O IMBATÍVEL DIREITO DAS OBRIGAÇÕES




O direito das obrigações, bem como outras áreas do Direito Civil, é um dos precursores da existência humana, sendo oriundo do Império Romano, extraordinária fonte legislativa que contribuiu sobremaneira para a evolução de nosso direito contemporâneo. Assim sendo, por conta de todo conjunto de normas existentes, regulando as relações civis entre os indivíduos, contribui para que o Imperador Justiniano promovesse uma compilação de todo o direito até então existente, através da criação do Corpus Júris Civilis.


Têm-se como marca predominante, o período do desenvolvimento do século XIX, onde se propagou na Europa um grande movimento, cuja principal intenção era a de incentivar a codificação oriunda do direito romano. Sendo assim, cada país, de acordo com seus próprios costumes, procurou sintetizar as normas jurídicas relacionadas aos mais diversos ramos do direito, mediante a criação de Códigos. Em nosso direito pátrio, o Código Civil entrou em vigor no ano de 1916, permanecendo vigente até o ano de 2002, quando o novo Código Civil foi sancionado no dia 10 de janeiro de 2002, pelo nosso Presidente da República.


Delineando no palco específico do Direito, as obrigações assumem o papel em toda amplitude, talvez até mesmo indelimitada no dever jurídico imposto e com relevância em assumir o cumprimento, tais como material e patrimonial. É neste sentido, que o homem é levado no estrado jurídico, e incluído no Instituto jurídico das obrigações, estabelecendo fatos ou atos entre pessoas, onde se distingue precisamente a figura de credor e do devedor. Notadamente, é neste basilar que as obrigações como parte integrante do Direito Civil, possui estas características preambularmente como direito do crédito, onde brota em favor do credor a quem o devedor terá a obrigação de satisfazer.


Com o surgimento de uma obrigação tem sempre uma causa geradora, que vem a ser a fonte da obrigação, acaso, sobrevenha de um contrato é mister que houve uma comunhão de vontades, exemplificando: o contrato de locação, seguro e o contrato de compra e venda. Afora, quando essa obrigação surja de um ato ilícito que, voluntariamente, venha a causar dano a outrem, diz-se que a fonte geradora da obrigação de ressarcir o dano é um delito. Faz-se importante esta abordagem devido às divergências doutrinárias em torno da classificação das fontes obrigacionais, pois com a evolução da sociedade, das culturas, da economia e da política, foram surgindo novas causas geradoras de vínculos obrigacionais que não eram enquadrados dentro das teorias das fontes tradicionais.


Em termos de posicionamento da disciplina, temos que o Direito das Obrigações foi inserido no primeiro livro da Parte Especial do Código Civil de 2002, o qual ainda dividiu o diploma legal da seguinte forma: Direito de Empresa (segundo livro); Direito das Coisas (terceiro livro); Direito de Família (quarto livro); além do Direito das Sucessões (quinto livro). Estabelecendo-se uma breve comparação em relação ao Código Civil anterior, temos que a adoção do princípio da boa-fé objetiva constitui importante inovação, capaz de nortear todo o ordenamento jurídico privado.


Após esta breve divagação histórica, passamos a ponderar o conteúdo que envolve a própria noção geral do direito das obrigações, como sendo aquela que disciplina as relações jurídicas patrimoniais, enfatizando o tratamento das relações obrigacionais capazes de ligar um sujeito ao outro. A fundamental ocupação da disciplina é a de analisar as relações entre dois sujeitos, um sujeito ativo (credor) e outro sujeito passivo (devedor). Esta relação existente entre ambos abrange uma relação do caráter pessoal, a partir do momento em que o sujeito ativo, através de uma conduta positiva ou negativa do devedor, é dotado do direito de exigir o cumprimento da obrigação antes estabelecida.


