RESENHA

INTERTEXTUALIDADE E PLÁGIO - QUESTÕES DE
LINGUAGEM E AUTORIA

A OBRA 
CHRISTOFF, Liliane. Intertextualidade e plágio.
Questões de linguagen e autoria (Tese de doutoramento),
Unicamp, 1996.

Esta resenha trata de uma tese de doutoramento em
Lingüística defendida no Instituto de Estudos da
Linguagem da Universidade Estadual de Campinas
(IEL-Unicamp) em novembro de l996, de autoria de
Lilian Christofe. Versa a obra sobre o plágio em textos
escritos, estando dividida em quatro capítulos, além de
uma introdução e uma conclusão. Vamos já anotar,
como escreve a autora, que a tematização do plágio
implica como legítima a noção de propriedade literária,
e que não são muito claros os contornos definidores do
que seja plágio.
Ao longo dos capítulos vai a autora historiar a noção de plágio, com direito a um percurso etimológico da palavra; considerar os vários enfoques da noção de intertextualidade, bem como cotejar esta com o plágio;
discutir a noção de autor; rever a autoria em Gregório de
Matos e as relações com o plágio em Jorge Luís Borges
e Miguel de Cervantes; e examinar três textos envolvidos em questões de plágio, mostrando a contribuição de um especialista em linguagem para os problemas autorais.
Conceitos fundamentais como “sujeito de discurso”, “sujeito de texto”, “retextualização”, “modalizadores” e mesmo os de intertextualidade e plágio, são expostos com desenvoltura, não exigindo mais que uma releitura para sua compreensão básica.
Não constitui o vocabulário obstáculo para a leitura: o
texto é claro, fluente, interessante e progressivo.
A conclusão enfatiza a importância dos modalizadores na identificação do plágio. São eles expressões reveladoras de que o texto plagiário figura como mera cópia, não avança novos sentidos, por mais dissimulado que se apresente. Ressalta Christofe que todo dizer está sujeito a inscrições sociais; quem escreve está diante de imposições e coerções, mas que isso não é plágio. Enfim, postula uma participação maior de especialistas em linguagem nas questões judiciais que versem sobre plágio, nos trabalhos de perícia , já que observou que essas atividades são realizadas por profissionais da área de conhecimento do caso em questão; como exemplo, num plágio que envolva textos de História, o perito nomeado é normalmente um professor de História.
O objetivo do trabalho é verificar as relações entre intertextualidade e plágio, a partir de uma perspectiva interdisciplinar, tarefa que de fato pertence ao lingüista. Escreve Christofe, e com razão, que não há como falar em plágio sem falar em consciência e intenção , sendo que o sujeito deve ser considerado com relação às imposições e coerções a que está exposto. Daí a autora desenvolver seu trabalho na dimensão da autoria e do sujeito do texto, ou seja, aquele que não é fonte nem origem de conhecimentos, mas autor de um produto lingüístico , um sujeito que lê, seleciona e analisa o conhecimento prévio; um sujeito que é ponto de convergência de outros textos, de outros discursos, jamais origem do saber. Há, de fato, esse caráter social das idéias, de que decorre a noção de intertextualidade; é, porém, plenamente possível falar em autoria, em criação individual, como quer a autora. Afinal, nas suas análises em concreto demonstra como se dá o processo de cópia, de imitação do outro texto, os mecanismos que aí operam, na subtração do texto alheio, este sim original, ao menos no sentido de que é fruto de uma elaboração legítima a partir de outros textos, bem ao contrário daquele que copia.
Aliás, a análise em concreto de três textos de áreas diversas do conhecimento feita por Christofe é percuciente. Ela nos mostra, passo a passo, como ocorre
o plágio em três textos escritos, nos contornos do quadro
teórico a que se propôs. Acompanhamos as análises sem
maiores problemas, de qualquer natureza, técnicos que
sejam. O que, vale notar, chega a causar certa surpresa,
já que textos acadêmicos, por serem técnicos ou científicos, não costumam exatamente proporcionar fácil
