NOVA CONSTITUIÇÃO E LEIS ANTERIORES

Com o advento de uma nova Constituição, o que acontece com as normas que foram elaboradas na vigência da Constituição anterior? Serão revogadas? Serão reeditadas? Perderão a validade?

De acordo com Pedro Lenza, “Estamos diante de um dos temas mais fascinantes do direito, qual seja, o do direito intertemporal lato sensu, vale dizer, a relação do direito com o passado, presente e futuro”. (Pedro Lenza, Direito Constitucional Esquematizado, pág. 122).

Trata-se de uma importantíssima ferramenta de paz social - pela qual, evidencia-se, o respeito ao direito adquirido. Protege o cidadão de um possível abuso por parte dos governantes.

Sendo assim, consoante Pontes de Miranda, “a irretroatividade defende o povo; a retroatividade expõe-no à prepotência” (Comentários à Constituição de 1967, com a EC n. 1, de 1969).

RECEPÇÃO

As normas infraconstitucionais, elaboradas antes do advento da nova Constituição, farão parte do novo ordenamento jurídico?

Todas as normas infraconstitucionais que forem compatíveis com a nova Constituição serão recepcionadas. A contrario sensu, caso sejam incompatíveis, serão revogadas por ausência de recepção.

Portanto, nos casos de normas infraconstitucionais produzidas antes do advento da nova Constituição e que sejam incompatíveis com a mesma, não há que se falar em inconstitucionalidade; apenas, como visto, em revogação por ausência de recepção.

INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE

Conforme previsto no art. 102, I, a, da CF/88 – o Supremo Tribunal Federal (STF), não admite a teoria da inconstitucionalidade superveniente de ato normativo elaborado antes do advento da nova Constituição. Fala-se, apenas, caso sejam compatíveis, em recepção; ou, caso incompatíveis, revogação por ausência de recepção.

Para melhor ilustração, segue jurisprudência do STF, para sedimentar o que foi relatado:

“EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade – Impugnação de ato estatal editado anteriormente à vigência da CF/88 – Inconstitucionalidade superveniente – Inocorrência – Hipótese de revogação do ato hierarquicamente inferior por ausência de recepção - Impossibilidade de instauração do controle normativo abstrato – Ação direta não conhecida. A ação direta de inconstitucionalidade não se revela instrumento juridicamente idôneo ao exame da legitimidade constitucional de atos normativos do poder público que tenham sido editados em momento anterior ao da vigência da Constituição sob cuja égide foi instaurado o controle normativo abstrato. A fiscalização concentrada de Constitucionalidade supõe a necessária existência de uma relação de contemporaneidade entre o ato estatal impugnado e a carta política sob cujo domínio normativo veio ele a ser editado. O entendimento de que leis pré-constitucionais não se predispõem, vigente uma nova constituição, à tutela jurisdicional de Constitucionalidade in abstracto – orientação jurisprudencial já consagrada no regime anterior (RTJ 95/980 – 95/993 – 99/544) – foi reafirmado por essa Corte, em recentes pronunciamentos, na perspectiva da Carta Federal de 1988. A incompatibilidade vertical superveniente de atos do Poder Público, em face de um novo ordenamento constitucional, traduz hipótese de pura e simples revogação dessas espécies jurídicas, posto que lhe são hierarquicamente inferiores. O exame da revogação de leis ou atos normativos do Poder Público constitui matéria absolutamente estranha à função jurídico-processual da ação direta de inconstitucionalidade” (ADIQO-7/DF, rel. Min. Celso de Mello, DJ, 04.09.1992, p. 14087, Ement. V. 01674-01, p. 1 – original sem grifos).

Assim sendo e, de acordo com o STF, vigora o princípio da contemporaneidade; isto é, uma lei só é constitucional caso obedeça aos preceitos legais da Constituição sob a qual ela foi produzida.

Uma lei que fere o processo legislativo previsto na Constituição sob cuja regência foi editada, mas que, até o advento da nova Constituição, nunca fora objeto de controle de constitucionalidade, poderá ser recebida pela nova Constituição se com ela for compatível?

Segundo parte da doutrina, como a lei não foi declarada inconstitucional na vigência do antigo ordenamento jurídico e, sendo compatível, do ponto de vista material, com a nova Constituição, teoricamente, ela poderia ser recebida pelo novo ordenamento jurídico.

