A sentença no perdão judicial

A sentença no perdão judicial

Aristides Medeiros

ADVOGADO

Ao revés do que afirmam alguns, no caso do perdão judicial (art. 107. IX, do CP), data venia, a sentença é condenatória, e não absolutória.

Com efeito, sobre o assunto assim discorreu o autorizado MAGALHÃES NORONHA: “O perdão judicial pode ser traduzido como uma faculdade dada pela lei ao juiz de, declarada a existência de uma infração penal e sua autoria, deixar de aplicar a pena em razão do reconhecimento de certas circunstâncias excepcionais e igualmente declinadas pela própria lei. O perdão é, em primeiro lugar, uma faculdade dada ao julgador de não aplicar a pena, daí por que nominado como perdão judicial. Depois, tem como pressuposto, obviamente, o reconhecimento de um fato delituoso e sua autoria: por primeiro o juiz reconhece o crime e a autoria, condenando o acusado, para, depois, aplicando o perdão, não impor qualquer sanção” (in Direito Penal, Vol. 1, Saraiva, 25 ed., 1987, nº 234, pág. 361). E aduziu aquele notável jurista que, a respeito da natureza da respectiva sentença, perfilha a corrente mais numerosa, ou seja, a que proclama ser ela uma decisão condenatória, “pois reconhece a procedência do fato ilícito e seu autor, apenas excluindo os efeitos principais, porém mantém os efeitos secundários” (idem, nº 235, pág. 362).

É bem verdade que disso discordou BASILEU GARCIA. Mas o fez (ao que parece) com o simplório argumento de que “Não existe sentença condenatória sem imposição de pena (art. 387, nº III, do Código de Processo Penal)” (in Instituições de Direito Penal, Max Limonad, 3ª ed., 1956, Vol I, Tomo II, nº 203, pág. 658). Ocorre, todavia, que essa é a regra geral, a qual, evidentemente, cede à regra especial (specialia dispositio derrogat generalis), de que ocorre extinção da punibilidade (art. 107 do CPB) pelo perdão judicial (inc. IX).

Veja-se que o conspícuo NELSON HUNGRIA já assim dissera: “Segundo entendemos, o perdão judicial deve seguir-se à efetiva condenação do réu (reconhecidas a existência do crime e a autoria imputada), pois, de outro modo, seria criar um benefício de que a lei não cogita, isto é, o de poupar ao réu até mesmo o desfavor de não ser considerado reincidente, se vier a cometer novo crime” (in Comentários ao Código Penal, Forense, 2 ed., 1958, vol, VII, n° 100, pág. 279).

Entre muitos outros, JOSÉ FREDERICO MARQUES tem o mesmo entendimento, verbis: “A sentença que concede o perdão judiciário não é sentença absolutória, uma vez que não declara improcedente a denúncia. A imputação, no caso, ficou provada, mas o juiz deixa de aplicar o preceito sancionador da norma penal em que incorreu o acusado” (in Elementos de Direito Processual Penal, Forense, 2ª ed., 1970, Vol. III, n° 607, pág. 49).

A seu turno, disserta ISAAC SABÁ GUIMARÃES, ipsis litteris: “Por fim, temos que referir que o benefício do perdão da pena é concedido em sentença condenatória, o que faz supor o transcurso de todas as etapas do processo e ainda a existência de uma sentença contendo os requisitos do art. 381, CPP, inclusive o dispositivo. Somente após o processo de dosimetria e aplicação da pena é que o juiz, fundamentadamente, aplicará o perdão. Isto repercutirá em efeitos práticos, pois a decisão, passando pelo segundo grau de jurisdição, poderá ser reformada unicamente no que se refere ao benefício” (in Tóxicos, Ed. Juruá, 2002, pág. 190, citado por PAULO JOSÉ FREIRE TEOTÔNIO, no artigo “A Natureza Jurídica da Hipótese de Isenção de Pena ao Colaborador na Lei n° 10.409/02, in Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, n° 31, Abr-Mai 2005, pág. 5).