A obrigação inicialmente avençada possui alguns requisitos, entre os quais, a necessidade de ser lícita, possível, determinada ou determinável. Ainda com relação ao tema, pode-se ressaltar que o vínculo obrigacional possui um caráter transitório, uma vez que o negócio jurídico realizado entre o credor e o devedor não se perpetua, a partir do momento em que a obrigação é cumprida, averiguando-se in loco a sua extinção.


Por conta da noção geral acima apresentada, importante se faz uma breve abordagem acerca do conceito de obrigação. Sua definição advém da vocação do ser humano em viver numa sociedade organizada, não somente num grupo de indivíduos, como também baseado em normas, deveres, e obrigações, cujo principal objetivo consiste no estabelecimento de vínculos, sejam eles de cunho religioso, político, ou social. Outro fator que assume sensível importância envolve a noção da palavra obrigação (obligatio), a qual implica na existência de uma ligação jurídica entre o credor e o devedor, sendo que o primeiro tem o direito de receber do segundo determinada prestação. A partir desta noção do vocábulo obrigação, temos que dois são os elementos do tema ora em estudo: por um lado, temos a existência de uma prestação a ser cumprida pelo credor, sendo que por outro lado, emana o dever e a responsabilidade por parte do devedor, pelo seu respectivo pagamento.


A amplitude do direito das obrigações permite que as suas características possam ser devidamente abordadas, como forma de se entender melhor o tema ora abordado. Sendo assim, preliminarmente, observa-se que a disciplina está assentada no princípio da autonomia da vontade, a partir do momento que ao fixar normas gerais, a vontade das partes (credor e devedor), passa assumir importante função. Outra característica que merece destaque, aborda a capacidade do direito das obrigações de ser a disciplina considerada como a que menos se torna sensível à mutações sociais. Isto quer dizer que sua sólida estrutura não permite constantes mutações, sob pena de não alcançar o objetivo inicialmente proposto. Continuando a descrição das características do direito das obrigações, temos que esta disciplina não sofre influências locais, como se percebe no Direito de Família, em que certos costumes de caráter moral, pode ser capaz de alterar o panorama da disciplina, adequando-se ao período até então vigente. Como conseqüência desta ausência de influências locais, percebe-se que a tendência do direito das obrigações é de tornar-se universal, alcançando estruturas que se perpetuam no tempo, como ocorre com o contrato de compra e venda, em que as características gerais permanecem vigentes e semelhantes na grande maioria dos países.


E dessa particularidade como forma de conclusão, duas outras características devem ser mencionadas na disciplina do direito das obrigações, como aquela que envolve o elemento econômico presente na disciplina que se encontra regulada sob os ditames da atividade produtiva e da negociação de bens. Sendo assim, estamos diante de uma nova tendência do direito das obrigações, que abrange a unificação da disciplina, com a criação de um verdadeiro “Código das Obrigações”, cujas inúmeras tentativas de compilação inicialmente não lograram êxito, nas que continuam objeto de contínuos estudos doutrinários. Por sua vez, não poderíamos finalizar o presente item, sem abordar uma característica fundamental do direito das obrigações considerado por alguns autores como um verdadeiro princípio, qual seja: o princípio da boa-fé. Através deste princípio, incentivado pelo Código Civil de 2002, procura-se criar uma norma de conduta entre os contraentes, que permanecem vigentes desde o início até o término do contrato. Os deveres de lealdade e cooperação devem estar sempre presentes, como forma de incentivo da segurança jurídica nas relações obrigacionais. Neste aspecto, o artigo 422, do Código Civil explica de forma singular os princípios que norteiam a conduta dos contraentes. Portanto, observa-se que a boa-fé constitui importante parâmetro na busca por princípios capazes de conservar a teoria contratual moderna. Assim, herdando as origens do direito romano, o Código Civil de 2002, classificou o direito das obrigações em conformidade com a conduta dos contraentes, previstas na obrigação de dar (coisa certa ou incerta) e de fazer positivas, e a de não fazer, negativa.