leitura. Chega mesmo a parecer que estamos lendo um
curso de perícia em plágio, tal a seqüência didática da
exposição. Tanto que ao final das análises imaginamos
estar resolvido o problema da identificação do plágio em
textos escritos. Mas será mesmo? Retomo a questão
adiante.
Disse a autora que não são muito claros os contornos definidores do que seja plágio. Ora, a dificuldade de uma definição tal esbarra em boa parte no momento histórico em que este ato ilícito se apresenta.
Houve épocas, por exemplo, em que o paradigma era a
imitação dos clássicos, dos modelos consagrados,
estando nesse procedimento a ‘’arte de bem escrever’’,
como lembra a autora na Introdução, e revê no Primeiro
Capítulo, a noção de plágio na História. A questão que
se coloca é que vem a ser imprescindível o concurso da
História se se quiser lograr para a idéia de plágio um
conceito hodierno. Anoto ainda que qualquer conceito
ou definição estará sempre condicionado ao momento
histórico.
Já mencionamos o interesse com que acompanhamos casos analisados em concreto; dissemos que ao final da leitura sentimos como que capacitados a fazer perícia em plágio. Entretanto, será que uma releitura das análises confirmaria essa boa impressão?
Não foi o que aconteceu. Diga-se, em tempo, que a
autora não tem, ou não demonstra, em parte alguma de
sua tese, tal pretensão, qual seja, transformar o leitor
num perito.
Contudo, esforça-se por transmitir a idéia de que identificar o plágio é relativamente fácil. Diz a autora num passo que “o plágio ocorre a partir de um trabalho de dissimulação da intertextualidade (...) que uma análise lingüística pode facilmente evidenciar.” E noutro passo, “uma análise lingüística pode oferecer meios eficazes de apuração das denúncias, além de constituir-se como uma tarefa relativamente simples para quem se proponha executá-la.”
Pois bem, o que incomoda nisso tudo é que parece resolvido o problema da identificação do plágio:
faz-se a análise em concreto nos moldes adotados na
tese, tais e quais, e pronto, temos respondida a questão,
se houve plágio ou não. Será assim, sem maiores
dificuldades? Demonstrou Christofe que em parte sim,
com a análise de três casos, tomados à História, à
Geografia e à Literatura, selecionados para exemplificar
“como um especialista em linguagem pode contribuir
para a elucidação de problemas autorais.” Sem dúvida,
essa contribuição pretendida chega a acontecer,
comprovada por quem percorrer as análises. Resta saber
se o problema da identificação do plágio está resolvido,
sendo que para tal operação basta aplicar o que foi lido.
Certamente que não. E para constatar ter-se-ia de
examinar outros textos envolvidos em plágio. Vamos
observar que o terceiro caso analisado, um texto
literário, é acrescentado “apenas para mostrar que o
modo de plagiar praticamente se repete seja qual for o
tipo de texto.” O que, a meu ver, vem reforçar a idéia de
que a investigação do plágio, sob o aspecto lingüístico,
está esgotada, ou quase isso, coisa que não se pode
aceitar antes de um cuidadoso trabalho de reflexão,
testando o mesmo quadro teórico em outros textos
plagiários, analisando-os sob outros pontos de vista, por
exemplo, fazendo uso de uma outra teoria. Se, por um
lado, os casos estudados são ilustrativos, falta saber se
são suficientes para resolver a questão que nos ocupa: a
identificação do plágio.
Os casos de História e Geografia escolhidos pela
autora são considerados por ela “bastante delicados”,
pois “costuma-se dizer que nessas áreas há pouco espaço
para a criatividade.” No passo da autora, de fato, fatos
históricos e dados ou fenômenos geográficos não devem
ser alterados, mas isso não quer dizer que vai restar
pouco espaço para a criatividade. Não vamos, claro,
comparar, nesse aspecto, texto didático e texto literário.
Contudo, mesmo casos que não comportem criatividade,
podem apresentar modos diferentes de relatar, o que
aliás reconhece Christofe, admitindo não existir uma só
