Pacta sunt servanda - os contratos devem ser cumpridos: este é um dos pilares do Direito Internacional.

Realmente, incontestável que os contratos - e os tratados - devam ser cumpridos. Entretanto, essa aplicabilidade inafastável, indiscutível deve se verificar em matéria eminentemente contratual, comercial, empresarial. Em se tratando de direitos humanos, não se pode nem se deve alegar aquele brocardo jurídico para por em risco a vida ou mesmo para submetê-la a uma situação desumana.

Na esfera internacional, o terceiro milênio tem a sua primeira década marcada, por sistemáticos descumprimentos das normas que asseguram os direitos humanos. Sob alegações falaciosas, sem qualquer fundamento moral ou ético que possam efetivamente alicerçá-los, nega-se a milhões de - seres humanos - os direitos humanos básicos. E ao nem mesmo se lhes respeitar os direitos humanos mínimos, também se lhes nega, por consequência, os direitos legais. Esses seres - humanos - não têm reconhecida essa sua própria condição: a de serem - humanos.

Em “defesa do Estado”, esse ente que não existe se não existir o ser humano -, milhões de pessoas tiveram e continuam a ter suas vidas ceifadas - sem possibilidade de defesa, física ou jurídica, em guerras insanas, em conflitos não declarados, mas que fazem centenas de vítimas, em disputas por reais motivos que jamais são (ou podem ser) revelados. Tudo isso ocorre para que sejam realizadas usurpações dos territórios e riquezas alheios. Essas arbitrariedades e atrocidades se sucedem a revelar mecanismos do Direito insuficientes, inoperantes ou débeis, sem vigor para coibí-los.

Ou seja, os tratados internacionais não têm sido cumpridos para impedir que o ser humano seja perseguido, preso arbitrariamente, julgado em tribunais de exceção sem direito ao devido processo legal e, depois, trucidado.
Por que, então, o Direito deveria exibir sua força impositiva e coercitiva em desfavor dos direitos humanos? Estaria o homem, em pleno século XXI, a regredir em seu pensamento e a reeditar seus piores erros? O seu grande saber, as suas reflexões profundas só serviriam para criar artifícios legais e diplomáticos que põem em risco o bem planetário mais precioso - a vida humana?

No plano nacional, alguns claramente tem se deixado influenciar por essas doutrinas políticas perversas, que põem a defesa do Estado acima da defesa da vida. E, lamentavelmente, a essa influência insidiosa não afeta apenas os não titulados.

Assim, produziu-se um raciocínio fortemente fundamentado num misto de soberba, disputas políticas e atenção egoísta à própria ascendência genealógica, com o fito de querer impor um entendimento de que o presidente da República, no plano internacional, deveria agir circunscrito à decisão do Supremo Tribunal Federal.
Como é do conhecimento de muitos, o Supremo Tribunal Federal é o órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro. Institucionalmente, sua principal função é ser o guardião da Lei Maior que norteia todo o ordenamento judiciário vigente no Brasil - a Constituição Federal. Suas decisões - na esfera nacional - tem de ser respeitadas e cumpridas, porque, como guardião-mor da Constituição, o seu papel é garantir a segurança jurídica a todo e qualquer cidadão, ao impedir que uma norma que vá de encontro à Lei Fundamental prospere e se imponha.

Já o presidente da República, como chefe do Executivo, é quem representa - a nação - no âmbito internacional. A soberania nacional é exercida por ele perante as outras nações. E o entendimento jurídico nacional não basta para bem orientá-lo, pois este é desprovido da informação de fatos políticos de conhecimento privativo dos chefes de Estado e/ou de Governo. Como, então, um órgão do Poder Judiciário - de jurisdição nacional - pode querer extrapolar essa sua jurisdição, prevista na Carta Magna brasileira, pretendendo atuar em âmbito internacional, ou, como se defendeu, ditar a postura do Estado Federal enquanto pessoa jurídica internacional? Respaldado em que lei o Supremo Tribunal Federal teria autoridade para fazê-lo?

A Carta Magna constitui três Poderes - o Legislativo, o Executivo e o Judiciário -, que devem atuar, entre si, de forma independente e harmônica. Isso significa que nenhum dos três Poderes deve tentar desempenhar o papel que, constitucionalmente, a outro cabe. Nenhuma grandiosa aplicação mental pode produzir um trabalho intelectual que isso desfaça - seja de forma explícita ou implícita -, sob pena de atentar contra a democracia e, ao alegar estar a aplicar a lei, estar, em verdade, a distorcê-la para a violar.

O homem não é apenas sujeito de direito nacional, mas também de direito internacional. E se no plano interno as leis atribuem ao homem garantias, direitos e deveres, as normas internacionais garantem-lhe os direitos fundamentais.
Ao assinar um tratado internacional o Estado se compromete a não violar suas normas nem a deixar viger norma que o contrarie. Ratificado o tratado, a sua vigência, antes apenas no plano externo, terá de ser observada no plano interno, a submeter, assim, o Estado e seus cidadãos.