Todavia, antes de adentrarmos na classificação de cada uma das modalidades existentes, importante ressaltarem alguns elementos de sua constituição, onde as obrigações podem ser simples (existência de um sujeito ativo, ou seja, um credor, e um sujeito passivo, caracterizado pelo devedor, além de um objeto), ou compostas (aquelas em que se encontram vários objetos e dois ou mais sujeitos ativos e passivos na relação obrigacional. Por sua vez, as obrigações complexas, dividem-se em obrigações cumulativas e obrigações alternativas. Nas obrigações cumulativas, apresentam-se objetos ligados pelo conectivo e, o que atribui uma característica de acumulação (mais de um objeto). O exemplo clássico pode ser abrangido pelo fato de alguém se obrigar a entregar a alguém uma saca de trigo e uma de café, cumulativamente. Nas obrigações alternativas, pelo contrário, seus objetos não são somados, cumulados, destacando-se a necessidade de se estabelecer uma escolha. Mais uma vez, um exemplo é capaz de reger esta espécie: Imagine a situação em que Roberto compromete-se entregar a Felipe como objeto da prestação, uma saca de arroz ou uma de milho. Neste caso concreto, a simples entrega de um destes objetos mostra-se suficiente para o cumprimento da obrigação.


No que corresponde ao conceito de obrigação de dar coisa certa, pode-se ressaltar que esta possui como teor a entrega de uma coisa que pode ser móvel ou imóvel, fungível ou infungível, divisível ou indivisível. Por conta desta definição pode-se ressaltar que nas obrigações de dar coisa certa, é fundamental a determinação do gênero, da espécie e da quantidade, abrangendo também o fornecimento dos acessórios. Como forma de exemplo da obrigação de dar coisa certa, pode-se destacar o caso de um indivíduo que vendeu sua vitrola, o qual deve entregá-la ao comprador, sem ocorrer qualquer alteração no objeto, ou seja, não deve ocorrer um desvirtuamento das características do rádio, sob pena do negócio jurídico restar por prejudicado. Para que esta modalidade de obrigação se aperfeiçoe, é fundamental que se transfira a posse e não somente a propriedade. Isto quer dizer que não é suficiente que o indivíduo seja proprietário do objeto. É necessário que o mesmo tenha o bem em seu poder, para que possa exercer normalmente o uso do mesmo.


A questão controvertida nasce quando se passa a discorrer sobre os casos em que o objeto sofre perecimento ou deterioração, com ou sem culpa do devedor. Em casos como este, dois exemplos são capazes de dirimir qualquer dúvida. Imaginemos o exemplo de um veículo que se incendeia, reduzindo-se a cinzas, ou é furtado. Neste caso, estamos diante de um perecimento, diante da perda total do objeto da prestação. Por outro lado, aproveitando o mesmo exemplo do veículo, em que o mesmo, após um pequeno incêndio, em seu interior, no painel do mesmo. Na situação descrita, configura-se uma situação de deterioração do veículo, uma vez que houve uma perda parcial do veículo, objeto da prestação.


Os dois exemplos acima descritos demonstram a responsabilidade do devedor em relação à obrigação. Assim sendo, ocorrendo o perecimento ou deterioração da coisa por culpa do devedor, o credor possui o direito de receber o equivalente ao valor do veículo acrescido das perdas e danos (artigos 234, do Código Civil). Por sua vez, ocorrendo o perecimento ou deterioração da coisa, sem culpa do devedor, a obrigação restará por resolvida, ou seja, nenhuma das partes do contrato será prejudicada, retornando a obrigação em seu estado inicial. Finalmente, breve consideração dever ser feita em relação à obrigação de restituir. Neste caso, o devedor não é mais considerado como proprietário da coisa e sim mero detentor. Como forma de exemplo, B, detentor de um veículo por qualquer motivo, deve entregar o veículo (restituir) para A, este sim verdadeiro dono do objeto da prestação.