Por outro lado, assentou jurisprudencialmente o Pretório Excelso, verbis:

“O perdão judicial pressupõe condenação, da qual se excluem – uma vez que ele se adstringe à não-aplicação da pena, - a pena principal, a acessória e a medida de segurança, nas não os demais efeitos da condenação” (Ac. de 08/04/80, da 2ª Turma do STF, no RHC nº 57.798-SP, Re. Min. Moreira Alves, decisão unânime, in RTJ 97/576).

“O perdão judicial pressupõe condenação, e, em conseqüência, não se estende aos efeitos secundários próprios da sentença de natureza condenatória, tais como o pagamento das custas do processo. Inclusão do nome do réu no rol dos culpados e pressuposto para a reincidência” (Ac. de 10/03/81 da 1ª Turma do STF, no RECr. Nº 92.907-PR, Rel. Min. Cunha Peixoto, decisão unânime, in DJU de 03/04/8l)

O Tribunal de Justiça de São Paulo igualmente proclamou:

“O perdão judicial não significa absolvição. Tem ao contrário, como pressuposto, a condenação do réu. Só pode ser concedido depois de verificada a procedência da acusação” (Ac. do TJSP, in RTJ 183/130).

“A não imposição de pena não constitui circunstância especial de isenção de criminalidade. É uma faculdade que o Juiz pode exercitar, mas que pressupõe a existência do delito no seu elemento moral e nos seus componentes objetivos. Ocorrendo essa hipótese, deve a sentença impor a condenação do réu nas custas e determinar que o seu nome seja lançado no rol dos culpados” (Ac. do TJSP, in RT 178/97).

Do mesmo modo, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Brasília/DF) também assim se posicionou, como se pode ler no seguinte trecho de ementa: “... Por isso, concedo ao réu o perdão judicial, nos termos do art. 168-A c/c art. 107, IX, ambos do CP, permanecendo a condenação quanto à multa. IV – Apelação provida. Perdão judicial concedido. Multa mantida” (Ac. de 29/01/08, da 3ª Turma do TRF/1, na Ap. Crim. 2005.39.00.004413-8/PA, Rel. Des. Fed. Cândido Ribeiro, decisão unânime, publicado em 07/03/08, in DJF1, p.115). Ao votar, disse o ilustre Relator, verbis: “Ante o exposto, dou provimento ao recurso do acusado para reduzir-lhe a pena e, estando presentes os requisitos objetivos e subjetivos por tratar-se de réu primário e de bons antecedentes, conceder-lhe o perdão judicial, com espeque no art. 168-A, § 3º, II c/c 107, IX, ambos do Código Penal, permanecendo a condenação quanto à multa” (idem).

Certo é que não havia na antiga Parte Geral do CP dispositivo equivalente ao art. 120. Porém, até antes da edição da nova redação dada ao aludido dispositivo (o que ocorreu ex vi do estatuído no art. 1° da Lei n° 7.209, de 11/07/84), no caso de perdão judicial o réu, devido à condenação, ainda tinha contra si os efeitos da reincidência. Exatamente porque naquela hipótese estavam sendo aplicados os efeitos dela, foi que no excogitado art. 120 do CP (em sua nova redação) veio a ser estatuído que, a partir de então, não mais como tal devesse ocorrer, tanto que, acerca do assunto, enfatizou PAULO JOSÉ FREIRE TEOTÔNIO: “Entretanto, dispondo expressamente o art. 120 que a sentença que conceder o perdão judicial não será considerada para efeitos da reincidência, admite, a contrario sensu, que os demais efeitos da sentença permanecem” (Revista citada, pág. 7).

DAMÁSIO EVANGELISTA DE JESUS também destacou: “Além disso, excluindo somente o efeito de a sentença condenatória gerar a reincidência, permite o entendimento de que subsistem as outras conseqüências reflexas” (in Direito Penal, Saraiva, 1° volume, 20ª ed., 1997, pág. 679).