Se é certo que o direito internacional prevalecerá sobre o nacional, mais certo é de que jamais o será para negar direitos humanos fundamentais. Porque o Direito - como ciência - existe não só para garantir a segurança e a preservação da vida, mas também para garantir que o homem possa ser feliz. E nenhum ser da espécie humana pode ser feliz se estiver sob ameaça, se estiver a ser injustiçado, se estiver a ter suas necessidades básicas não atendidas. O Direito falha, é omisso ou se descarrila quando permite ou, pior, autoriza, compactua com norma que promova a iniquidade, pois se a Justiça se dedicar a causar injustiça ela, obviamente, não estará apenas sendo ineficiente, mas estará a laborar para sua própria extinção. Porque injustiça sempre existiu sem que se precisasse criar um órgão para promovê-la ou privilegiá-la.

O tratado internacional, portanto, tem de ser cumprido não apenas para castigar o homem que viola as normas jurídicas, mas, principalmente, para livrá-lo do desrespeito aos seus direitos e garantias fundamentais. Urge preservar a vida humana e não permitir que possa ser aviltada sob quaisquer pretextos - principalmente, os circunstanciais os determinados por uma situação, condição ou estado válidos em um dado momento. Porque se a vida é efêmera, ela não é banal: em verdade, a vida é o único grande milagre que existe em todo o planeta, por isso mesmo merecedora de todos os direitos e garantias.

Todos esses direitos e garantias devem ser assegurados mesmo a um assassino?
Vivemos tempos em que a intriga seja para obter alguma vantagem ou, simplesmente, para prejudicar alguém se tornou modo comportamental predominante para muitos, que o fazem de forma despudorada, irresponsável e sem que venha a suscitar-lhe qualquer arrependimento. Muitos se orgulham das acusações levianas, injustas, fundadas na inveja que perpetram e continuam a afirmá-las mesmo depois de desmascarados. Logo, é de bom alvitre que, em caso de dúvida - seja da autoria do crime ou da idoneidade do acusador - que se decida em favor do réu -, porque pior do que favorecer um assassino será prejudicar um inocente. E, lamentavelmente, na História da humanidade não é tão raro que, sob o pretexto de fazer justiça, se beneficie o assassino e se execute o justo.

Ao Supremo Tribunal Federal, portanto, cumpre fazer valer a lei em benefício da vida e a exaltar - sempre - a dignidade da pessoa humana - o pilar central de nosso ordenamento jurídico e fundamento da República Federativa do Brasil.

Em todos os tempos, vaidades, disputas políticas, ódios, vinganças, reflexões movidas por interesses egoístas ou sectários, desejos tão recônditos quanto indeclaráveis de subjugar aquele que se elegeu como adversário, que se tem como inimigo à sua própria vontade ou capricho - como nos tribunais de inquisição ou os de exceção. Mas, ser - humano - não é ser indiferente e insensível, perseguidor implacável, entendido em intrigas e em vinganças injustas; ser - humano - jamais é agir de forma cruel: isto, ao revés, nos torna desumanos. Sempre que o homem assim se norteia termina por ser, ele mesmo, a primeira vítima - mesmo quando pensa ter ganho a guerra.

Desumanamente, portanto, jamais faremos justiça; desumanamente - refletimos de modo obtuso, confuso, raciocinamos como ostras. Desumanamente agimos quando permitimos que a maldade nos domine. Assim dominados, jamais seremos capazes de fazer justiça, mas tão-somente de promover iniquidade - que é, precisamente, a negação daquela. Quantos tribunais, que se tornaram notórios por suas graves injustiças, não foram extintos e se tornaram apenas referência nos relatos que descrevem as piores eras da humanidade?

A injustiça, a iniquidade está sempre a ser reeditada, até porque a ignorância não foi extinta e ainda prevalece em muitos indivíduos. O que se espera é que, pelo menos aqueles que tiveram a sorte de frequentar as instituições de ensino superior de renome internacional, não voltem a instituir os piores institutos, não tornem a produzir as piores decisões, não tentem restaurar os piores decretos. Pois, do contrário, estarão a produzir pior dano do que se seriam capazes se nenhum conhecimento tivessem.

O que se espera é que - pelo menos os doutos - sejam humanos. E ser - humano - é não ser hipócrita, é não querer obter vantagens através do sofrimento e do sangue alheio. Ser - humano - é ser generoso é ser justo, é ser altruísta. E ser generoso não é ser subserviente e muito menos covarde. Quantas vezes o homem não foi iníquo exatamente por ser covarde? Quantas vezes não foi iníquo por orgulho, por soberba? Quantas vezes o homem não foi injusto por ser egoísta e invejoso? Quantas vezes o homem não foi injusto por ser desonesto, corrupto, mercenário?

Através da maldade ninguém jamais se tornou ou se tornará realmente magnânimo; através da maldade ninguém jamais conseguiu ser ético.