Como forma de definição da obrigação de dar coisa incerta, ressalta-se neste caso que o devedor se compromete a entregar ao credor uma coisa que não é considerada em sua individualidade, mas sim em relação ao seu gênero e quantidade. Exemplo clássico, é aquele em que o devedor mediante contrato, obriga-se a entregar ao credor, uma saca de feijão, sem estipulação de qualquer detalhe capaz de individualizar a coisa. A única ressalva que deve ser feita no estudo do presente instituto, diz respeito ao direito de escolha. Em casos como este, no momento do devedor cumprir sua obrigação, este poderá promover a escolha da qualidade do objeto não pode ser inferior, tampouco superior, à qualidade inicialmente avençada. Recomenda-se assim, que a qualidade adotada deve ser média.


Ao se instituir uma definição envolvendo a obrigação de fazer, destaca-se que esta consiste naquela que sujeita o devedor (sujeito passivo) a uma prestação positiva em favor do credor (sujeito ativo). Esta prestação positiva caracteriza-se por uma atividade que deverá ser lícita e vantajosa ao seu credor. Exemplo clássico do instituto pode ser caracterizado pelo pintor que se dispõe a pintar a alguém um quadro. Este comprometimento do pintor caracteriza-se uma obrigação de fazer.


Por sua vez, as obrigações de fazer, no âmbito de sua completude admitem uma divisão em obrigação de fazer de cunho imaterial, ou material. No que correspondem às obrigações de fazer de cunho imaterial, também chamadas personalíssimas, pode-se ressaltar que são aquelas que dependem das qualidades individuais de quem se obriga. Como forma de exemplo desta obrigação de fazer imaterial (professor, artista), a prestação de um serviço o qual pode ser realizado somente por este profissional. Entretanto, não podemos deixar de mencionar o conteúdo das obrigações de fazer de cunho material. Nesta espécie, caso o devedor não venha a cumprir sua obrigação, pode o credor providenciar que seja a mesma cumprida por terceiro, ou seja, por outra pessoa. Imaginemos o caso de um indivíduo que contrata um pedreiro para a construção de um muro, ou a contratação de um marceneiro para a construção de um guarda-roupa. Como em ambos os exemplos, estamos diante de um fazer físico, material, mostra-se perfeitamente possível que o serviço seja executado por outra pessoa, que não o próprio devedor.


Ainda com relação ao tema, importante consideração há de ser feita no tocante ao inadimplemento das obrigações de fazer. Levam-se em consideração mais uma vez, a conduta do devedor, para que o grau de intensidade da sua responsabilidade seja auferido. Na impossibilidade de o devedor cumprir a obrigação, esta restará por resolvida, sem acarretar qualquer prejuízo para ambas as partes. Contudo, diante do inadimplemento da obrigação, atribuída a uma conduta culposa do devedor, este responderá por perdas e danos. No caso da impossibilidade do cumprimento da obrigação estiver atrelada a mora (demora), ou recusa do devedor, duas situações podem ocorrer: a primeira delas diz respeito a uma obrigação infungível (somente o devedor pode prestá-la), em que a inexecução da obrigação concede ao credor, o direito a perdas e danos; a segunda hipótese, retrata as obrigações fungíveis (outra pessoa além do devedor pode cumprir a obrigação), em que a atitude do devedor em não adimplir a obrigação, cabendo ao devedor custar a execução do serviço. Isto sem deixar de ressaltar a possibilidade do credor reclamar perdas e danos, por conta do inadimplemento da obrigação por parte do devedor.