Já após ao advento da nova redação do art. 120 do CPB (resultante da Lei nº 7.209, de 11/07/84), assim se manifestou o E. Supremo Tribunal Federal:

“O perdão judicial pressupõe condenação. Porém impede a aplicação de seus efeitos principais (penas principais, acessórias e medidas de segurança), subsistindo, porém, os efeitos secundários, ou sejam, lançamento no rol de culpados e pagamento de custas” (Ac. de 19/03/85, da 2ª Turma do STF, no RE nº 104.978-SP, Rel. Min. Djaci Falcão, decisão unânime, in DJU de 19/04/85)

“Perdão judicial. Impede a aplicação dos efeitos principais, mas subsistem os efeitos secundários (lançamento no rol dos culpados e pagamento das custas). Jurisprudência da Corte” (Ac. de 24/04/87, no RECr nº 113.129-SP, Rel. Min. Oscar Correa, decisão unânime, in DJU de 22/05/87; Ac. de 26/04/88, no RECr nº 115.995-SP, Rel. Min. Oscar Correa, decisão unânime, in RT 632/396).

A bem da verdade, diga-se que, em data de 20/11/90, o E. Superior Tribunal de Justiça (através da 3ª Seção) editou um enunciado da sua chamada Súmula de Jurisprudência Predominante (que é o de número 18), no qual afirmou que “A senetença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório”, tendo para isso indicado como fundamento, além do contido no art. 107, inc. IX, também o preceituado no art. 120 do Código Penal. Todavia, veja-se que não é isso o que está dito, e nem o que se pode inferir do expressado no prefalado art. 120, porquanto este excepcionou apenas os efeitos para consideração de reincidência, mas não todos os demais efeitos, senão, como é óbvio, a redação haveria de ter sido diferente da que foi adotada, incabível se supor que lex minus dixit quam voluit.

A tal respeito, aliás, citado por LEONARDO AUGUSTO DE ALMEIDA AGUIAR (em seu excelente estudo “Perdão Judicial”, in “http://bdjur.stj.gov.br/jspui/bitstream/2011/9960/1/Perd%c3%a3o_Judicial.pdf”, pág. 21, tópico 2.1.1. nota 29), evidencia RUY ARMANDO GESSINGER que “O legislador, no caso, então diria: “Não há crime quando o agente ...”

A indagações de como é possível falar em condenação, se o Código Penal diz que o juiz deixa de aplicar a pena ? e de que poderá, porventura, existir sentença condenatória sem imposição de pena ?, - a tais indagações, dizia, - responda-se que ali não há nenhum contra-senso. Condenação haverá. A pena é que, depois de feitos os devidos cálculos para a chamada individualização e sua fixação, deixará de ser mandada executar, isso por exceção instituída pela Lei.

Verdade é que alguns defendem o ponto de vista de que a sentença será meramente declaratória. Mas são tão poucos os mesmos, sendo que seus argumentos, concessa venia, não convencem. Aliás, a tal respeito pondera DAMÁSIO que “Se a sentença fosse meramente declaratória não poderia ser executada, no juízo cível, para efeito de reparação do dano” (Direito Penal, idem, idem).

Como alhures evidenciado, se o réu é, ex vi legis, isento de punição, axiomático será concluir que ele praticou ação típica, da qual a pena é corolário, embora de sua aplicação (e só dela) seja perdoado.

E, mais uma vez invocando DAMÁSIO, é ler-se: “Não é possível perdoar quem não errou. E o reconhecimento do erro é a condenação. Para perdoar, é necessário primeiro considerar que alguém praticou uma conduta típica e ilícita, sendo culpável.Se o fato não é típico, perdoar o quê ? Se o fato é lícito, o que perdoar ? Se o sujeito não se mostrou culpado, onde está o objeto do perdão ? Perdão pressupõe culpa (em sentido amplo). Absolvição pressupõe inexistência de responsabilidade por imputação de infração penal” (in Questões Criminais, Saraiva, 1981, págs. 231/232).

apmed
Enviado por apmed em 23/07/2009
Código do texto: T1714559