forma de transmitir o mesmo conteúdo, quando
comenta um dos casos. Existe sim a criatividade em
textos didáticos; a mesma matéria escolar pode ser
abordada de forma mais ou menos agradável de se ler,
com maior ou menor habilidade de escrita, por exemplo.
Finalizamos registrando que a autora vem trazer
valiosa contribuição ao estudo do plágio sob o ponto de
vista lingüístico. Suas observações são originais na
medida que não tínhamos um trabalho formal que
trouxesse para os estudos lingüísticos a questão da
identificação do plágio. Ao retomar as referências que
cita, ela positivamente as supera, pois a partir delas
logrou problematizar uma questão pouco abordada,
difícil e de indiscutível importância.
Ainda que se pretenda completa, uma leitura é
sempre uma só versão, uma visão momentânea, apenas
um lugar de quantos em que se poderia estar para um
exercício de reflexão.
Vamos chamar a atenção para um problema que
mais ou menos visivelmente perpassou a tese: a autoria.
Haverá a criação individual, um produto de escrita
pessoal, ou há que se negar a autoria, em face do
chamado caráter social das idéias? Vem a propósito
lembrar que os extremos se tocam. Ora, vamos reafirmar
que o sujeito é sim resultado de uma existência em
comum com os de sua espécie, vindo a ter semelhantes
aspirações, hábitos, crenças, reações, face às múltiplas
experiências que a convivência social proporciona. É o
indivíduo um semelhante, o que pressupõe comunhão de
quantos atos, atitudes, condutas, o que faz dizer que, de
certo modo, todos percorremos os mesmos caminhos,
vivemos as mesmas situações. Portanto, é natural, não
vem surpreender, que ao se falar em autoria venha essa
noção parelhada com outra, já cunhada “caráter social
das idéias”. Ora, um texto é constituído de outros textos,
e um autor nasce de outros autores, autor que, no sentido legítimo do termo, é alguém dotado de originalidade, mas que não perde seu vínculo social. Autor cujo texto deve ser novo, ou estar renovado, trazendo à luz, necessariamente, um aspecto ainda não vislumbrado do pensamento. Pois por mais que um tema tenha sido
abordado, quem por ele demandar reflexão incumbe-se
de lhe revelar um ponto, um traço, um fragmento até
então desconhecido, sem registro na Cultura. Do contrário, põe-nos o “autor” perante o que nada
acrescenta ao Homem.
Existe autor, existe criação individual, existe originalidade. É arguciosa a autora da tese na análise de
seus casos, reivindicando a autoria, repudiando o plágio,
condenando o plagiador, apontando que este desestrutura a produção intelectual e silencia a voz do plagiado.
Por sua vez, a Intertextualidade apresenta-se como teoria vigorosa para o exame do plágio. Ela parece mesmo ter dado conta das análises; já dissemos inclusive que a investigação do plágio pareceu ter sido esgotada
com os três casos promovidos, o que, por bem da não
acomodação, deixamos em aberto: seria prudente
verificar outros textos, confrontar outros casos, já que
ficam dúvidas quanto à suficiência das análises, ainda
que consistentes, conduzidas com força.
Vamos registrar a contribuição que a autora foi buscar na Análise do Discurso e na Teoria Literária.
Nesta, para recuperar a posição de alguns escritores
envolvidos em questões de plágio; naquela, para retomar
a noção de autor e sujeito, bem como o que este saber
toma à psicanálise para situar seus estudos sobre o que
vem a ser um autor. 

Uma última palavra sobre a Tese de Doutoramento de Lilian Christofe: a lingüista há, sem dúvida, de contribuir para uma ampla discussão do plágio escrito. Ela levantou questões importantes, que vão incomodar. A carência de estudos sobre plágio está com os dias contados. 

Antonio Luiz Lopes Carvalho é Professor Colaborador
Assistente do Departamento de Comunicação Social da
Universidade de Taubaté.
Akasha De Lioncourt
Enviado por Akasha De Lioncourt em 29/08/2006
Reeditado em 21/06/2008
Código do texto: T228092
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