A legislação civil atualmente em vigor inovou sobremaneira, a forma de cumprimento da obrigação, por conta do retardamento do devedor. Sendo assim, constatada a urgência no cumprimento da obrigação, pode o credor executá-la ás suas próprias expensas, sem anterior ordem judicial autorizando, e mesmo assim ser o credor, ao final indenizado pelas despesas, acrescido das perdas e danos remanescentes. E desse modo, a obrigação de não fazer, como o próprio significado do vocábulo nos indica, não passa de uma abstenção por um dos sujeitos da obrigação. Neste aspecto, importante definição nos traz o ilustre autor Silvio De Salvo Venosa, que destaca: “a obrigação de não fazer cumpre-se pela abstenção, isto é, o devedor cumpre a obrigação todas as vezes que poderia praticar o ato e deixa de fazê-lo. Há uma continuidade ou sucessividade em seu cumprimento. A abstenção pode ser limitada ou ilimitada no tempo, sempre se levando em conta a licitude, no campo da moral e dos bons costumes”.


É nestes termos com a evolução modernista que o mundo e o homem da contemporaneidade vivem, abrindo no patamar novas discussões nas arestas jurídicas que modificam e alteram as situações advindas do convívio humano. É neste passo em que caminha o homem nas resoluções que se apresentam, sobressaindo a necessidade, o intuito de convalidar o direito das obrigações, perfazendo nas trilhas dessa comunhão, o paladar de metas, responsabilidades e o cumprimento desse predicativo tão reconhecido nos lastros judiciais das sociedades.


O inadimplemento da obrigação de não fazer também foi disposta pelo legislador pátrio, conforme entendimento do artigo 251, caput e parágrafo único. Neste sentido, se o devedor pratica o ato, que se obrigara a não praticar, deixa de cumprir a obrigação de não fazer, cabendo ao credor exigir o desfazimento do ato, sob suas expensas, devendo o sujeito passivo da obrigação indenizar o credor pelas perdas e danos. Sendo assim, percebe-se que mais uma vez o legislador inovou com o advento do novo Código Civil de 2002, possibilitando que o ato realizado seja desfeito, sem prejuízo de um posterior ressarcimento, mediante a devida comprovação no âmbito judicial.


Segundo, Caio Mário da Silva Pereira, “obrigação é um vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa pode exigir de outra uma prestação economicamente apreciável”. Porém, o conceito trazido por Washington de Barros Monteiro se apresenta mais completo na medida em que afirma que a "obrigação é um relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através do seu patrimônio”.


Todavia, conforme Mário Júlio de Almeida Costa, a obrigação pode ser conceituada em sentido lato e em sentido estrito ou técnico. Em sentido lato “obrigação designa todos os deveres e ônus de natureza jurídica ou extrajurídica”, neste sentido lato obrigação se apresenta como sinônimo de dever jurídico. Porém, de acordo com o autor, o mais correto é distinguir dever jurídico enquanto gênero e obrigação como espécie, daí resulta o conceito de obrigação em sentido estrito ou técnico, ou seja, “obrigação é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação”, isto é, o dever jurídico de prestar com caráter patrimonial.


Na parte concernente ao direito geral das obrigações, uma das alterações mais significativas foi a normatização da resolução do negócio jurídico por onerosidade excessiva, estabelecida nos artigos 478 a 480 do Código Civil, que tem por fundamento a manutenção do equilíbrio econômico do contrato, princípio há muito consagrado na doutrina e jurisprudência. Assim, o princípio “pacta sunt servanda” (os contratos devem ser cumpridos) sofre um abrandamento, ganhando maior vulto à norma “rebus sic standibus” (teoria da imprevisão).


Efetivamente, diz o artigo 478 que nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornarem excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença, que a decretar, retroagirão à data da citação. A resolução, no entanto, poderá ser evitada, se a outra parte modificar de modo eqüitativo as condições do contrato. Se as obrigações forem somente assumidas por uma das partes, esta poderá requerer a redução de sua prestação, ou alteração no modo de executá-la, evitando-se a onerosidade excessiva.