Todavia, como se verificou do princípio da contemporaneidade, o controle de constitucionalidade só será realizado em atos normativos, infraconstitucionais, elaborados sob a égide da nova Constituição.

Portanto não há que se falar em compatibilidade se o ato normativo foi elaborado antes da nova Constituição. Ademais, a lei que pretende ser recebida deverá ser compatível tanto formal quanto materialmente com a antiga Constituição. Vício ab origine - congênito, nulifica a lei.

Desse modo, a lei anterior, sendo inconstitucional, ainda que não tenha sofrido o devido controle na época, não poderá ser recebida pela nova Constituição, sendo necessário, para tal, obedecer aos seguintes requisitos:

1.Estar em vigor com o advento da nova Constituição;

2.Não ser inconstitucional durante a vigência da antiga Constituição;

3.Compatibilidade formal e material com a antiga Constituição;

4.Compatibilidade material com a nova Constituição (uma lei pode ter sido editada como ordinária e ser recebida como complementar).

a) É possível, ainda, uma mudança de competência; ou seja, matéria que, antes era de competência da União, passe a ser de competência dos Estados-membros.

b) Também é possível a recepção de parte da lei (um artigo, um parágrafo etc.).

REPRISTINAÇÃO

“Vejamos a situação: uma norma produzida na vigência da CF/46 não é recepcionada pela de 1967, pois incompatível com ela. Promulgada a CF/88, verifica-se que aquela lei, produzida na vigência da CF/46 (que fora revogada – não recepcionada – pela de 1967), em tese poderia ser recepcionada pela CF/88, visto que totalmente compatível com ela. Nessa situação, poderia aquela lei, produzida durante a CF/46, voltar a produzir efeitos? Ou seja, repristinaria? Como regra geral, o Brasil adotou a impossibilidade do fenômeno da repristinação, salvo se a nova ordem jurídica expressamente assim pronunciar”. (Pedro Lenza, Direito Constitucional Esquematizado, pág. 125).

Como ilustração, vejamos o entendimento do STF sobre o assunto:

“EMENTA: Agravo regimental – Não tem razão o agravante. A recepção de lei ordinária como lei complementar pela Constituição posterior a ela só ocorre com relação aos seus dispositivos em vigor quando da promulgação desta, não havendo que pretender-se a ocorrência de efeito repristinatório, porque o nosso sistema jurídico, salvo disposição em contrário, não admite repristinação (artigo 2.º, § 3.º, da Lei de Introdução ao Código Civil). Agravo a que se nega provimento” (AGRAG 235.800/RS, rel. Min. Moreira Alves, DJ, 25.06.1999, P.16, Ement. V. 01956-13, p. 2660, 1ª Turma – original sem grifos).

DESCONSTITUCIONALIZAÇÃO

Trata-se da recepção - pela nova Constituição - das normas da Constituição anterior, que são compatíveis com o novo ordenamento jurídico; agora, porém, com o status de norma infraconstitucional. Todavia, no Brasil, como regra geral, o fenômeno da desconstitucionalização não é verificado, salvo, se a nova Constituição, expressamente, assim o requerer.

RECEPÇÃO MATERIAL DE NORMAS CONSTITUCIONAIS

Conforme doutrina do Professor Jorge Miranda: “a da persistência de normas constitucionais anteriores que guardam, se bem que título secundário, a antiga qualidade de normas constitucionais”. Desse modo, esclarece o conspícuo professor: ‘a par das normas que são direta expressão da nova idéia de Direito e que ficam sendo o núcleo da Constituição formal, perduram, então, por referência a elas, outras normas constitucionais’ (cf. Manual de Direito Constitucional, Coimbra, Coimbra Ed., 1988, t. II, p. 240)”.

A título de exemplo, interessante ressaltar o art. 34, caput, e seu § 1.º, do ADCT da CF/88, que garantem, expressamente, como norma Constitucional no novo ordenamento jurídico, a continuidade de artigos da Constituição anterior.

Contudo, pela própria natureza do Poder Constituinte Originário, que é a de criar um novo Estado, isto é, romper de vez com o antigo ordenamento jurídico, a recepção material só será admitida se assim determinar, expressamente, a nova Constituição; caso contrário, as normas anteriores serão revogadas.

Referências

LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado, 13 ed. rev., atual. e ampl..ed. Saraiva, 2009.