Conversando Direito

O "STATUS QUO ANTE"

No meio jurídico, quando se fala em Responsabilidade civil várias são as possibilidades de cabimento, de formas, de espécies, que fica difícil de identificar o que possa ser.

É caso de: Lucro cessante? Dano emergente? Dano material? Dano moral? Responsabilidade subjetiva? Responsabilidade objetiva? Qual foi o dano? O que representa? Culpa concorrente? Culpa exclusiva da vítima? Nexo de causalidade? Alguma excludente? De ilicitude ou de responsabilidade? Enfim, diversas são as possibilidades e pré-questionamentos que são feitos por aqueles que dedicam sua vida ao direito, até que se possa pensar em “o que fazer” ou “como agir”.

No senso comum, a Responsabilidade civil é desconhecida. Conhece-se um de seus “elementos” apenas, a indenização. E qualquer coisa hoje em dia é motivo para que pessoas digam: Vou entrar na justiça pra pedir uma indenização! Por quê? Ele me olhou com cara feia. Você tá de prova, né fulano?

E ainda tem aqueles que ouviram falar do tal do dano moral e tudo passa a ser motivo pra querer saber se pode “pedir” dano moral... O negócio é tirar proveito de alguma forma, mesmo que seja com a desgraça alheia.

Aí escutamos pessoas comentarem que a indenização ou o tão alardeado dano moral passaram a se tornar uma indústria de dinheiro, que acaba não trazendo outra coisa àquele que “pede”, uma maneira de ganhar dinheiro em cima de uma tragédia ou de uma rixa antiga, ou ainda, de tirar proveito de uma situação constrangedora (abro esse parênteses para dizer que hoje é muito difícil saber o que é constrangedor para qualquer pessoa que vê tanta desgraça e sujeira social e nem se abala mais, ou seja, ou perdeu a referência de constrangimento ou banalizou-o).

Sabe-se que a indenização é uma punição muito mais antiga do que se pode imaginar o senso comum, que se encanta com aqueles “bons de fala” que fazem uso de expressões para encantar ou ouvidos daqueles que vêem, pois na verdade, o que se vê é uma coisa e a melodia que se ouve na fala das pessoas é que encanta. É a sonoridade cristalina de quem fala com propriedade, sem mascar, e promove uma sonata aos ouvidos puros e incautos.

Isso se deve, provavelmente, a uma expressão que começou a ser utilizada pelos estudiosos do direito, conhecidos como doutrinadores, que usam e abusam das expressões latinas no seu dia a dia, fazendo com que se torne referência de cultura e sabedoria, sem saberem de certo, que cultura é uma coisa e sabedoria é outra bem diferente. Mas vamos às expressões latinas para não perdermos o fio da meada...

Recomposição do status quo ante. Uma bela frase que encanta àquele que a ouve e proporciona verdadeiras viagens sobre o que possa ser isso de tão importante que deve ser falado assim, em outra língua. Pois é. Assim como a práxis humana com o decorrer do tempo tornou-se simplesmente prática habitual, um dia teve o belo significado de uma “ação precedida de uma reflexão”, o status quo ante também teve sua essência desvirtuada e levada a uma visão simplista de “voltar ao estado anterior”. Assim como aquela, esta foi modificada com o tempo para simplificar o entendimento.

Mas não é justo continuarmos permitindo que as pessoas permaneçam com a visão estrita sobre determinadas expressões que podem significar coisas totalmente diferentes do que as entendidas. Precisamos interferir e começar a demonstrar aquilo que realmente importa e é relevante para as pessoas saberem ou compreenderem. Não me sinto como o baluarte do conhecimento, capaz de solucionar os problemas de linguagem, muito menos de querer assumir a posição de detentor da verdade. Quero somente conversar, para que esclareçamos algumas dúvidas que às vezes nós mesmos tivemos a dificuldade de compreender e hoje sentimos a vontade de dizer aos outros: “Veja como eu entendi isso!” ou “Eu penso diferente sobre isso, para mim...” E aí viaja o pensamento, como dizia nosso apaixonante Mário Quintana, ao se referir sobre as reticências.

A expressão status quo ante em tempo algum, creio eu, serviu para a literalidade de retornar ao estado anterior, e por isso devemos fazer algo para tal recomposição. Impossível, e sabemos claramente o quanto tal situação é irreal. Como votar ao estado anterior de qualquer coisa. Não tem jeito. Vamos a um exemplo: você ganha um cartão postal de um amigo de infância que foi em viagem. Dois dias depois, alguém pega esse cartão e rasga. E aí? Podemos dizer: Ah! Pode-se comprar outro cartão igual ou até um melhor do que aquele, que era tão simples... Ou ainda Liga pra ele e pede pra mandar outro. Quem sabe dessa vez ele manda um mais bonito! Sim, isso é fato. Assim pensamos na maioria das vezes que uma criança perde alguma coisa e queremos imediatamente substituir por outra, como se aquilo bastasse para resolver aquele impasse criado pela perda ou pelo dano. Como fazer isso sem ser injusto, mesquinho ou frívolo? A resposta é o “X” da primeira questão, qual seja como recompor algo que é impossível, pois diversos e diferentes valores são dados por cada um a cada coisa que faz parte de seu meio, de sua vida.

O status quo ante nada mais é ou se apresenta, como uma expressão utilizada para restabelecer o desequilíbrio promovido na vida de alguém.

O direito tem um princípio maior que está na obrigação que todos temos de não lesar ninguém, vivendo em prol do bem comum.

Se uma pessoa tem como direito fundamental o de não ser lesado e assim o é, há que entender que houve um desequilíbrio em sua vida, até então estável e sem problemas. A esse desequilíbrio, para que possa ser generalizado e atender a todos da mesma forma e intensidade, utiliza-se a expressão “desequilíbrio social” ou “equilíbrio social desfeito”.

Acredito que agora possamos entender melhor o surgimento da expressão status quo ante. Quando se utilizava dessa expressão, a intenção inicial era de recuperar o equilíbrio social desfeito, devido à lesão de um direito. Recompor o status quo ante era, simplesmente, recuperar o equilíbrio social desfeito. Para isso dava-se a liberdade de escolha àquele que sofreu o dano ou prejuízo, ou seja, a nossa hoje querida e festejada indenização.

Impossibilitado de recuperar o equilíbrio desfeito por dano a valores pessoais ou patrimoniais, a indenização serve para, pelo menos, amenizar a dor de quem sofre com a perda de um bem ou de um ente querido. Minimiza, mas não faz voltar ao estado anterior, ou seja, não trás de volta aquele bem ou aquele ente querido, por isso não há como recompor o estado anterior ao dano e sim e tão somente, recuperar o equilíbrio social desfeito.

Espero que após essa conversa possamos, em nossa práxis, fazer melhor uso da expressão status quo ante.