Ressalta Miguel Reale, no intento de enumerar as mais importantes inovações do projeto no âmbito do direito obrigacional, a “necessidade de atender às novas contribuições da civilística contemporânea no que se refere, por exemplo, à disciplina dos negócios jurídicos, à necessidade de regrar unitariamente as obrigações civis e as mercantis, com mais precisa distinção entre associação civil e sociedade empresária, cuidando de várias novas figuras contratuais que vieram enriquecer o Direito das Obrigações, sem se deixar de dar a devida atenção à preservação do equilíbrio econômico do contrato, nos casos de onerosidade excessiva, para uma das partes, bem como às cautelas que devem presidir os contratos de adesão. Além disso, foi dado o devido tratamento aos títulos de crédito, sendo, igualmente, estabelecidas regras mais adequadas em matéria de responsabilidade civil, que o Código atual ainda subordina à idéia de culpa, sem reconhecer plena e claramente os casos em que a responsabilidade deve ser objetiva, atendendo-se às conseqüências inerentes à natureza e à estrutura dos atos e negócios jurídicos como tais”.


No que tange especificamente à disciplina dos contratos, é importante remarcar que o projeto, reconhecendo a função social do contrato, protege a liberdade de contratar, submetendo, no entanto, os contratantes, aos princípios de probidade e da boa-fé. Ou seja, toda base negocial, repousa, em última análise, em princípios de moral. Nesse aspecto, o ilustre civilista e magistrado Carlos Alberto Bittar é bastante feliz quando observa que o “respeito à palavra dada continua sendo, na verdade, o fundamento ético do negócio jurídico. Pode-se explicar pela teoria da declaração, pode-se explicar pelo voluntarismo, enfim as explicações podem ser as mais variadas. Mas, em última palavra, todos os autores são concordes numa coisa: é o respeito à palavra dada, o elemento fundamental na teoria contratual”.


A doutrina define o instituto da lesão como sendo o aproveitamento indevido na realização do contrato, da inexperiência ou da absoluta necessidade da parte contrária, que faz com que se chegue a um resultado, que conscientemente a parte não desejaria. Ora o instituto da lesão, que foi sempre muito discutido, se caracteriza exatamente assim, inclusive a definição legal é no meu entender perfeito. A lesão ocorre, em primeiro lugar, pelo aproveitamento da inexperiência da outra parte; e, em segundo lugar, da absoluta necessidade que a parte tenha em um contrato. O exemplo clássico é aquele do locatário, que sofrendo uma ação de despejo, deseja alugar imóvel cujo proprietário, tomando conhecimento da sua situação, eleva, de repente, o valor da locação. Premido pela necessidade de não ver, por exemplo, seus objetos ao relento, por ordem e força do despejo, a parte acaba aceitando a contratação. A absoluta necessidade que ele tem de local para se instalar, evitando o vexame de submeter sua família a essa situação constrangedora - que é sempre o despejo - acaba realizando o negócio, negócio esse que, no entanto, se tivesse condição de meditar, de ponderar, jamais faria: pagar, por exemplo, um aluguel de cem para um imóvel que vale dez.


Essa absoluta desproporção nas posições das partes é que autoriza a aplicação da lesão. Pelo projeto isto está explicitamente previsto, como instrumento de extraordinária importância na defesa do economicamente mais fraco. E essa é uma postura tomada pelo projetista, que merece todo aplauso da doutrina civilista, permitindo-se, com a teoria em questão, quando invocada, chegar ao ajuste do contrato, ou então à rescisão, se for do interesse da parte. Esse mecanismo precioso não está previsto no Código atual, por isso é que a jurisprudência vaga a respeito do assunto. A inclusão do fenômeno no projeto vai lhe dar força de lei e, com isso a consagração de importante instrumento de realização de justiça, aliás, previsto já no Código de Defesa do Consumidor. “Com efeito, em vários dispositivos, adota a teoria da lesão, permitindo ao consumidor ajustar os termos de determinado contrato, quando, por exemplo, tenha sido celebrado sem a comutatividade desejada.”.


