Lei contra crimes hediondos é julgada inconstitucional pelo STF

Na esperança de que as leis possam resolver as mazelas da sociedade, os legisladores vivem criando leis que tecnicamente chamamos de ordinárias (ato legislativo típico para criação das leis tidas como comuns, tendo como limite as leis constitucionais), mas também podemos, em alguns casos, tratá-las como “ordinárias” na forma pejorativa ou ao “pé da letra”. Para ser mais claro, é que não raro nossos legisladores tupiniquins acabam criando leis inconstitucionais na íntegra ou em parte delas, ou seja, inventam leis absurdas para atender certos propósitos e interesses exclusos passando por cima de princípios constitucionais. É o imediatismo do nosso tempo intrínseco até mesmo em nossas leis, para tentar resolver problemas cujo principal responsável é o próprio Estado.

Ledo engano quem acha que as leis, principalmente as criminais, têm eficácia para inibir a criminalidade; se assim fosse não só a pena de morte existente em alguns países - ou para citar um exemplo brasileiro, as leis contra o crime do colarinho branco (Lei nº. 7.492, de 16 de junho de 1986) e de crimes de responsabilidade fiscal (Lei complementar nº. 101, de 4 de maio de 2000) teriam acabado com a criminalidade hedionda, pois não existe um crime mais repugnante do que lesar e, até mesmo causar a morte de todo um povo.

O filósofo francês Luiz Henri Bergson, já lecionava em uma de suas obras no início do século XX (L’Évolution Créatice – 1907) que “... as leis não são imaginadas e criadas pelo homo faber (o ser humano em trabalho): legislar é muito menos que inventar, e talvez muito mais...”; para o eminente jusfilósofo Pontes de Miranda (1892-1979), jurista brasileiro de renome internacional, “... a lei é o reflexo parcial do Estado de consciência de um povo...” e “... elas devem determinar condições pelas quais a liberdade de cada um é compatível coma liberdade de todos...” .(grifamos)

As leis não devem ser duras, mas sim justas e dar garantias para que seja aplicada a verdadeira “justiça dos homens”, mas convenhamos, sem macular os princípios constitucionais basilares.

A corrente humanista é fundamental para uma reforma das leis criminais em nosso país, e, aos poucos, vem tornando-se modeladora de nossos códigos, a reforma do Código Civil pelo mestre Miguel Reale é um exemplo dessa transformação, já na área penal, vê-se uma resistência contra a corrente humanista. O que se esperar de uma sociedade assolada pela violência onde em alguns casos o crime organizado domina bairros inteiros e operadores de Direito recém formados que só pensam em prestar concursos públicos, esquecendo-se de lições primordiais para sua formação como humanismo, ética e principalmente o bom senso de justiça, e o pior de tudo: não se vê sequer uma só questão nos concursos públicos relacionada a humanismo, ética, moral, etc.. Para completar, temos em sua maioria magistrados e promotores vindos de uma classe social abastada onde passaram toda uma vida longe das realidades de uma nação maculada pela pobreza e carente de “educação”.

Os profissionais de direito também tem a obrigação de quebrar paradigmas, afinal de contas também são humanos e devem ser “elementos” de transformação no meio em que vivem.

Na última quinta (23), o supremo tribunal pacificou a polêmica sobre a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90, que veda a possibilidade de progressão do regime de cumprimento da pena (no Direito Penal diz-se passar de um regime mais rigoroso para regimes mais brandos – ela serve como mecanismo para estimular e possibilitar a ressocialização do criminoso) nos crimes hediondos definidos no art. 1º da mesma Lei, em face dos princípios da individualização da pena e da isonomia.

O voto de minerva partiu do Ministro Gilmar Mendes sobre um Hábeas Corpus (HC 82959), e tem eficácia ex nunc (o que quer dizer que a decisão não tem efeito retroativo, ou seja, vale do momento em que foi proferida em diante).

A decisão do STF pode até parecer absurda aos leigos ou para aqueles que defendem uma corrente de pensamento jurídica mais retrograda, mas o avanço do Excelso Pretório nos últimos anos é claramente notado e deve continuar avançando, pois como deixar vigorar uma lei que “de cara” ataca a individualização e a proporcionalidade da pena além de sua progressividade de regime. É como se rasgássemos a Constituição, pois vivemos em uma República Federativa que se constitui em um Estado Democrático de Direito onde um de seus fundamentos é a dignidade da pessoa humana. Aprendi em minhas ralas e esparsas aulas de Direito Penal que segundo o mestre Fernando Capez “do Estado Democrático de Direito parte um gigantesco tentáculo, a regular todo o sistema penal, que é o princípio da dignidade humana, de modo que toda incriminação contrária ao mesmo é substancialmente inconstitucional”. (grifamos)

Heráclito já dizia que as leis dos homens é a encarnação imperfeita das leis divinas e só existe uma coisa constante e real: a mudança; vê-se aqui claramente a necessidade da justiça humana se adaptar as novas realidades se aproximando cada vez mais da perfeição das leis divinas, sem, no entanto esquecer uma das máximas desse filósofo grego: “... o povo deve lutar por suas leis, como por suas fronteiras ...”. (grifamos)

* Publicado pelo autor no Jornal Chico em 27.02.2006.