Estado para outro.

No Brasil, a formação se dá, inicialmente, com as negociações e conclusão do tratado. Posteriormente, ocorre a assinatura, de competência exclusiva do Chefe do Executivo, de acordo com o art. 84, VIII da CF/88.

É um ato precário e provisório, que mostra apenas ser o tratado autêntico e definitivo, colocando um fim nas negociações, mas não garantindo sua ratificação. O tratado ainda não é obrigatório ao Brasil e não possui efeitos em nosso ordenamento jurídico, sendo que nesta fase, o Brasil pode opor reservas, de acordo com o art. 19 da Convenção de Viena, já mencionada.

Ocorrendo a assinatura pelo Presidente da República, o tratado é encaminhado ao Poder Legislativo, para ser apreciado e aprovado. Juntamente com o texto do tratado é enviada uma Mensagem ao Presidente da República, contendo um resumo do ato e principalmente a relevância do documento para o país. Eventuais reservas opostas, devem ser, neste momento, esclarecidas.

Primeiramente o ato é votado na Câmara dos Deputados e, após, no Senado Federal. Uma vez no Congresso, ao tratado podem ser pedidos esclarecimentos por qualquer pessoa. Na votação, uma característica peculiar, é que o texto do tratado deve ser aprovado ou rejeitado, em sua integralidade, não sendo admitida emendas pelos membros do Poder Legislativo.

Aprovado o texto pelas duas casas do Congresso, é expedido um Decreto Legislativo, pelo Presidente do Senado e publicado no Diário Oficial da União, sendo que tal decreto, apenas aprova o texto, significando o encerramento das discussões no Legislativo.

A próxima etapa é a ratificação do documento que é realizada pelo Presidente da República e trata-se de ato discricionário. Tal ato confirma a vontade do Brasil de respeitar e obrigar-se por aquele documento e produzir seus efeitos no plano internacional, ocorrendo o aceito definitivo.

“O consentimento do Estado em obrigar-se por um tratado pode ser expresso mediante a assinatura, troca de instrumentos constituintes do tratado, ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, ou através de qualquer outro meio acordado”. È o que dispõe o art. 11 da Convenção de Viena sobre a possibilidade de ratificação de um tratado internacional.

Mas o processo ainda não se findou. O Instrumento de Ratificação deve, então, ser depositado junto a um órgão multilateral depositário (como a ONU, OEA, OIT, etc...). Dessa forma, a validade e executoriedade do ato no ordenamento jurídico interno brasileiro ocorrem com a promulgação.

É publicado o Decreto-Lei que aprovou o tratado, devendo o Executivo promulgá-lo por um Decreto assinado pelo Presidente da República e referendado pelo Ministro das Relações Exteriores.

Mas tal sistema possui falhas. A principal é a falta de previsão de prazos para as diversas etapas. Isto faz com que, na maioria das vezes, o tratado demore um tempo muito grande para que, finalmente, entre em vigor e surta efeitos jurídicos. Isto é particularmente problemático no campo do direito ambiental, uma vez que os problemas ambientais são, muitas vezes, mutáveis e de rápida evolução, geralmente piorando o quadro do dano. Isto quer dizer que um problema ambiental e sua degradação evolui junto e, muitas vezes, quando o tratado torna-se finalmente obrigatório, já não há mais como sanar o dano ambiental, o qual tornou-se irreversível.

Outro problema enfrentado e, um dos mais tormentosos, em relação os tratados internacionais, de um modo geral, não somente no direito ambiental, refere-se à hierarquia dos tratados internacionais sobre o direito interno.

Apesar de toda a discussão doutrinária, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, quando do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 80.004 , em 1977, firmou o entendimento que os tratados internacionais estão em paridade com as leis federais, estando em mesmo nível hierárquico, aplicando-se o princípio de que a norma posterior revoga a norma anterior, quando houver incompatibilidade, podendo um tratado internacional revogar lei federal quanto o inverso também pode ocorrer. Assim, como um tratado internacional dever ser incorporado ao direito interno através de um decreto, ele se iguala a lei federal.