Quanto ao estado de perigo, explica Carlos Alberto Bittar “que constitui outro fator que pode levar a desequilíbrio na contratação. O exemplo clássico é daquele que está se afogando, quando alguém aparece, oferecendo-lhe a tábua de salvação. Sabedor de que aquela pessoa preza a sua vida - eu acho que dificilmente algum ser humano deixa de prezar a sua vida - o salvador oferece-lhe a prancha, mediante, por exemplo, a participação em metade de sua fortuna: no desespero, a parte faz a declaração concordando e depois o outro o retira da água e vem cobrar a verba correspondente. Ora, alegando estado de perigo, a pessoa pode também de um lado obter anulação dessa declaração, ou então obter o ajuste a uma proporcionalidade compatível. Tem-se certeza, portanto que a invocação dessa teoria pode resolver inúmeros problemas que ocorrem na prática. É que a pessoa que está em perigo adota conduta, que conscientemente não adotaria: portanto é ela excludente, seja de responsabilidade, seja contratual”.


Outro aspecto a ser destacado é preocupação em se evitar o enriquecimento sem causa de uma parte em detrimento da outra, obrigando-se sempre à restituição do que for indevidamente auferido. Além de estabelecer as regras concernentes à teoria geral dos contratos, o projeto prevê, em sua parte específica, a regulamentação dos contratos em espécie. Disciplina alguns já correntes em nosso cotidiano de relações jurídicas e tipificam outros atualmente atípicos, como é o caso do contrato estimatório, atualmente conhecido como venda por consignação (artigos 534-537) através do qual uma das partes, chamada de consignante, entrega a outra coisa móvel, para venda mediante estipulação de preço (estimação vem da estipulação do preço), podendo o consignatário ficar com a coisa, pagando o valor, ou vendê-la a terceiro ganhando a comissão.


Outras modalidades contratuais não previstas no Código de 1916 e que ganham relevo no projeto são as seguintes:


Contrato de comissão - (artigos 693/709): anteriormente prevista apenas no Código Comercial, a comissão mercantil é figura da maior relevância no âmbito das relações negociais, tendo recebido do projeto tratamento amplo e já atualizado com os avanços da atividade mercantil;


Contrato de agência e distribuição - (artigos 710/721): são duas das mais importantes espécies de contratos comerciais, muito utilizadas inclusive no comércio internacional;


Contrato de corretagem - (artigos 722/729): outra inovação, antes disciplinada apenas por escassa legislação extravagante;


Contrato de transportes - (artigos 730/756): o projeto distingue com maestria o contrato de transporte de pessoas do contrato de transporte de coisas. Nesse aspecto, como observa Carlos Alberto Bittar, “está plenamente coerente com a jurisprudência, dominante, em especial quanto à adoção da teoria objetiva na responsabilização da transportadora. E é interessante que esse princípio vem do Código Comercial, que tem um dispositivo de extraordinária importância, quando cuida dos trapicheiros e dos tropeiros: o da responsabilidade sem culpa. O projeto mantém a orientação, e hoje a jurisprudência é tranqüila a respeito”.


O mesmo autor, no que tange à especificação dos contratos, destaca duas figuras já existente no Código atual, mas que ganham novo tratamento: a transação e o compromisso. “O projeto trata a transação e o compromisso como contratos e, é importantíssima essa colocação, porque reflete a natureza desses dois institutos. Como sabem, estão tratados no Código atual como mecanismos de extinção de obrigações. Podem levar a esse resultado, mas pela sua natureza, são contratos. Transação e acordo feito para evitar-se ou possa se pôr fim ao litígio. As partes que, diante de uma dúvida, de um conflito, querem terminá-lo, fazem um acordo. Ora, acordo por definição é contrato: contrato é acordo de vontades por definição. Portanto, transação é uma espécie de contrato. E a mesma coisa acontece em relação ao compromisso, e o compromisso a que me refiro é o compromisso que dá origem a arbitragem. E chamo atenção nesse passo pela importância que a arbitragem assume hoje, tendo em vista o já falado fenômeno da internacionalização da economia. Porque como não há Tribunais regulares a âmbito internacional, a solução das pendências se faz por arbitragem, e essa arbitragem só é possível se houver contrato de compromisso, ou então cláusula arbitral em contrato regular de negócio internacional. Por isso a regulamentação como contrato confere ao compromisso a sua real posição, e lhe dá então o destaque que deve ter na prática, exatamente porque através do compromisso se estabelece o juízo arbitral”.