Pelo fato de o Brasil adotar um sistema dualista, parece-nos favorável a corrente que os tratados internacionais não se encontram em plano superior ao da legislação ordinária, podendo, eventualmente o Congresso legislar de modo diverso. Sendo que, no cenário internacional, entre os Estados, o tratado deve vigorar normalmente, devendo ser cumprido pelo Estado de boa-fé.

Ocorre que a atual Constituição Brasileira não dispõe, especificamente, sobre o assunto. A hierarquia deveria ser expressa no texto constitucional, mas não o é. Dessa forma, uma vez que não contém norma expressa de predominância dos tratados sobre a legislação interna, admite-se a paridade das normas, como se disse, utilizando-se da norma geral de lex posteriori derogat priori. Além disso, mesmo não dispondo expressamente, podemos constatar esta hierarquia através do disposto no art. 102, III, b e art. 105, III, a, da CF/88, onde estes dispositivos demonstram estarem os tratados e as leis federais em igualdade.

Nas palavras do Ministro CUNHA PEIXOTO, em seu voto, do referido Recurso Extraordinário, temos que: “A segunda ponderação é simples: é que S. Exa. Adverte que aprovado o tratado tem aplicação imediata. Portanto, ele se transforma em Direito Positivo Brasileiro. E se ele passa a ser Direito Positivo Brasileiro, sua revogação ocorre nos termos da Legislação Brasileira e da Constituição: a lei posterior revoga a anterior. Só é tratado, quando aplicado aos países estrangeiros. Vigendo no Brasil, é lei positiva que na teoria monista, quer na pluralista.”

Portanto, apenas uma norma de natureza constitucional poderia estabelecer supremacia dos tratados de direito internacional de meio ambiente sobre as normas de direito ambiental em vigor em nosso país. Possuindo qualidade de legislação ordinária, os tratados devem submeter-se à Constituição da República, não podendo, dessa forma, modificá-la, estando esta acima de qualquer ato internacional que venha a ser incorporado pelo direito brasileiro.

Em se tratando de tratados internacionais de direito ambiental, nossa jurisprudência, praticamente, nada leciona. Os magistrados não se utilizam destas normas para fundamentar suas decisões, tampouco os advogados as invocam.

Isto se deve, provavelmente por dois fatores: falta de conhecimento e pelo próprio sistema dualista brasileiro.

No que se refere ao primeiro fator, temos que o desconhecimento, na maioria das vezes, decorre da própria falta de interesse das pessoas, pelas normas internacionais, deixando-as em segundo plano ou, ainda, pelo desconhecimento de seus efeitos dentro do território nacional.

A segunda questão, referente ao sistema dualista, faz com que muitas pessoas pensem que, realmente, a ordem internacional encontra-se completamente dissociada da interna, o que não ocorre, sendo que, no nosso caso, os planos são autônomos e, após ratificado o ato e expedido o decreto (como já visto) o tratado passa a fazer parte de nosso ordenamento jurídico interno.

Assim, os tratados internacionais de direito ambiental, a partir do momento em que se incorporam ao direito brasileiro, possuem força de lei e devem ser aplicados pelos Tribunais, da mesma forma, mesma maneira e mesma extensão e com a mesma obrigatoriedade própria à aplicação do direito moderno.

Portanto, a legislação interna brasileira que advenha tanto de origem interna (lei federal) quanto de origem internacional (tratados incorporados ao direito interno), bem como os tratados internacionais que possuam vigência apenas em âmbito internacional entre os Estados soberanos, devem ser utilizados em conjunto, harmonicamente, como uma unidade, em busca da implementação das normas de proteção do meio ambiente, dito bem coletivo e comum da humanidade.

Diversos são os tratados internacionais ratificados pelo Brasil, sendo que o mais importante, atualmente é a CDB – Convenção sobre Biodiversidade Biológica – Assinada no Rio de Janeiro, em 05.06.1992, aprovada pelo Decreto Legislativo n.º 02, de 03.02.1994, depositado o instrumento de ratificação da Convenção em 28.02.1994 e promulgada pelo Decreto n.º 2.519, de 16.03.1998.

Klaus Schnitzler
Enviado por Klaus Schnitzler em 19/01/2009
Reeditado em 19/01/2009
Código do texto: T1393201
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