É claro que a enumeração dos contratos em espécie não é taxativa, mesmo porque outras categorias contratuais já surgiram desde o início da tramitação do projeto, a exemplo dos contratos eletrônicos, sendo bastante possível que venham a surgir novas modalidades de contratos antes que o novo código comece a viger, dada a vacatio legis de um ano, e que será objeto de legislação específica. Ainda no que tange à disciplina dos contratos, o projeto acompanha a tendência já assente tanto na jurisprudência como no Código de Defesa do Consumidor de restringir os efeitos do contrato de adesão, considerando nulas as cláusulas em que o aderente antecipadamente renuncia a direitos resultantes da natureza do negócio, bem como determinando que as cláusulas ambíguas ou contraditórias sejam interpretadas em seu favor.


No capítulo referente à obrigação de indenizar (Responsabilidade Civil), traz relevante inovação, ao prever expressamente a indenização em caso de dano moral, alargando a conceituação atualmente vigente no art. 159 do Código de 1916. Trata-se de adequação ao que já estabelece a Carta Magna. Com isso, a indenização do dano moral, que ainda gerava alguma polêmica na jurisprudência, passa a constar do ordenamento jurídico-positivo. Elimina-se, como diz Caio Mário da Silva Pereira, “o materialismo exagerado de só se considerar objeto do Direito das Obrigações o dano patrimonial. Assegura-se uma sanção para melhor tutelar setores importantes do direito privado, onde a natureza patrimonial não se manifesta como os direitos da personalidade, os direitos do autor etc.”.


Outra inovação, talvez a mais importante, está abertura que se dá, nos artigos 948 e 949, à possibilidade de “adoção da técnica de prestação de serviços, como sucedâneo da reparação de danos. Isso está inclusive coerente com a Constituição de 88, que adotou vários mecanismos alternativos e solução de conflitos”. Entretanto, o Projeto contrariando a tendência atual, abraçada por boa parte da doutrina brasileira (Alvino Lima, Aguiar Dias, Wilson Melo da Silva) de se ampliar as hipóteses de responsabilidade objetiva, privilegia a responsabilidade com culpa, repetindo o atual artigo 159, e apenas dedicando norma genérica à teoria do risco, definindo que haverá obrigação de reparar um dano, independentemente de culpa, desde que esteja previsto em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (parágrafo único do artigo 929).


Outro aspecto que poderia ter sido melhor disciplinado diz respeito à tratativa dos atos unilaterais. Uma vez que o projeto do Código Civil se preocupa em disciplinar apenas a obrigação de indenizar decorrente de ato ilícito, quando se sabe que também os atos lícitos podem dar ensejo à responsabilidade civil.



NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

BITTAR, Carlos Alberto. Direito das Obrigações. 2ª. Edição – 2004.

COSTA, Mário Júlio de Almeida, Noções Fundamentais de Direito Civil. 5ª ed. 2009, 617 pgs.
 
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. V.4. p. 49

PEREIRA, Caio Mário da Silva.Fontes das Obrigações. 7 ed. Rio de Janeiro. Editora Forense,1986.

REALE, Miguel. O projeto do Código Civil. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 10.
 






ERASMO SHALLKYTTON
Enviado por ERASMO SHALLKYTTON em 19/02/2010
Reeditado em 03/04/2013
Código do texto: T2096238
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